Encontre matérias e conteúdos da Gazeta do Povo

Jovens que sonham em ser médico partem para aventura longe de casa

Ricardo Lazio com colegas do curso de Medicina, em Pedro Juan Caballero, no Paraguai. (Foto: )

A jornalista Adma Bonifácio tinha uma carreira profissional consolidada em Mato Grosso do Sul. Depois de se formar em jornalismo e trabalhar por 14 anos em várias emissoras de televisão de Campo Grande – afiliadas da Recordo, Band e STB –, ela resolveu fazer uma mudança radical em sua vida. Com o marido, também jornalista e que trabalhava como repórter cinematográfico, juntaram os poucos pertences, pegaram as duas filhas – uma de 9 anos e outra de 6 – e se mudaram para o Paraguai cursar Medicina.

Hoje, aos 33 anos, Adma e o marido estão no segundo ano de Medicina na Universidade Privada Del Guairá, uma das oito faculdades de ensino médico de Pedro Juan Caballero, cidade paraguaia na fronteira do Brasil que faz divisa com Ponta Porã.

”Gosto de atuar como jornalista, mas eu e meu marido queríamos uma coisa diferente depois de tantos anos. Em Campo Grande não teríamos como pagar a mensalidade de uma faculdade particular que está em torno de 13 mil”, diz.

A história de Adma retrata a aventura de milhares de outros jovens brasileiros – alguns não tão jovens – que foram embora do Brasil em busca do sonho de ser médico ou médica.

Estudantes em Cochabamba, na Bolívia, país que concentra cerca de 25 mil brasileiros estudando Medicina. Foto: Jornal Opinión/cortesia

São jovens muitas vezes já com alguma formação universitária, que abandonaram outros cursos ou que estão pela primeira vez numa faculdade. Ricardo Lazio, 29 anos, trocou a ‘cidade maravilhosa’ pela fronteira entre Brasil e Paraguai. “Tudo aconteceu por acaso. Eu havia passado em quatro concursos públicos, incluindo um da Polícia Militar do Rio, mas deixei tudo porque fui aprovado em primeiro lugar no vestibular do curso de Pedagogia na Universidade Federal do Mato Grosso do Sul. Chegando aqui, eu descobri a Medicina. Fiquei um ano avaliando e vi que as faculdades eram boas, o custo de vida era baixo e havia oportunidade de eu estudar e trabalhar. Então voltei para o Rio, arrumei minhas coisas e vim definitivamente para Pedro Juan Caballero”, conta.

Aluno da Upap, uma das oito universidades instaladas na cidade fronteiriça, Ricardo Lazio diz que agora tem muitos planos. “Neste momento não penso em voltar para o Brasil quando me formar. Quero fazer especialização aqui e depois ir para a Europa, Canadá ou Estados Unidos.”

Neste momento não penso em voltar para o Brasil quando me formar. Quero fazer especialização aqui e depois ir para a Europa, Canadá ou Estados Unidos.

Ricardo Lazio, estudante que trocou o Rio de Janeiro por Pedro Juan Caballero (Paraguai).

A rondoniense Caratarina Colares Brasil, 19 anos, saiu de Porto Velho, capital do estado, e viajou quase 3 mil quilômetros até Cochabamba, cidade boliviana na Cordilheira dos Antes, a 370 quilômetros da capital La Paz. Lá se matriculou no curso de Medicina da Universidade Central da Bolívia (Unicen) e, desde 2017, se juntou aos milhares de colegas brasileiros.

“Para quem está pensando estudar na Bolívia eu digo que é bom pensar bem antes de decidir. Além de ficar longe da família, a comida aqui é diferente e as exigências são muitas na faculdade. Não é fácil como muitos falam no Brasil, aqui na Bolívia as exigências do curso são até maiores”, alerta Catarina.

O pai da jovem rondoniense, Francisco das Chagas Brasil, passou três meses em Cochabamba organizando a moradia da filha. “Noventa por cento dos estudantes de Medicina lá são brasileiros”, conta.

Outro brasileiro que escolheu Cochabama é Vanderlandes Oliveira, que saiu do Maranhão e estuda há quatro anos na Upal. “Tem que estudar muito, temos estrutura. Estudo os mesmos livros e tenho as mesmas práticas na universidade de amigos que estudam Medicina no Brasil”, diz ao rebater críticas sobre a qualidade do ensino. “A minha faculdade tem mais de 28 formando médicos.”

Estudantes com poucos recursos para se manter, procuram arrumar alguma renda enquanto fazem a faculdade. Alexandre Costa, estudante do curso de Medicina da Universidade de Buenos Aires (UBA), virou youtuber. Ele foi contratado pela mesma empresa que o levou para a Argentina, a EducAR Intercâmbios. Em seus vídeos, visto por milhares de pessoas, ele mostra a vida de estudante brasileiro no país vizinho, dá orientações para quem pretende ir para lá e mostra o cotidiano da vida na capital argentina.

Mayara Moraes saiu de São Paulo aos 17 anos e hoje está no último ano do curso de Medicina da Universidade Buenos Aires.

Uma história de sucesso

Quando a paulistana Mayara Moraes deixou o Brasil com um plano para estudar na Argentina, o sonho parecia distante de se tornar realidade. Na época ela tinha apenas 17 anos de idade. Hoje, aos 26 anos, a então adolescente que em 2010 se despediu da família para uma aventura estudantil está no último ano do curso de Medicina da Universidade de Buenos Aires (UBA), uma das melhores do mundo.

Com a formatura próxima, a pergunta que vem é se ela voltará para o Brasil. “Ainda não sei. Revalidar o meu diploma isso sim eu farei, até porque não sabemos o dia de amanhã. A saudade da família e a vontade de estar perto dos entes queridos existe obviamente. Mas, no momento, vejo que a Argentina me oferece mais oportunidades”, diz.

Mayara também não descarta a possibilidade de fazer residência em algum outro país, como a Espanha, por exemplo. “O diploma da UBA tem convalidação automática com alguns países europeus”, observa.

Uma grande diferença é que a forma de ingresso nas universidades aqui (na Argentina) é mais justa. Você não compete com ninguém por uma vaga. Se você conseguir aprovação nas seis matérias de pré-ingresso você entra no curso escolhido. E aqui não existe o ´endeusamento´ da Medicina. O médico aqui não é um Deus, quem faz Medicina aqui faz por vocação.

Mayara Moraes, estudante do último ano de Medicina na Universidade de Buenos Aires (UBA).

A quantidade de estudantes brasileiros que a cada ano chega na Argentina tem surpreendido Mayara. “A cada ano que passa mais e mais brasileiros desembarcam por aqui para estudar Medicina. Acredito que o motivo seja o mesmo que me fez vir para cá: ensino de qualidade e forma de ingresso mais justa”, avalia.

A futura médica não esconde as situações desconfortantes pelas quais já passou no Brasil por causa da opção que fez. “Já recebi olhares que gostaria de não ter recebido quando me perguntavam o que eu fazia, e eu falava que estudava Medicina na Argentina. Pelo simples fato de que aqui não existe vestibular. E realmente não existe vestibular, mas existe pré-ingresso. O pré-ingresso da UBA dura um ano. Uma grande diferença é que a forma de ingresso nas universidades aqui é mais justa. Você não compete com ninguém por uma vaga. Se você conseguir aprovação nas seis matérias de pré-ingresso você entra no curso escolhido. E aqui não existe o ‘endeusamento’ da Medicina. O médico aqui não é um Deus, quem faz Medicina aqui faz por vocação.”

Mayara diz que sempre acreditou que tudo dependia de dela, que a única maneira de mudar essa ideia do preconceito era com conhecimento. “A UBA é uma excelente universidade, super bem colocada nos rankings, com prêmios Nobel, com docentes de excelência – muitos dos quais se dividem em dar aulas aqui e dar aulas em outras universidades conceituadas pelo mundo afora –, é uma universidade bastante voltada para a investigação e docência”, defende.

Para quem está pensando trilhar um caminho semelhante ao de Mayara, a futura médica tem uma mensagem de otimismo. “Não desista do seu sonho. Eu não trocaria toda a minha experiência, bagagem cultural e conhecimentos adquiridos aqui por nada. Foi a melhor escolha que eu fiz. Sou eternamente grata a todas as oportunidades que não tive e as que tive. Vou ser médica e não importa o país no qual serei médica. O sonho é cuidar de pessoas. E pessoas existem em todo e qualquer cantinho do mundo.”

Leia mais em:

Estudantes movimentam economia de cidades da Bolívia e do Paraguai

A corrida por um diploma de Medicina fora do país

Qualidade da formação de médicos fora do Brasil é o que preocupa, diz coordenador do CFM

Use este espaço apenas para a comunicação de erros