Maior presença de monarquistas no Executivo e Legislativo ressuscita debate sobre sistema e forma de governo no Brasil
Desde a proclamação da República, em 1889, até a Constituição de 1988, a cada crise política surgiam vozes em defesa de alterações no sistema e na forma de governo do Brasil. Entre os defensores de mudanças estavam os monarquistas, que classificavam como golpe de estado a ação do grupo de militares brasileiros, liderados pelo marechal Manuel Deodoro da Fonseca, que destituiu o imperador D. Pedro II e colocou fim à monarquia constitucional parlamentarista do Império. Logo após a Constituinte, em 1993 foi realizado um plebiscito em que os brasileiros decidiram que o Brasil seria uma república com forma de governo presidencialista.
Com a vitória dos republicanos por larga margem – 86,6% dos eleitores votaram pela república contra 13,4% dos que optaram pela monarquia – chegou-se a conjecturar que os defensores da volta do rei estariam definitivamente silenciados. O resultado da consulta popular também levava a crer que aqueles que pediam o parlamentarismo como forma de governo não mais teriam voz– 69,2% escolheram o presidencialismo frente a 30,8% que optaram pelo parlamentarismo. Mas isso não ocorreu.
Passados 30 anos da chamada ‘Constituição Cidadã’, diante das sucessivas crises políticas, o que se registrou nas últimas eleições foi um crescimento do número de parlamentares simpáticos à monarquia e a eleição de um príncipe, o deputado Luiz Philippe de Orléans e Bragança (PSL). Esse novo cenário abriu espaço para que o debate sobre sistema e forma de governo do Brasil fosse ressuscitado. Ao mesmo tempo em que um grupo de deputados se articula em torno do que pode vir a constituir uma ‘bancada monarquista’, simpatizantes da ideia conquistam espaço no governo federal.
Assim como ocorria antes da Constituição de 1988, os monarquistas de hoje classificam a Proclamação da República e a destituição de Dom Pedro II como golpe de Estado. Mas a maioria considera que ainda está longe de o grupo formar uma ‘bancada monarquista’ no Congresso Nacional.
“Não existe uma bancada monarquista, o que existe são alguns parlamentares simpáticos às propostas do movimento monarquista”, diz o deputado federal Paulo Martins (PSC), eleito pelo Paraná. Monarquista declarado, Martins é um dos que veem a abertura de uma janela para se discutir mudanças. “Temos um presidencialismo problemático, fala-se em reforma política a todo instante, a cada seis meses se instala uma crise, e aí surge alguém com a ideia de parlamentarismo. Se o debate for para esse lado, temos que debater também a questão da monarquia”, argumenta.
Uma das figuras de maior destaque do grupo de monarquista no Congresso é a deputada Carla Zambelli, do PSL, mesmo partido do presidente Jair Bolsonaro. A parlamentar, que usualmente posta fotos nas redes sociais ao lado de membros da família real, confirma articulação para formalizar uma bancada monarquista. “Está em organização, existem parlamentares simpáticos que estão debatendo esse tema”, diz. Zambelli reforça a tese de que no momento existe clima para discutir sistema e forma de governo. “Em 1993, quando houve o plebiscito, não havia uma internet difundida. Hoje, com mídias sociais e maior acesso das pessoas, o debate pode ser outro”, avalia.
Médio prazo
Beneficiado direto na hipótese de volta da monarquia, o príncipe Dom Bertrand de Orleans e Bragança, bisneto da Princesa Isabel e trineto do Imperador Dom Pedro II, concorda que o momento é bom para a família real, mas diz que esse é um tema que não deve ser tratado com vistas no curto prazo. “Nesse momento, muitos começam a perguntar se valeu a pena a República. Quem estuda a nossa história, vai ver que depois de 1889, por uma série de problemas políticos, houve instabilidades de toda ordem no país. Então, é de se refletir se a solução dos nossos problemas, não a curto prazo, mas em prazo médio, seria voltar àquele regime que realmente deu certo no Brasil, que foi a monarquia”, defende.
A presença dos monarquistas no Congresso é reforçada pela eleição do deputado Luiz Philippe de Orléans e Bragança (PSL), primeiro membro da família imperial a ocupar um cargo político de relevância desde a Proclamação da República. Sobrinho do príncipe D. Luís Gastão de Orléans e Bragança, herdeiro da dinastia Orleans e Bragança, o parlamentar fundou o movimento liberal Acorda Brasil, que foi favorável ao impeachment de Dilma Rousseff. Apesar de ser um dos articuladores do movimento pela monarquia no país, Luiz Philippe tem evitado falar sobre tema.
No governo de Bolsonaro Congresso, o grupo também é representativo. Entre os destaques estão o assessor da Presidência para assuntos internacionais, Filipe Martins, e o procurador Gilberto Callado de Oliveira, nomeado representante da sociedade civil no Inep (Instituto Nacional de Estudos Educacionais Anísio Teixeira. Nos últimos dias houve uma baixa no grupo, como a demissão de Ricardo Vélez do Ministério da Educação. Velez publicou no Facebook, em 2014 – auge da crise do governo Dilma – que se o Brasil fosse uma monarquia, “o monarca, de há muito, teria dissolvido o parlamento e convocado novas eleições para renovação do elenco”.
Alguns parlamentares apontados como possíveis integrantes de uma futura bancada monarquista não confirmam participação. O deputado Enrico Misasi (PV-SP), um dos parlamentares que receberam o príncipe Dom Bertrand em Brasília neste mês, diz que não faz parte de nenhuma bancada monarquista. “O parlamentar recebeu Dom Bertrand e eles conversaram cordialmente”, disse por meio de nota a assessoria do deputado. Outro apontando como simpatizante da bancada monarquista e que nega participação no grupo é senador Márcio Bittar (MDB-AC). “O senador não participa de discussão sobre bancada monarquista”, respondeu sua assessoria.
Grupos que defendem a volta da monarquia se multiplicaram desde a crise do governo Dilma Rousseff. Além do grande número de candidatos lançados nas últimas eleições à Câmara dos Deputados e às Assembleias Legislativas dos estados, nas redes sociais aparecem agrupamentos como “Movimento de Restauração da Monarquia no Brasil”, “Diga Sim à Monarquia”, “Monarquia Brasil” e “Pró Monarquia”, este último mantido pela família imperial. Outro dado que serve de termômetro para medir a ação dos monarquistas é a interiorização de encontros monárquicos em vários estados.
Justificativas
Uma das principais teses dos defensores da volta da monarquia no Brasil é a estabilidade política. “A maior vantagem da monarquia em si é a estabilidade, porque o rei ou a rainha não ganha nem perde poder. Por isso nas monarquias constitucionais o rei tem o poder de dissolver o Parlamento caso haja uma inviabilidade ou escândalos, como nós tivemos mensalão, no petróleo. Em uma monarquia, num caso de corrupção e crise política como o que vivemos recentemente, o Congresso teria sido dissolvido e convocado novas eleições. Não teríamos passado por tudo que passamos, teríamos estabilidade”, defende o deputado federal Paulo Martins.
A deputada Carla Zambelli vai na mesma linha. “Quando temos um monarca, ele não está preocupado com a próxima eleição e sim com as próximas gerações”, diz.
O príncipe Dom Bertrand tem inúmeros argumentos para rebater as críticas de que o período imperial foi marcado pela escravidão, concentração de riquezas e outros males que ainda afetam o Brasil hoje. “Nas monarquias há uma diferença abismal a respeito da moralidade pública, da segurança pública, da estabilidade política. E isso resulta em ganhos para a nação. Você pega, por exemplo, o IDH das várias nações, mesmo considerando que as monarquias são menos numerosas, elas estão em primeiro da lista das que apresentam os melhores resultados em desenvolvimento humano, com o a Dinamarca, a Suécia, o Reino Unido”, argumenta.
Dom Bertrand também critica o que classifica como “guerra permanente” nos sistemas republicanos. “Na República, em cada eleição há um clima psicológico de guerra civil, em que os candidatos se insultam, se digladiam, dizem inverdades, e desta forma o povo perde o respeito referencial que se deve ter com seu chefe de estado”, pontua.
Aos que acusam os descendentes da família imperial de quererem o retorno de um Brasil que existiu há mais de um século, Bertrand admite que é preciso adaptações.
“O regime de governo que defendemos é o que existia no Brasil até 1889, com algumas adaptações aos tempos atuais. Por exemplo, o Brasil era um regime unitário, nós defendemos a ideia da federação. O Brasil era unitário porque era um país muito grande e, por ocasião da independência, sempre havia o risco de separatismo. Hoje um regime unitário não funcionaria.”
Dom Bertrand, bisneto da princesa Isabel.
Um dos principais fundamentais do novo regime, segundo Dom Bertrand, é o princípio da subsidiariedade, que consiste em que um órgão superior só deve fazer algo quando um órgão inferior não consegue fazer. “Nesse sistema, governo municipal só pode fazer aquilo que o conjunto da população não for capaz de fazer por si, que são as pessoas, as famílias, as associações, as organizações culturais. Os estados, por sua vez, só podem fazer o que os municípios não podem, e o governo federal só o que os estados, municípios e as famílias não podem fazer. De tal forma que, no topo dessa pirâmide, o governo da união seja pequeno, leve, ágil, capaz de indicar os grandes rumos da nação.”
Conservador nos costumes, Bertrand deixa claro sua posição a favor de um estado liberal. “Não defendemos que o Estado esteja intervindo continuamente em nossa vida. O Papa Bento XVI disse que não necessitamos de um Estado que queira regular a nossa vida, o que concordamos”, diz ao resumir que o que pretendem os monarquistas “não é uma volta atrás da nossa história, mas uma retomada das vias que realizavam a vocação do país”.
Uma disputa centenária pelo Palácio Guanabara
O Palácio Guanabara, atual sede do governo do Rio de Janeiro, é pivô da disputa mais antiga no Judiciário brasileiro, com 124 anos de duração. A contenda começou em 1895, quando a princesa Isabel ingressou com a primeira ação. A família imperial adquiriu o palácio em 1864, com o dote dado pelo Estado para o casamento da princesa com o Conde d’Eu, conforme previsão na Constituição da época. A partir daí o palácio se tornou a residência do casal, mas com a proclamação da República o prédio transferido ao patrimônio da União.
Na ação de 1895, a princesa Isabel pedia a posse do imóvel. Mas de cinco décadas depois, em 1950, os netos da princesa ingressaram com uma segunda ação reivindicando o direito de propriedade do palácio.
Em dezembro do ano passado, depois de muitas idas e vindas, a Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu que o Palácio Guanabara é domínio da União, não cabendo indenização aos herdeiros da família imperial pelo imóvel. NO julgamento prevaleceu a tese de que a família imperial possuía, até a extinção da monarquia no Brasil, o direito de morar no palácio, mas a propriedade do imóvel sempre foi do Estado.
O ministro Antonio Carlos Ferreira, relator dos recursos no STJ, votou para manter o palácio sob o domínio da União. “As obrigações do Estado perante a família real foram revogadas. A extinção da monarquia fez cessar a destinação do imóvel de servir de moradia da família do trono. Não há mais que se falar em príncipes e princesas”, disse o relator.
A derrota da família imperial na turma do STJ não significa o fim da batalha. Ainda cabem recursos e a discussão deve se prolongar. Pelo menos é que deu a entender o advogado e integrante da família real, Gabriel de Orleans e Bragança. Ele afirmou, logo após a decisão, que não está descartada a hipótese de levar o caso ao Supremo Tribunal Federal (STF). A defesa dos herdeiros também cogita recorrer à Corte Interamericana de Direitos Humanos.
Sonho de ser marquês, visconde, barão…
Durante o reinado de Dom Pedro II, muitos brasileiros ganharam títulos de nobreza. Os títulos mais concedidos eram duque, marquês, conde, visconde e barão. Com o ciclo comercial do café, grandes cafeicultores passaram a colecionar títulos da família imperial, ficando conhecidos como os “barões do café”.
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