Morrer no Dia de Finados é uma redundância da vida – ou da morte. Fica mais fácil de ser lembrado. Não é preciso marcar a data na agenda, na memória (hoje digital). Sem contar o privilégio de receber homenagens todos os anos por aqueles que comparecem aos cemitérios trazendo flores, velas e orações.
Nesse dia dos mortos muitos não estão nem aí. Outros choram as lembranças dos que se foram e as incertezas sobre a hora de partir. Não são poucos os que reencontram o elo que se perdeu no tempo e revivem os momentos que não voltam mais ao lado de quem ficará para sempre.
O personagem defunto criado por Machado de Assis alerta que, na vida, o jogo dos interesses e a luta das cobiças nos obrigam “a calar os trapos velhos, a disfarçar os rasgões e os remendos”. Na morte está o desabafo, a liberdade – não há mais vizinhos, nem amigos, nem inimigos, nem conhecidos, nem estranhos; não há plateia.
Estar morto é melhor do que estar vivo. Desfazem-se os motivos para se incomodar com as trapaças, o jogo de poder, a luta para sobreviver. Para quem morre fica sem sentido a difamação, as calúnias, as tragédias do dia-a-dia. Nem mesmo as rugas corroendo nossas expressões fazem fazem sentido. E não há o que se preocupar com os que se foram nem com os que estão vivos.
Estar vivo pode ser mais difícil. São as lembranças de quem tanto amamos e que nos deixou, de quem nos fez mal e ainda continua vivendo. São os compromissos, os horários a cumprir, as vaidades, as contas a pagar.
Estar vivo também pode ser mais fácil. A alegria das conversas sem pretensões, dos encontros desejados, dos amores correspondidos, das viagens dos sonhos, do nascer e crescer e ver a vida perpetuar.
Célio Martins
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Amanhã que é dia dos mortos
Vai ao cemitério. Vai.
E procura entre as sepulturas
A sepultura de meu pai.
Leva três rosas bem bonitas.
Ajoelha e reza uma oração.
Não pelo pai, mas pelo filho:
O filho tem mais precisão.
O que resta de mim na vida
É a amargura do que sofri.
Pois nada quero, nada espero.
Em verdade estou morto ali.
Manuel Bandeira
Finados? Não, que a morte é a própria vida
Escoimada da sombra denegrida
Dos enganos da vida transitória;
É a porta aberta da imortalidade,
A desejada posse da verdade
Para a conquista da suprema glória.
Cruz e Souza
Finados!… Grita a morte estranha e crua
Na química fatal do transformismo
Mas, transposto o cairel do grande abismo,
Eis que a Vida Infinita continua…
Augusto dos Anjos