Após 173 anos da descoberta de Netuno e 13 anos depois que Plutão foi rebaixado, cientistas afirmam que o sistema solar volta a ter um nono planeta. Descoberta é motivo de controvérsias e contestações
Há décadas, cientistas travam disputas sobre a existência de um novo planeta no sistema solar. Agora, pesquisadores do Instituto de Tecnologia da Califórnia, conhecido pela sigla Caltech, afirmam ter desfeito a dúvida. Konstantin Batygin e Mike Brown, que lideraram os estudos, garantem que as evidências de um planeta gigante traçando uma órbita bizarra (externa) e altamente alongada no sistema solar são incontestáveis.
De acordo com os dois pesquisadores, o objeto descoberto – batizado de Planeta Nove – tem uma massa cerca de 10 vezes maior que a da Terra e orbita cerca de 20 vezes mais distante do Sol que Netuno (que gira a uma distância média de 2,8 bilhões de quilômetros). Se confirmados esses números, o novo planeta levaria mais de 10 mil anos para fazer apenas um giro completo ao redor do Sol.
“Só houve dois planetas verdadeiros descobertos desde os tempos antigos, e este seria um terceiro. É um pedaço considerável do nosso sistema solar que ainda está por encontrar, o que é bastante excitante”, declarou Brown em artigo científico publicado pela Caltech.
10 mil anos
Esse seria o tempo mínimo que o Planeta Nove levaria para orbitar apenas uma vez o Sol. Há estimativa de que poderia levar o dobro, 20 mil anos.
Brown observa que o suposto nono planeta – com 5 mil vezes a massa de Plutão, o qual foi rebaixado à condição de planeta anão em 2006 – “é suficientemente grande para que não haja debate sobre se é um planeta verdadeiro”. O pesquisador argumenta que, ao contrário da classe de objetos menores vistos na mesma região, agora conhecidos como planetas anões, o Planeta Nove domina gravitacionalmente sua vizinhança do sistema solar – ele domina uma região maior do que qualquer outro planeta conhecido, um fato que, para Brown, o torna “o planeta mais planetário de todo o sistema solar”.
O resultado do trabalho de Batygin e Brown foi publicado pelo Astronomical Journal e mostra como o Planeta Nove ajudaria a explicar uma série de características misteriosas do campo de objetos gelados e detritos observados além de Netuno, conhecido como Cinturão de Kuiper.
A existência dessa região próxima à órbita de Netuno foi descoberta em 1992. Desde então já foram catalogados mais de mil pequenos objetos no Cinturão de Kuiper e os estudos preveem que esse número pode chegar a 100 mil pequenos corpos celestes. Netuno e os outros planetas gigantes influenciariam gravitacionalmente os objetos no Cinturão de Kuiper e além, conhecidos como Objetos Trans-Netunianos (TNOs).
Divergências
Desde que foi descrito pela primeira vez, há dois anos, o Planeta Nove divide a comunidade científica. O que não faltam são astrônomos para contestar a descoberta e apresentar teses alternativas. Pesquisadores de um projeto chamado “Outer Solar System Origins Survey” (Pesquisas sobre as origens para além do sistema solar, em tradução livre), por exemplo, dizem que a distribuição dos corpos no Cinturão de Kuiper é aleatória e que os dados sobre os quais Brown e Batygin estão se baseando têm erros causados por fatores climáticos.
Uma das questões mais comuns levantadas é se o Planeta Nove existe mesmo ou se ele é apenas um grande anel de detritos nos confins do sistema solar. Uma pesquisa publicada em janeiro deste ano, também no renomado Astronomical Journal, é outro exemplo das controvérsias. Em vez de confirmar a existência do planeta misterioso para explicar as estranhas órbitas de certos objetos do Cinturão de Kuiper, Antranik Sefilian, da Universidade de Cambridge, e Jihad Touma, da Universidade Americana de Beirute, defendem que um disco na camada externa do sistema solar composto por rocha e gelo poderia produzir o mesmo efeito que um grande planeta exterior.
“Só houve dois planetas verdadeiros descobertos desde os tempos antigos, e este seria um terceiro. É um pedaço considerável do nosso sistema solar que ainda está por encontrar, o que é bastante excitante.”
Mike Brown, pesquisador do Instituto de Tecnologia da Califórnia (Caltech).
Cientistas da Universidade de Cambridge, no Reino Unido, afirmam que as órbitas estranhas de alguns objetos nos confins do nosso sistema solar não são moldadas pelo hipotético Planeta Nove, mas podem ser explicadas pela força gravitacional de pequenos corpos que orbitam o Sol além de Netuno.
As contestações não abalam a certeza de Brown e Batygin. Os dois cientistas convivem não é de hoje com controvérsias de várias ordens: eles integram também a equipe de pesquisadores que rebaixou Plutão – descoberto em 1930 – à categoria de planeta anão. A decisão demandou muitas discussões, provocou divergências e só foi tomada, finalmente, após dez dias de discussões acaloradas numa conferência em Praga, na República Tcheca, treze anos atrás.
Evidências sólidas
Embora ainda não tenham observado o Planeta Nove diretamente – eles sustentam a descoberta com base em modelagem matemática e simulações de computador –, Batygin e Brown insistem que as evidências são sólidas. “Inicialmente nós estávamos céticos que este planeta pudesse existir, mas à medida que continuamos a investigar sua órbita e o que isso significaria para o sistema solar externo, ficamos cada vez mais convencidos de que ele está lá fora”, explicou Batygin em matéria publicada pelo Caltech.
A jornada para chegar à descoberta foi longa, uma verdadeira jornada nas estrelas aqui mesmo na Terra. Em 2014, o pesquisador Chad Trujillo e seu colega Scott Sheppard publicaram um artigo observando que 13 dos objetos mais distantes no Cinturão de Kuiper são semelhantes em relação a um obscuro recurso orbital. Para explicar essa semelhança, eles sugeriram a possível presença de um pequeno planeta. Brown achava que a solução do planeta era improvável, mas seu interesse foi despertado.
Encucado com o problema, Brown levou o problema até Batygin, e os dois começaram o que se tornou uma colaboração de um ano e meio para investigar os objetos distantes. Depois do longo estudo e de abordagens diferentes, os dois perceberam que os seis objetos têm órbitas elípticas que apontam na mesma direção, algo que é praticamente improvável. Isso só poderia ser explicado pela presença de um corpo como o Planeta Nove, de grande massa gravitacional.
Para facilitar o entendimento da descoberta, a dupla de pesquisadores recorre às origens do surgimento do sistema solar. Os cientistas há muito acreditavam que o sistema solar primitivo começou com quatro núcleos planetários que se juntaram para pegar todo o gás ao redor deles, formando os quatro planetas gasosos – Júpiter, Saturno, Urano e Netuno. Com o tempo, colisões e ejeções os moldaram e os levaram para seus locais atuais. “Mas não há razão para que não tenha havido cinco núcleos, em vez de quatro”, diz Brown. O Planeta Nove pode representar esse quinto núcleo, e, como chegou perto demais de Júpiter ou Saturno, pode ter sido ejetado em sua órbita distante e excêntrica.
Sobre os opositores de seus estudos, Brown diz que é mais difícil imaginar o sistema solar sem esse astro do que com ele. “Se você decidir eliminar essa explicação e imaginar que o Planeta Nove não existe, você geraria mais problemas do que soluções. De repente, você teria cinco enigmas diferentes e você deveria ter que desenvolver cinco teorias diferentes para explicá-los”, argumenta ao ressaltar que até agora nenhuma evidência surgiu para refutar a existência do Planeta Nove de forma conclusiva.
Enquanto o debate ganha força em todo o mundo, Batygin e Brown continuam fazendo simulações e buscando mais dados sobre a órbita do objeto polêmico e sua influência no sistema solar distante. Ao mesmo tempo, eles e outros colegas procuram pelos céus o Planeta Nove. Apenas a órbita bizarra é conhecida, não a localização precisa do misterioso e controverso astro.
“Eu adoraria encontrá-lo”, diz Brown. “Mas eu também ficaria perfeitamente feliz se alguém o encontrasse. É por isso que estamos publicando este artigo. Esperamos que outras pessoas se inspirem e comecem a pesquisar.”
As grandes descobertas de planetas do nosso sistema solar
Netuno foi o último planeta descoberto no nosso sistema solar, em 1846, após cálculos matemáticos. O crédito da descoberta gerou disputa entre franceses e britânicos. No final, ficou definido que o francês Urbain Le Verrier e britânico John Couch Adams mereciam o crédito em conjunto. Mas novos documentos descobertos no final de década de 90, a autoria está sendo contestada, e alguns historiadores dão crédito somente ao francês Le Verrier.
Antes de Netuno, em 1781, o alemão William Herschel identificou um objeto não catalogado que se movia relativamente às estrelas. Aquilo que ele inicialmente pensou ser um cometa acabou por ser identificado como Urano, o 7º planeta do sistema solar. Com esta descoberta o sistema solar duplicou de tamanho, porque a distância de Urano ao Sol é sensivelmente o dobro da de Saturno.
Antes do século 2 d.C já sabia da existência de cinco planetas: Mercúrio, Vênus, Marte, Júpiter e Saturno, que são os que podem ser vistos a olho nu. Foi nessa época que o pesquisador grego Claudio Ptolomeu, criou a teoria do geocentrismo, a qual afirmava que a Terra era o centro do universo e que os planetas giravam em seu entorno.
Mais de 3 mil anos depois, em 1514, o astrônomo polonês Nicolau Copérnico (1473-1543) provou, através de um modelo matemático, que a Terra e os demais planetas giravam em torno do Sol, criando o heliocentrismo.
Com o telescópio desenvolvido pelo italiano Galileu Galilei, que aumentava 30 vezes os objetos focados, foi possível identificar os anéis de Saturno, vistos pela primeira vez em 1610.