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Certas Palavras

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Crime constitucional

O “revival” do nazismo no país que teve maior partido nazista fora da Alemanha

Nazismo no Brasil
Grupo de nazistas de União da Vitória (PR) e Porto União (SC). (Foto: Acervo DOPS/Arquivo Público do Paraná)

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Passados mais de sete décadas desde o suicídio de Hitler, em 30 de abril de 1945, o Brasil tem presenciado nos últimos anos uma série de manifestações identificadas com o nazismo. A apologia ao nazismo é crime previsto em lei, com pena de reclusão e multa, mas os casos de gestos e declarações classificadas por pesquisadores como nazistas têm aumentado no país que abrigou o maior partido nazista fora da Alemanha.

Nazista no BrasilReunião de integrantes do Partido Nazista do Brasil, em Curitiba,, na década de 1930. (Foto: Acerco DOPS/Arquivo Público do Paraná)

Os episódios mais polêmicos envolvem o youtuber Monark, o ex-BBB Adrilles Jorge, o deputado federal Kim Kataguiri (DEM-SP), o ex-secretário especial de Cultura Roberto Alvim, o blogueiro Allan dos Santos e a militante Sara ‘Winter’ Geromini. Todos negam prática de apologia ao nazismo.

Monark disse, durante apresentação do podcast Flow, na segunda-feira (07), que nazistas deveriam ter o direito de ter um partido. O deputado Kim Kataguiri, que participava da entrevista, comentou que o nazismo não deveria ter sido criminalizado, enquanto que o ex-BBB Adrilles foi acusado de repetir gesto nazista durante sua participação no jornal da Jovem Pan.

Muito antes dos episódios desta semana, em janeiro de 2020 o ex-secretário especial de Cultura Roberto Alvim foi acusado de copiar uma citação do ministro de propaganda da Alemanha nazista, Joseph Goebbels, em um discurso para as redes sociais, para divulgar o Prêmio Nacional das Artes. Meses depois, em maio de 2020, o blogueiro Allan dos Santos repetiu o gesto praticado pelo presidente Jair Bolsonaro em que o presidente toma um copo de leite puro, durante uma transmissão ao vivo em seu perfil no Facebook, ato associado por pesquisadores a uma prática de movimentos neonazistas norte-americanos. A militante Sara Geromini passou a usar o sobrenome “Winter” para homenagear Sarah Winter, uma mulher inglesa que se tornou espiã nazista.

Todos esses episódios estão sendo classificados como um “revival” do nazismo em terras tupiniquins, desafiando as leis e a Constituição brasileira, que criminalizam a prática. Foi em território brasileiro que surgiu e cresceu o maior partido nazista da história fora da terra de Hitler.

Nazismo no BrasilCapa do livro Nazismo Tropical? O Partido Nazista no Brasil, de Ana Maria Dietrich. (Foto: Divulgação/Editora Todas as Musas)

O Partido Nazista no Brasil operou durante cerca de dez anos e se espalhou por 17 estados brasileiros. A historiadora Ana Maria Dietrich registra no livro “Nazismo Tropical? O Partido Nazista no Brasil”, de sua autoria, que o Brasil teve o maior grupo de partidários fora da Alemanha, com 2,9 mil filiados. O número é polêmico, considerando que outras fontes registram números maiores, de até 4,5 mil filiados.

A origem do movimento foi em Santa Catarina – a fundação ocorreu em 1928, na cidade de Timbó, localizada no chamado Vale Europeu catarinense –, mas logo se disseminou para outros estados, como Rio Grande do Sul, Paraná, São Paulo e Rio de Janeiro.

O historiador Rafael Athaides, no livro de sua autoria “O Partido Nazista no Paraná (1933 - 1942)”, registra que várias cidades do estado tiveram núcleos do Partido Nazista. O Paraná chegou a ocupar o 5.º lugar entre os maiores círculos nazistas no Brasil. Dados sobre o movimento no Paraná podem ser acessados em reportagem do jornalista Diego Antonelli, publicada em 2015 pela Gazeta do Povo.

Números citado por Athaides na reportagem de 2015 davam conta da existência de 192 filiados no Paraná em 1937. O primeiro colocado era São Paulo, com 785, seguido de Santa Catarina (528), Rio de Janeiro (447) e Rio Grande do Sul (439). Athaides observa na reportagem de Antonelli que “esses números não se mantiveram estanques durante a década de 1930, ou seja, o número de filiados pode ter sido maior que isso ao longo do período”.

Manifestação de nazistas no dia 1º de maio de 1937, em Porto Alegre (RS). (Foto: Reprodução/Biblioteca Pública de Santa Catarina)

No livro Nazismo Tropical?, Ana Maria Dietrich escreve que o Partido Nazista do Brasil era ligado à matriz em Berlim e fazia parte de uma rede do movimento nazista no exterior de 83 países. Segundo seus estudos, a legenda desenvolvia suas atividades por várias organizações: a Juventude Hitlerista, a Frente de Trabalho Alemã, a Associação de Mulheres e a Associação dos Professores.

“A historiadora cria um novo conceito para a transplantação do movimento hitlerista na Lusamérica, (...) que ela chama de tropicalização do nazismo. Aqui, na visão do partido, não apenas os judeus seriam adversários da “raça” alemã, mas também negros e mestiços. Portadores de um racismo ostensivo, até mesmo o casamento entre partidários e brasileiras era indesejável aos integrantes, bem como – consequência natural – a presença de negros e mestiços, filhos de alemães, entre os membros locais da Juventude Hitlerista”, descreve uma apresentação de seu livro publicado pela Editora Todas as Musas, especializada em publicações de profissionais da educação e da pesquisa.

A Constituição do Brasil classifica o racismo como crime inafiançável e imprescritível. A apologia do nazismo é tipificada como crime pela Lei 7.716/1989, com pena de reclusão e multa. Fabricar, comercializar, distribuir ou veicular símbolos, emblemas, ornamentos, distintivos ou propaganda que utilizem a cruz suástica ou gamada, para fins de divulgação do nazismo, tem punição de reclusão de dois a cinco anos e multa.

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