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Ele nasceu em Krasnodar, no sul da Rússia, serviu o Exército soviético, foi operário de fábrica e guarda de trânsito na pequena cidade de Minusinsk. Em 1989, aos 28 anos de idade, largou tudo e anunciou que era filho de Deus. Pouco tempo depois passou a comandar milhares de seguidores e a governar uma grande parte das montanhas de uma região da Sibéria, distante quase 4 mil quilômetros de Moscou. Na última terça-feira (22), Sergey Torop, ou Vissarion – o Jesus da Sibéria, como é conhecido – foi preso sob acusação de extorsão e de submeter seguidores a abusos mentais.
Ao longo de trinta anos, o “Cristo siberiano” construiu um reino. Seus seguidores vivem em uma série de comunidades isoladas na longínqua região de Krasnoyarsk, no sul do imenso território russo. São pessoas de toda a Rússia e de outros países, como Alemanha, Cazaquistão, Letônia, Bielo-Rússia, EUA e Bulgária. Hoje, a comunidade soma mais de 30 aldeias com cerca de 5 mil fiéis vivendo na “Terra Prometida”.
Desde que declarou ter tido uma revelação divina, Vissarion passou a escrever o que ele considera uma nova parte da bíblia, intitulada Último Testamento. Até agora já são 16 volumes e outros estão sendo escritos por discípulos. O livro é o pilar da criação da nova religião – para alguns, seita –, que no início dos anos de 1990 se chamou “A Religião da Terra”. Anos depois, Sergey Torop criou a primeira associação religiosa, batizada de “Comunidade da Fé Unida”. Em 1995 fundou oficialmente a “Igreja do Último Testamento”.
A exemplo de Álvaro Thais, o Inri Cristo – catarinense que se autoproclamou a reencarnação de Cristo e se transformou em uma das personagens mais conhecidas do folclore de Curitiba –, Vissarion cultiva longos cabelos e barba semelhantes aos de Jesus e usa uma longa túnica de veludo. Mas as semelhanças com Inri Cristo param aí. Sua morada na aldeia Petropavlovka, onde fica a sede da igreja, foi instalada no topo de uma colina. O espaço tem uma vista deslumbrante, com as montanhas nevadas de Sayan à distância e o prata e o rosa das florestas de bétulas brilhando à luz do sol, segundo relato do jornalista Ian Traynor, do jornal britânico The Guardian, que o visitou em 2002. “No vale, a água azul pura do Lago Tiberkul completa a paisagem fantástica”, relatou Traynor.
Em seu Último Testamento, o “Jesus da Sibéria” fornece detalhes dos principais princípios de seu movimento religioso. “Seja puro em seus pensamentos./Pois o pensamento não é apenas o limiar das ações físicas, mas também a própria ação, irradiando calor e frio./Aquele que tem pensamentos sombrios sobre outra pessoa prejudica a alma dessa pessoa e é lançado em um atoleiro de escuridão”, diz o mandamento 4 de seu testamento.
Em suas pregações e nos seus escritos, Vissarion diz que a Terra está sendo destruída pelo modo de vida das pessoas, o que contraria a vontade de Deus. Nas comunidades em que vivem, os membros de igreja são vegetarianos, devem seguir preceitos de uma vida saudável, mas na sua ‘bíblia’ não é proibido comer animal. ‘Você pode matar um representante do mundo animal e vegetal apenas quando houver uma necessidade importante, somente se o benefício disso exceder a perda da Natureza. Mas durante sua vida, esforce-se para restaurar até mesmo a menor perda que provocastes à Natureza”, diz outros de seus mandamentos.
Há datas de festas nas comunidades, como as da colheita e do feriado das boas novas. As atividades culturais são diversas: teatro, música, artes plásticas, literatura e dança. Há também as chamadas atividades manuais, como arquitetura e construção, olaria, bordado, artesanato, escultura em madeira e marcenaria.
Além de valores ecológicos, as comunidades administradas pelo movimento misturam ritos extraídos do cristianismo ortodoxo com budismo e visões apocalípticas do velho e novo testamentos. Nas comunidades, algumas regras de convivência são claras. O uso de palavrões, tabaco e álcool é proibido. Qualquer tipo de troca monetária dentro da comunidade não é permitida. Também é regra evitar críticas aos outros, assim como conflitos.
Os escritos “arranjo de vida” dão sustentações da vida comunitária. “A comunidade é construída com base no trabalho conjunto, na construção para o bem do próximo, para o bem da Terra, glorificando o nome de Deus com nossas mãos e corações, em um esforço, em primeiro lugar, para mudar a nós mesmos, para construir novas relações baseadas no amor, confiança, compreensão mútua, aceitação uns dos outros e cuidado uns com os outros”, estabelece. O “arranjo de vida” é baseado em quatro componentes: aspiração, entendimento, espaço ideológico e informativo e ação.
Os seguidores da Igreja do Último Testamento contam os anos a partir de 1961, quando Vissarion nasceu, enquanto o Natal – que marca o nascimento de Cristo – foi substituído pelo dia 14 de janeiro, celebração do aniversário do líder.
A operação para prender o “Jesus da Sibéria” mobilizou oficiais armados – incluindo agentes do Serviço Federal de Segurança russo (FSB), a agência de informação sucessora do KGB – e helicópteros. Na casa de Vissarion, os policiais disseram ter encontrado uma grande soma em dinheiro e uma coroa de ouro.
Os investigadores afirmaram que os líderes da comunidade religiosa manipularam os seguidores para que eles entregassem dinheiro. Ainda segundo as autoridades, os membros do culto também eram submetidos a "abuso mental".
Em depoimento e um tribunal, após ser detido na terça-feira (22), Torop negou as acusações. Os advogados dos acusados disseram que vão recorrer da decisão que decretou a prisão preventiva.
Na mídia russa, Sergei Torop, o "Jesus da Sibéria", é descrito como um líder religioso que teve muito sucesso ao administrar uma enorme comunidade. Jornais e sites relatam que suas ordens foram cumpridas sem questionamento, sua opinião sempre foi considerada a única correta. Vassarion é tratado como uma espécie de deus siberiano que era obedecido e adorado.
Seus seguidores, ao deixarem a vida mundana, levaram para as comunidades todas as suas economias, bem como o dinheiro recebido com a venda de imóveis pessoais e outros bens. E todo o patrimônio foi incorporado pela igreja.
Os investigadores afirmam que todos os membros trabalhadores da comunidade pagavam ao líder uma espécie de dízimo por viver na área. Ainda segundo a investigação, as atividades da organização tinham como objetivo o lucro, além da vontade de gerir pessoas. Para isso, foi utilizado tratamento psicológico e eles não desdenharam de recorrer à chantagem e intimidação.
Vissarion e os dois ‘discípulos’ presos reclamam que as acusações se baseiam em depoimentos de duas pessoas com problemas mentais comprovados.
A pergunta que mídia da Rússia e de vários outros países fez após a prisão é o que acontecerá às comunidades do “Jesus da Sibéria”. A Igreja Ortodoxa Russa, que é próxima do governo de Vladimir Putin, tem criticado o grupo, mas até então houve tolerância. As autoridades russas não disseram, pelo menos até agora, o que pretendem fazer com as comunidades. Também foram presos seus dois auxiliares mais próximos, Vadim Redkin e Vladimir Vedernikov.