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Em dezembro do ano passado, enquanto os presidentes Donald Trump, dos Estados Unidos, e Xi Jinping, da China, travavam mais uma dura batalha comercial, a empresária chinesa Meng Wanzhou foi presa no Canadá a pedido de autoridades norte-americanas. A prisão poderia ter passado despercebida não fosse o fato de que Meng é filha de Ren Zhengfei, fundador da empresa de tecnologia no setor de telecomunicações Huawei.

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A ofensiva dos Estados Unidos – que acusam a empresa de mentir sobre negócios com o Irã e de servir de espionagem para o governo chinês – provocou reação em cadeia entre aliados de Washington. Logo após o episódio do Canadá, vários países desenvolvidos, como o Reino Unido e a Alemanha, decidiram reavaliar a participação da empresa em seus planos de implantação das redes 5G. Austrália e a Nova Zelândia foram mais incisivas e proibiram a empresa chinesa de fornecer a infraestrutura para a rede.

“Se o Ocidente não quer uma nova Guerra Fria, deve permanecer aberto e aceitar a ascensão de outros países. Devemos nos concentrar novamente no desenvolvimento econômico e em criar a paz”, disparou Ren Zhengfei em meio a fortes pressões diplomáticas dos EUA para que a Alemanha e o Reino Unido adote restrições à companhia chinesa.

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A preocupação do governo Trump com a Huawei não é por menos. A empresa se transformou numa gigante das telecomunicações e já é apontada como líder mundial de Tecnologia da Informação e Comunicação (TIC). Com receita acima dos U$ 100 bilhões (cerca de R$ 400 bilhões) em 2018, a multinacional nascida em 1987 superou a Apple em venda de celulares e lidera a corrida para dominar a implantação de redes de internet 5G no mundo.

U$ 100 bilhões

Essa foi a receita da Huawei

em 2018, o que representa cerca

de R$ 400 bilhões.

Marca chinesa de maior presença global atualmente, a Huawei é o que mais fielmente simboliza a fase internacional da transformação do chamado “capitalismo de estado chinês” em “capitalismo de mercado” nas últimas décadas. Hoje, a empresa emprega cerca de 180 mil pessoas, está presente em mais de 170 países, tem 36 centros de inovação espalhados pelo mundo e 15 centros de pesquisa nos mais variados países. No Brasil a multinacional chegou há 20 anos e se gaba de ser líder no mercado nacional de banda larga fixa e móvel por meio das parcerias estabelecidas com as principais operadoras de telecomunicações. Possui escritórios em São Paulo, Rio de Janeiro, Brasília, Curitiba e Recife, além de um centro de distribuição em Sorocaba (SP) e um Centro de Treinamento na capital paulista.

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Quem pensa que a marca Huawei se resume a smartphones e outros dispositivos para uso pessoal, como tablets, computadores, watches (relógios e pulseiras inteligentes), câmeras, carregadores de bateria sem fio e balanças inteligentes (que mede peso, gordura corporal, massa muscular, massa óssea, …), certamente vai se surpreender ao verificar a diversificação da empresa.

Entre os múltiplos focos da marca chinesa está a produção de equipamentos para redes e telecomunicações, além da prestação de serviços e soluções para empresas. São switchs (equipamentos que possibilitam a conexão de computadores em redes), roteadores de grande capacidade, pools de armazenamento convergente para data centers em nuvem, produtos de WLAN para estabelecer conexões em rede sem fio, plataformas digitais inteligentes, estações de telefonia móvel movidas a energia solar e outros. A empresa tem concentrado ainda fortes investimentos na chamada internet das coisas, que, traduzindo, é a conexão dos objetos, mais do que das pessoas, à internet.

Sob ataque

O sucesso da gigante chinesa não foi construído sem polêmicas. Desde os primeiros passos a empresa enfrentou questionamentos dentro e fora da China. A Huawei começou comercializando aparelhos PBX importados e logo passou a fabricar seus próprios modelos e a vende-los para pequenas empresas. Nos anos de 1990, depois de fazer grandes investimentos em equipamentos para o mercado corporativo e apresentar um crescimento vultuoso, a companhia foi acusada de receber ‘empréstimos amigáveis’ de bancos estatais, o que é negado pelo seu fundador.

Na segunda metade dos anos, com parcerias com o governo chinês para ajudar na infraestrutura de telecomunicações, abriu-se a janela para o grande salto internacional. Em 98, a empresa fechou um contrato com a IBM e logo em seguida abriu seu primeiro centro de pesquisa fora do país, na Índia. O crescimento não parou mais, com bilhões de dólares em investimento em redes e conectividades em países de todos os continentes.

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Apesar dos amplos setores de atuação, o que de fato colocou a Huawei no centro da ‘nova guerra fria’ entre Estados Unidos e China é a internet 5G. A nova rede será o futuro próximo da internet, com grande velocidade na transmissão de dados e capacidade para atender trilhões de dispositivos conectados, desde celulares e computadores a eletrodomésticos, carros e robôs.

A reação norte-americana eclode num momento crucial em que, se nada for feito, os EUA ficarão para trás. A companhia chinesa está hoje numa das melhores posições no mundo para desenvolver as redes 5G. Até ao final de março deste ano, a Huawei já tinha assegurado contratos para a criação de 40 dessas redes, segundo dados fornecidos por Ken Hu, presidente executivo da empresa. O número representa crescimento significativo em apenas três meses, considerando que em dezembro de 2018 a companhia havia relatado 25 contratos.

O avanço só não foi maior por causa da insegurança criada em muitos países depois que vieram à tona as acusações dos Estados Unidos de que a Huawei poderia ser usada pelo governo chinês para espionagem. O secretário de Estado, Mike Pompeo, chegou a declarar que se algum país adotar em seus sistemas redes 5G da companhia chinesa, os EUA não compartilhariam mais informações com ele.

No dia 1º de maio, a primeira-ministra britânica, Theresa May, demitiu o ministro da Defesa, Gavin Williamson, após vazamento de informação de que a Grã-Bretanha permitiu à Huawei participar da implementação da rede 5G no país. Dias antes, o governo chinês havia apelado às autoridades britânicas a não cederem ao que classificou como “pressão” dos Estados Unidos contra a empresa.

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Na última terça-feira (7) veio uma notícia boa para a companhia. O governo da Índia sinalizou que não deverá atender a demanda de Washington de vetar a participação da Huawei na implantação da rede 5G no país. Mas a disputa será dura, com adversários europeus de peso, como Nokia e Ericsson, além da rival chinesa ZTE.

Como contra-ataque às investidas dos Estados Unidos, Ren Zhengfei anunciou que vai pedir ao governo chinês que assine um “acordo contra espionagem” com outros países e se comprometa a respeitar o Regulamento Geral de Proteção de Dados da União Europeia. Também enfatizou a implantação de centros de transparência em cibersegurança mundo afora. O último foi inaugurado na cidade de Bruxelas, na Bélgica, em março deste ano.

“Se a cibersegurança for politizada, vai ser um grande desafio. Penso que tais desafios não vão ser apenas para a Huawei, vão ser para toda a indústria e para as relações comerciais numa escala maior”, acrescentou o executivo gigante chinesa, Ken Hu, em evento na cidade de Shenzhen, sede da empresa, no último dia 16 de abril.

A fala de Hu evidencia que a guerra atual entre potências dispensa armas e concentra-se em tecnologia de comunicação.

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O nome Huawei encarna algo que está intimamente ligada à cultura chinesa. A palavra pode ter várias interpretações e, em mandarim, pronuncia-se “uah-uei”. O ‘hua’ pode ser China, magnífico, esplêndido ou flor, representada no logotipo da empresa. O ‘wei’ pode significar conquista, feito, realização ou ação. Uma das interpretações mais usuais dadas ao nome da empresa é “A China faz”, mas também há quem interprete como “A China em ação” ou ainda “Realização chinesa”. Outros significados da marca podem ser “Conquista de forma magnifífica” e “Realização esplêndida da China”.

Três das seis maiores marcas de celulares são chinesas

A ascensão da Huawei no mercado de smartphones representa o avanço das empresas chinesas nesse setor. A Huawei conquistou a segunda posição no ranking dos maiores fabricantes de celulares do mundo, à frente da poderosa Apple, e já ameaça a líder, a coreana Samsung. Não bastasse, a quarta colocada no ranking, a Xiaomi, também é da China, seguida por outra irmã, a Oppo, que disputa a quinta colocação com a Vivo.

A Huwai tem hoje 19% do mercado global, enquanto Apple e Samsung contam com 11,7% e 23,1%, respectivamente. Segundo dados da empresa de pesquisa IDC, as vendas da Huawei cresceram 50% no primeiro trimestre deste ano, em comparação com igual período do ano passado.

O mercado como um todo caiu pelo sexto trimestre consecutivo, com a Apple amargando forte retração em sua participação global. Os fornecedores de smartphones comercializaram um total de 310,8 milhões de celulares em todo o mundo no primeiro trimestre de 2019, uma queda de 6,6% em relação aos 332,7 milhões de unidades no primeiro trimestre de 2018.

As gigantes dos smartphones

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(Unidades vendidas, 1º trimestre de 2019)

Samsung                         71,9 milhões        23,1%

Huawei                            59,1 milhões        19%

Apple                               36,1 milhões        11,7%

Xiaomi                            25 milhões             8%

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Vivo                                 23,2 milhões         7,5%

Oppo                               23,1 milhões          7,4%

Fonte: IDC

Propriedade da empresa é atribuída aos funcionários

Muito se tem divulgado que a Huawei pertence totalmente aos seus funcionários, mas há questionamentos. De acordo com os documentos da empresa, 100% das ações da companhia são de propriedade da Huawei Investment and Holding. Ren Zhengfei, fundador da gigante chinesa, possui apenas 1,14% dessa holding, enquanto o restante, 98,1%, é de propriedade de um comitê sindical, representante dos empregados.

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Um estudo intitulado ‘Quem é o dono da Huawei’ e publicado pelos professores Christopher Balding, da Fulbright University, do Vietnã, e Donald Clarke, da George Washington Law School, questiona o fato de que os sindicatos na China, por lei, responderem ao Estado. Pela legislação, segundo os pesquisadores, o controle da Huawei é efetivamente das autoridades chinesas e não dos funcionários.

Os autores também afirmam que os 96.768 funcionários-acionistas, frequentemente mencionados pela empresa nos relatórios, estão simplesmente envolvidos no esquema de distribuição de lucros, e não nas decisões do sindicato.

A Huawei contesta o estudo. A empresa diz que o estudo se baseou em “fontes pouco fiáveis e meras especulações”. Jian Xisheng, integrante da junta diretiva da empresa, declarou a jornalistas internacionais que a Huawei está obrigada a estabelecer um sindicato para cumprir as leis da China, porém o sindicato não recebe ordens nem é controlado pelo governo. “A Huawei é de propriedade e é controlada por seus funcionários. É por isso que mantivemos nossa independência nos últimos 30 anos”, afirmou Xisheng.