Na segunda-feira (27), a Nova Zelândia declarou estar praticamente livre da transmissão comunitária do novo coronavírus. O país da Oceania registrou apenas dois casos de covid-19 nesta semana e nenhuma morte. Desde que a pandemia começou, foram confirmadas 1.124 pessoas infectadas pelo Sars-Cov-2, com um total de 19 mortes. O êxito obtido até agora na batalha contra o vírus é atribuído às decisões da primeira-ministra Jacinda Ardern e sua equipe, além das condições geográficas do país.
A Nova Zelândia confirmou seu primeiro caso de coronavírus em 28 de fevereiro. Em 14 de março, quando o país tinha apenas seis casos, Ardern enfrentou adversários e deu início a medidas de isolamento. Anunciou que qualquer pessoa que entrasse no país precisaria se auto-isolar por duas semanas, o que estava na época entre as mais difíceis restrições de fronteira do mundo. Seis dias depois foi mais rigorosa ainda: proibiu a entrada de estrangeiros.
Mas Ardern não parou aí. Em 23 de março – quando havia 102 casos confirmados e nenhuma morte – ela anunciou que o país estava entrando no "nível 3" do bloqueio. Negócios não essenciais foram fechados, escolas fechadas para todas as crianças, exceto as dos trabalhadores essenciais, e eventos e reuniões cancelados. O transporte público foi reservado somente aos trabalhadores essenciais e as viagens aéreas domésticas entre as regiões foram proibidas.
Dois dias depois, no dia 25 março, a primeira-ministra redobrou a aposta, colocando a Nova Zelândia no nível 4, o mais rigoroso. As pessoas foram convocadas a não mais sair de casa e manter distância de dois metros. O governo decidiu impor um lockdown amplo e completo, com aplicação de advertências, multas ou até mesmo processos para aquelas pessoas que violassem as regras. Praias, calçadões à beira-mar e parquinhos foram fechados.
Paralelamente ao isolamento, as autoridades de saúde montaram uma ampla operação de testes e rastreamento de contatos de pessoas infectadas. Ardern disse na segunda-feira que a Nova Zelândia tem uma das maiores taxas de testes per capita do mundo, com capacidade para processar até 8 mil testes por dia, isso num país de pouco menos de 5 milhões de habitantes.
Um mês depois da batalha para impedir a disseminação do vírus, os neozelandeses começam a ter de volta as liberdades cotidianas. Desde esta terça-feira (28) as empresas poderão reabrir com algumas medidas preventivas, incluindo a necessidade de distanciamento físico de dois metros. As escolas devem reabrir com capacidade limitada e as pessoas poderão participar de atividades recreativas de baixo risco, incluindo nadar na praia. Até 10 pessoas poderão se reunir para casamentos e funerais.
Locais públicos como bibliotecas, museus e academias de ginástica ainda permanecerão fechados, mas medidas restritivas para esses locais serão reavaliadas em 11 de maio.
“Nós vencemos essa batalha. Mas devemos permanecer vigilantes se quisermos continuar assim”, disse com cautela Ardern. “Inúmeras vidas foram salvas. Devemos comemorar, mas ainda temos uma estrada longa a percorrer.”
Popularidade de Jacinda Ardern ultrapassa fronteiras
O bom desempenho do governo neozelandês no enfrentamento da covid-19 colocou Jacinda Ardern nos holofotes internacionais. Elogiada pela Organização Mundial de Saúde (OMS), a primeira-ministra foi chamada de “Santa Jacinda” pelo Financial Times, jornal inglês fundado em 1888 e especializado em economia e negócios.
Os elogios também vieram do conservador The Washington Post e de outros veículos de comunicação mundo afora, como a revista The Atlantic, que a classificou como a líder mais eficaz do planeta.
O sucesso não vem apenas da barreira criada contra o coronavírus. Jacinda adotou outras medidas – consideradas oportunistas por adversários, mas elogiadas pela maioria da população – que elevaram sua popularidade. Uma delas foi a redução em 20% dos salários dela, de todos os ministros do governo e dos principais executivos dos serviços públicos por um período de seis meses.
Outro ponto a favor de Jacinda é seu estilo de liderança. Ao falar para a população sobre as regras do bloqueio e os perigos da doença, a primeira-ministra passou empatia e se concentrou na gentileza. Sua mensagem foi sempre "Seja forte. Seja gentil". Pediu publicamente que durante o isolamento as pessoas fossem gentis e pensassem nos outros.
Mas nem tudo são louros. A oposição acusa a primeira-ministra de ter exagerado nas medidas restritivas e diz que parte dos prejuízos na economia poderia ter sido evitada.
De mórmon a líder trabalhista
Um ponto interessante da biografia de Jacinda Ardern é que ela foi mórmon na juventude. Aos vinte anos de idade, porém, deixou A Igreja dos Santos dos Últimos Dias por discordar de posições conservadoras da instituição religiosa.
"Eu tenho um respeito real pelas pessoas que têm a religião como fundamento em suas vidas. E eu também respeito as pessoas que não têm”, declarou anos mais tarde.
Formada em Comunicação pela Universidade de Waikato, entrou bem cedo para o Partido Trabalhista, em 1997. Hoje com 39 anos de idade, Ardern tem um longo currículo na política. Trabalhou no gabinete da primeira-ministra Helen Clark a partir de 2002 e, mais tarde, atuou no Reino Unido como assessora do Primeiro-Ministro Tony Blair. Em 2008 foi eleita para o Parlamento da Nova Zelândia e em 2017 tornou-se líder do Partido Trabalhista, mesmo ano que chegou ao cargo de primeira-ministra – a mais jovem mulher da história a assumir o posto de primeira-ministra, aos 37 anos.
No ano passado, Jacinda deu as boas-vindas a sua primeira filha com Clarke Gayford, com quem não é oficialmente casada. Com isso, tornou-se a segunda líder mundial na história a dar à luz enquanto estava em um cargo de alto comando (a primeira foi a paquistanesa Benazir Bhutto, em 1990). Durante a gravidez, trabalhou regularmente no posto de governante do país.
Jacinda Kate Laurell Ardern (nome de registro) se define ideologicamente como social-democrata e progressista. Nos Estados Unidos, por exemplo, é próxima do ex-presidente democrata Barack Obama. É defensora de um estado de bem-estar social que ofereça uma rede de segurança às pessoas. Mas mantém diálogo com todos os lados, da rainha Elizabeth II aos presidentes dos EUA, Donald Trump, e da China, Xi Jinping.
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