Aprovada no Senado, proposta que dá direito às empregadas de empresas privadas ficarem afastadas do trabalhado por 180 dias será votada na Câmara
Uma medida reivindicada há muito tempo pela Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP) e defendida pela Organização Mundial da Saúde (OMS) ficou mais perto de ser implementada no Brasil. O projeto que concede licença-maternidade remunerada de 180 dias às empregadas de empresas privadas foi aprovado no início deste mês no Senado e agora deve ser votado na Câmara dos Deputados.
A proposta aumenta em dois meses o período em que a mãe pode ficar afastada do trabalho, que hoje é de quatro meses. A nova regra beneficia também a mulher que adotar ou obtiver guarda judicial para fins de adoção de criança. Além das empregadas em empresas privadas, contribuintes avulsas do INSS, como trabalhadoras autônomas, têm direito ao benefício.
O aumento do período de afastamento das mulheres que têm bebês colocaria o Brasil no time dos países mais desenvolvidos do mundo, que atualmente já concedem licença-maternidade acima de 18 semanas. Hoje no país, o direito aos seis meses de licença remunerada já está garantido a servidoras públicas federais e de vários estados e municípios. A ampliação para todas as trabalhadoras, portanto, seria uma correção das desigualdades.
O tema é discutido no Congresso há pelo menos dez anos. Em 2008 foi aprovado o Programa Empresa Cidadã, pelo qual as empresas privadas podem conceder seis meses de licença, mas o INSS não banca os dois meses que excedem os quatro já previstos em lei. O programa prevê que a empresa pague o quinto e sexto mês e depois faça o abatimento dos gastos no Imposto de Renda Pessoa Jurídica.
“Se a OMS, o Ministério da Saúde e a Sociedade Brasileira de Pediatria orientam, com base em estudos científicos, que a amamentação deve ser exclusiva por seis meses é importante que as mães fiquem em casa durante esse período para amamentar exclusivamente seu bebê.”
Vilneide Braga, pediatra, integrante do Departamento de Aleitamento Materno da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP).
Pelo projeto aprovado agora no Senado (PLS 72/2017), de autoria da senadora Rose de Freitas (PMDB-ES), a Previdência Social terá de bancar os custos do afastamento da segurada por 180 dias. A empresa deverá pagar os salários do período de seis meses, da mesma forma como ocorre hoje com os quatro meses, e depois poderá abater os valores do total que ela (empresa) tem de pagar à Previdência.
Mesmo com a previsão de que os custos devem ser bancados pela Previdência, há quem aponte problemas. O senador Cidinho Santos (PR-MT) manifestou preocupação com a possibilidade de a mudança trazer prejuízo às mulheres no que se refere às contratações no mercado de trabalho. Outro problema apontado é o aumento de gastos do INSS, que atualmente enfrenta sério problema de déficit.
A senadora Rose de Freitas apresenta como justificativa para a aprovação da nova lei as recomendações da OMS e do Ministério da Saúde do Brasil de que, nos seis primeiros meses de vida, o bebê deve ingerir exclusivamente o leite materno.
Saúde da criança
Para a pediatra Vilneide Braga, do Departamento de Aleitamento Materno da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP), há uma incongruência hoje sobre a questão da licença maternidade. “Se a OMS, o Ministério da Saúde e a Sociedade Brasileira de Pediatria orientam, com base em estudos científicos, que a amamentação deve ser exclusiva por seis meses é importante que as mães fiquem em casa durante esse período para amamentar exclusivamente seu bebê”, diz.
A pediatra observa que essa é uma luta antiga da SBP. “Os benefícios são muitos para os bebês, que vão desde aumento da imunidade, redução da mortalidade infantil, além de ganhos na saúde oral e consciente de inteligência. Outra vantagem é a redução de doenças relacionadas aos adultos. A criança que recebe amamentação exclusiva, quanto adulta, tem menos propensão à obesidade e doenças como diabetes tipo 2, além de ter melhor sistema imunológico.”
O pediatra Eduardo Meister, supervisor médico da Pediatria do Hospital de Clínicas da UFPR, concorda com as vantagens para os bebês quando a mãe pode ficar com eles nos primeiros seis meses. “A criança tem uma fase que fica mais facilmente doente. O período de seis meses permite o aleitamento materno exclusivo, o que é muito importante. Há ainda a vantagem de vínculo. Quanto mais tempo que a mãe ficar com a criança, ainda mais na fase inicial, maior é o vínculo afetivo”, observa.
Para Meister, fora de casa e em contato com vários ambientes e pessoas, as crianças com pouca idade ficam mais expostas a doenças contagiosas.
Os especialistas destacam ainda os benefícios para a mãe. “Para a mãe, a vantagem principal é ela ter certeza de que ela está dando o melhor de si para o seu filho. Mas tem outras vantagens. A mulher que amamenta tem uma menor prevalência de diabetes tipo 2, volta ao peso pré-gestacional mais rapidamente e tem vantagem de menor prevalência de câncer de ovário e de mama (quanto mais amamenta, mas)”, reforça Vilneide Braga.
100 anos
O ano de 2019 marcará o centenário internacional das normas trabalhistas sobre proteção à maternidade. Foi durante a primeira Conferência Internacional do Trabalho, em 1919, que decidiu-se adotar a primeira Convenção sobre a Proteção da Maternidade. Esta convenção foi seguida de duas outras, em 1952 e em 2000, respectivamente, as quais ampliaram os direitos relacionados à proteção da maternidade no trabalho em todo o mundo.
Recomendação
A Organização Internacional do Trabalho (OIT) recomenda que os países membros devem se esforçar para ampliar para, pelo menos, 18 semanas o período de licença maternidade. Hoje a convenção estabelece o mínimo de 14 semanas.
Tempo de licença é maior em países desenvolvidos
As normas para a licença maternidade vêm sendo implementadas e revistas constantemente em todo o mundo. Apesar da recomendação da Organização Internacional do Trabalho (OIT), de que o período razoável de licença maternidade deve ser de pelo menos 18 semanas, as regras sobre o tema são díspares entre os países.
Um dos estudos mais amplos sobre o tema data de 2014, intitulado Maternity and paternity at work – Law and practice across the world (Maternidade e paternidade no trabalho – Lei e prática pelo mundo), e foi elaborado pela OIT.
Uma das conclusões que se pode extrair desse trabalho é que há diferenças acentuadas em relação ao tempo de duração da licença maternidade e às formas de custeio dos salários das mães. Outra conclusão é que os benefícios da licença maternidade são maiores nas economias desenvolvidas e muito restritos nos países em desenvolvimento.
Entre os países desenvolvidos, a metade tem leis que garantem a licença maternidade acima de 18 semanas, ou seja, mais de quatro meses e meio. Um detalhe que chama a atenção é que nos países do leste europeu, mesmo não estando entre as economias mais ricas, 88% deles tem regras que permitem a licença por mais de 18 semanas.
No grupo de países com maiores benefícios estão Reino Unido (315 dias de licença), Noruega (46 semanas divididas entre a mãe e o pai), Suécia (1 ano e 4 meses divididos entre a mãe e o pai) e Croácia (410 dias).
Os Estados Unidos estão do outro lado entre os países desenvolvidos. A maior economia do mundo oferece 12 semanas de licença maternidade sem nenhuma remuneração. Desde 1978 está em vigor no país a “Pregnancy Discrimination Act”, que diz ser proibido demitir ou tirar do cargo uma funcionária apenas por ela estar grávida. Na prática, porém, a regra nem sempre é cumprida. Basta o empresário alegar que a demissão ocorreu por problema financeiro da empresa que não recebe punição.
No mundo em desenvolvimento, a licença maternidade é mais restrita no Oriente Médio, onde 92% dos países concedem menos de 12 semanas e nenhum permite 18 semanas ou mais. Na África e na Ásia também há grandes restrições. A Malásia e o Sudão, por exemplo, concedem apenas oito semanas de afastamento para as mulheres.
Na América Latina, o Chile e a Venezuela lideram o ranking dos que oferecem maiores período de licença maternidade. Os dois países estão na lista dos que garantem 18 semanas ou mais de afastamento. (CM)
Seguro social garante pagamento
O estudo da Organização Mundial do Trabalho (OIT) revela que na maioria dos países do mundo os recursos para o pagamento da licença maternidade não saem dos cofres das empresas. Em 88% dos países desenvolvidos, por exemplo, o dinheiro para pagar os salários das mães afastadas do trabalho é proveniente de seguro social. No leste europeu, praticamente todos os países pagam a licença com dinheiro público. O Brasil se enquadra nesse grupo.
Nos Estados Unidos, alguns governos estaduais, como o da Califórnia, obriga a licença maternidade remunerada e um grande número de empresas também mantêm a remuneração mesmo não sendo obrigadas. A Netflix, por exemplo, anunciou recentemente a extensão das licenças concedidas por maternidade e paternidade. Ela oferece aos seus funcionários e funcionárias até um ano de afastamento remunerado, sem fazer distinções entre homens e mulheres.
Empresa cidadã
Desde 2008 um programa do governo federal, o Empresa Cidadã, garante às empresas privadas o direito de deduzir do Imposto sobre a Renda da Pessoa Jurídica (IRPJ) os gastos com a prorrogação da licença maternidade de suas funcionárias por mais dois meses além dos quatro meses estabelecidos em lei. A dedução é limitada ao valor do imposto devido com base no lucro real da companhia.
De acordo com o último levantamento da Receita Federal, em 2016 cerca de 20 mil empresas já haviam aderido ao programa. Em todas essas empresas, as mães podem ficar afastadas durante seis meses de licença maternidade.
As empresas cidadãs também beneficiam o pai, que passa a ter direito a 15 dias de licença paternidade, além dos cinco estabelecidos em lei.