Danos dos pés à cabeça. Assim podem ser resumidos os males causados às pessoas pela poluição do ar. Há algum tempo, autoridades médicas vêm desconstruindo a crença de que o ar poluído que respiramos traz problemas apenas ao pulmão e vias respiratórias. Agora, um estudo divulgado pelo Fórum Internacional das Sociedades Respiratórias (Firs, na sigla em inglês), com sede em Lausanne, na Suíça, mostra que as partículas poluentes na atmosfera afetam praticamente todos os órgãos do corpo humano.
Cerca de 500 mil mortes anuais por câncer de pulmão, 19% de todas as mortes cardiovasculares, 21% das mortes por acidente vascular cerebral, câncer de bexiga, leucemia infantil, demência, rinite alérgica, diabetes, doenças inflamatórias do intestino, perda da capacidade cognitiva e infertilidade. Estes são apenas uma parte dos dados da tragédia da poluição atmosférica, segundo o estudo.
A publicação classifica a poluição do ar como qualquer substância no ar que possa prejudicar seres humanos, animais ou materiais, especialmente gases tóxicos provenientes das atividades humanas (veja box). Para chegar às evidências dos danos causados por esses poluentes aos tecidos do corpo, os autores se basearam em três tipos de análise: onde a poluição do ar e a doença mudam ao longo do tempo; onde a “dose” de poluição se correlaciona com os níveis de doença; e estudos em animais.
Um dado que serviu de referência, por exemplo, foi registrado nas Olimpíadas de Pequim, em 2008. A ação do governo para reduzir a poluição antes da competição levou a um aumento no peso das crianças nascidas na cidade.
“As pessoas geralmente não sabem como a exposição a longo prazo afeta sua saúde. Ar poluído ganha acesso ao corpo através do trato respiratório, mas tem efeitos sistêmicos que podem danificar muitos outros órgãos”, descreve o artigo assinado por um time de especialistas em doenças respiratórias.
Como somos afetados
Para que as pessoas possam entender como o corpo humano é afetado, o professor Dean Schraufnagel – que liderou a equipe – explica que “as partículas ultrafinas (jogadas no ar pelos escapamentos dos carros, chaminés de fábricas, incêndios de florestas e outras atividades) passam pelos pulmões e são transportadas pela corrente sanguínea até chegarem a todas as células do corpo”.
A publicação apresenta a inflamação sistêmica como uma das principais razões para os danos de longo alcance da poluição do ar. As células imunes pensam que uma partícula de poluição – como dióxido de enxofre (SO2), por exemplo –é uma bactéria e imediatamente reagem para destruí-la, liberando enzimas e ácidos. “Essas proteínas inflamatórias se espalham pelo corpo, afetando o cérebro, os rins, o pâncreas e assim por diante”, afirmam os autores do estudo.
Boa parte das doenças autoimunes são apontadas como consequência da exposição das pessoas à poluição do ar. De acordo com os pesquisadores, o pulmão tem uma enorme área que entra em contato com antígenos (substâncias estranhas ao organismo), os quais podem desencadear a produção de anticorpos e tornar os indivíduos propensos a distúrbios autoimunes.
As doenças alérgicas também estão na lista dos principais males causados pelos poluentes atmosféricos. Segundo o artigo científico, “está bem estabelecido que a poluição do ar pode exacerbar respostas alérgicas em pessoas sensibilizadas”.
A análise de pesquisas feitas em vários países embasou o estudo para mostrar que pessoas mais expostas a poluentes atmosféricos são mais afetadas por doenças ósseas. Um levantamento feito com inscritos no sistema Medicare, dos EUA, revelou que os sintomas relacionados à osteoporose foram estatisticamente mais comuns em áreas com ar mais poluído. Outra pesquisa, em Oslo, na Noruega, descobriu que a poluição do ar a longo prazo provoca redução da densidade mineral óssea e aumenta as fraturas em idosos.
Os gases emitidos por veículos, principalmente a diesel, segundo a Agência Internacional para Estudos do Câncer, são altamente cancerígenos. No estudo coordenado pelo doutor Schraufnagel, há a indicação de aumento dos casos de câncer de pulmão, de bexiga, de rim e intestino (colorretal), além do registro de que a exposição pré-natal a partículas poluentes durante a gravidez pode aumentar o risco de a criança desenvolver leucemia.
Parte das doenças cardiovasculares, como infarto do miocárdio e insuficiência cardíaca, também é atribuída pelos autores à poluição atmosférica. A lista de males atribuídos pelos autores à poluição do ar é enorme. São citadas – todos com base em pesquisas – diabetes, obesidade, doenças endócrinas (nas glândulas), gastrointestinais, hematológicas (células do sangue) e do fígado. As consequências para a pele, segundo os pesquisadores, são várias – desde doenças como urticária e eczema até o envelhecimento precoce.
Uma esperança
Embora a poluição atmosférica tenha sido definida pela Organização Mundial de Saúde OMS) como “assassino silencioso” – considerando que seus efeitos muitas vezes passam despercebidos ou não são facilmente medidos – a boa notícia é que o problema da poluição do ar pode ser atenuado ou resolvido. Para isso, os autores do estudo afirmam ser necessário um grande esforço de autoridades, dos profissionais de saúde e das comunidades. Além de políticas para reduzir a emissão de poluentes por veículos, fábricas, usinas, incêndios florestais e outros meios, os cuidados de saúde relacionados a problemas decorrentes de poluição deve começar desde o nível primário de atendimento médico. As com unidades também devem unir esforços para garantir a implantação de medidas que reduzam as fontes poluidoras.
Principais poluentes
São gases tóxicos e vêm de várias fontes. Cada um tem características diferentes dependendo da composição, fonte e condições sob as quais foram produzidos
Dióxido de enxofre (SO2)
Proveniente principalmente da queima de diesel nos veículos pesados, carvão e petróleo em usinas de energia ou de fundição.
Monóxido de carbono (CO)
Resultado da combustão incompleta de combustíveis fósseis e de queimadas de florestas.
Óxido nítrico ou monóxido de nitrogênio (NO)
Produzido nos motores de combustão interna devido a sua alta temperatura, que promove a reação do oxigênio (O2) e nitrogênio (N2) atmosféricos.
Dióxido de nitrogênio (NO2)
Resultante da combustão de veículos automotores, motores de combustão interna, usinas termelétricas, siderúrgicas e incêndios florestais.
Gás ozônio (O3)
Formado a partir de óxidos de nitrogênio e hidrocarbonetos liberados na atmosfera pelas atividades de queima de combustíveis fósseis, volatilização de combustíveis, criação de animais e na agricultura.
OMS
O "novo tabaco"
O simples ato de respirar está matando 7 milhões de pessoas por ano e prejudicando outros bilhões. A estimativa foi feita pelo diretor-geral da Organização Mundial de Saúde (OMS), Tedros Adhanom Ghebreyesus, durante a primeira Conferência Global sobre Poluição do Ar e Saúde, em outubro de 2018, na cidade de Genebra (Suiça).
Os dados levaram o chefe da agência da ONU a classificar a poluição atmosférica como o “novo tabaco”. “O mundo tem conseguido deixar o tabaco para trás. Agora, deve fazer o mesmo para o ‘novo tabaco’ – o ar tóxico que bilhões de pessoas respiram todos os dias ", disse Ghebreyesus ao classificar a poluição do ar como "uma nuvem de complacência permeia o planeta".
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