O Índice Global da Paz 2019, publicação anual do Instituto para Economia e Paz – organização sem fins lucrativos sediada em Sydney, na Austrália –, trouxe um certo alívio para boa parte da população do planeta. O estudo mostra que 86 países elevaram as condições de paz e, no geral, a tranquilidade no mundo melhorou ligeiramente pela primeira vez em cinco anos. Mas o Brasil caminhou no sentido inverso dessa tendência.
Os dados levantados pelos pesquisadores revelam que houve deterioração da paz no maior país da América Latina. O tombo foi forte. O Brasil registrou a quinta maior queda no mundo, com nove dos dez indicadores se deteriorando e passou do 106º lugar para 116º no ranking global. Dos dados pode-se inferir que os brasileiros vivem hoje em um ambiente com maior violência do que os paraguaios e se aproximam da situação de alguns países africanos, como Quênia e República do Congo.
Uma das primeiras perguntas que surgem ao olhar o resultado do estudo é “por que o Brasil chegou a esse quadro de violência?”. Mergulhando nos dados é possível responder a esse questionamento com uma visão realista do que aconteceu no país recentemente.
Segundo constataram os pesquisadores, a ação de organizações criminosas, como a ocorrida no Ceará, com ataques às forças de segurança e à infraestrutura pública – principalmente transporte urbano – tiveram forte peso no aumento da criminalidade. Os crimes violentos aumentaram 12,5%, fazendo com que o Brasil tenha uma das dez maiores taxas de homicídio do mundo, de acordo com os últimos dados disponíveis do Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime.
E o cenário a curto prazo não é dos melhores, conclui o documento. “Dadas as inadequações nas forças de segurança, espera-se que o crime violento continue a ser um grave problema no Rio de Janeiro, São Paulo e outras grandes cidades brasileiros”, projetam os pesquisadores ao destacarem a influência do tráfico, os assaltos e a participação de agentes de segurança no crime.
Outro fator apontado como agravante é a radicalização política no país. A polarização entre a direita vitoriosa de Jair Bolsonaro, do Partido Social Liberal (PSL), e o Partido dos Trabalhadores (PT) e seus defensores, de acordo com o estudo, trouxe mais tensão na sociedade. Soma-se a esse quadro o crescimento dos ataques a figuras políticas, como o atentado que tirou a vida da vereadora Marielle Franco no centro do Rio de Janeiro.
O cenário assustador no Brasil é parte do retrato nada bom da América do Sul, região com a menor sensação de segurança do planeta. Apenas 43% dos entrevistados, em média, disseram que se sentem seguros andando sozinho nos países da América do Sul. Essa sensação de insegurança é maior nas ruas brasileiras e venezuelanas. Apenas 34% e 26% respectivamente das pessoas desses dois países disseram se sentir seguras nas ruas.
A população da América do Sul tem a menor fé nos governos, com 77% dos entrevistados da região acreditando que seu governo é corrupto. Entre os sul-americanos também se registrou o maior aumento na percepção de corrupção na última década, com alta de oito pontos percentuais, e menor confiança nos governantes.
Há desconfiança também sobre os processos eleitorais. As populações de países com alto nível de paz confiam mais na honestidade das eleições que as de países menos pacíficos. O Brasil se insere no grupo dos que apresentaram menor confiança eleitoral em 2018, ao lado de Gabão, Iraque, Ucrânia e Bulgária. Somente 15% das pessoas desses países afirmaram que as eleições foram honestas.
Mas não é apenas na América do Sul que as condições de paz se deterioraram. América do Norte e América Central e Caribe vão no mesmo caminho. “A crescente instabilidade política tem sido uma questão comum às três regiões, exemplificada na agitação violenta vista na Nicarágua e Venezuela e na crescente polarização política no Brasil e nos Estados Unidos”, relata o estudo.
A piora das condições de tranquilidade nos Estados Unidos, que vem caindo desde 2016, é vista com preocupação. O país mais poderoso do globo registrou aumento dos crimes violentos, da taxa de homicídios e elevação da instabilidade política.
Construção da paz
O termo “paz positiva” é definido pelos autores do estudo como um conjunto de oito fatores determinantes na criação de um ambiente onde o potencial humano floresce:
- Bom funcionamento do governo
- Distribuição equitativa dos recursos
- Fluxo livre de informação
- Boas relações com vizinhos
- Altos níveis de capital humano
- Aceitação dos direitos dos outros
- Baixos níveis de corrupção
- Ambiente de negócios favorável
Violência arrasa a economia
O Índice Global da Paz 2019 traz como boa surpresa a redução de 3,3% do impacto negativo da violência na economia. Isso significa que o mundo perdeu economicamente um pouco menos no ano passado com as ações violentas. Mas os efeitos ainda são devastadores: o impacto econômico global da violência foi de US $ 14,1 trilhões em 2018, o equivalente a 11,2% do PIB global. Resumindo, essa perda representa 1.800 dólares por pessoa, o suficiente para acabar com a pobreza extrema no planeta.
A pequena redução nos gastos com violência se deu graças à trégua parcial de conflitos armados, especialmente na Síria, Colômbia e Ucrânia, onde os gastos caíram 29%. Também houve diminuição do impacto do terrorismo.
Em que pese a importância dos pequenos ganhos, os gastos com violência continuam arrasando as economias de boa parte dos países. Nos dez mais afetados, o custo econômico médio com as ações violentas equivale a 35% do PIB. Para comparação, esse gasto nos dez países mais pacíficos não passa de 3,3%.
O maior impacto econômico globalmente são os gastos militares (forças armadas, armamentos), que representam 40,2% do total. As despesas com segurança interna vêm em segundo lugar, abrangendo 32% do total. As despesas com segurança interna incluem gastos com a polícia e sistemas judiciais, bem como os custos associados ao encarceramento.
1.800 dólares
Esse é o custo anual, por pessoa, da violência no mundo. O valor seria suficiente para acabar com a pobreza extrema no planeta.
O homicídio é o terceiro maior componente, com 8,6%, seguido por segurança privada (5,8%) e suicídio (5,2%). O suicídio foi incluído no estudo pela primeira vez, considerando que o mesmo é classificado pela Organização Mundial da Saúde (OMS) como violência autoinfligida.
O crime violento, que também tem forte contribuição (2,6%) para os custos da violência, consiste de agressão violenta e agressão sexual.
O relatório classifica o impacto econômico da violência em três categorias: custos diretos, custos indiretos e efeito multiplicador. Os custos diretos associados à violência incluem as consequências imediatas para vítimas, perpetradores e sistemas públicos, incluindo saúde, justiça e segurança pública. Os custos indiretos referem-se a custos de longo prazo, como perda de produtividade, efeitos psicológicos e o impacto da violência sobre a percepção de segurança e proteção na sociedade.
O efeito multiplicador da violência também é devastador para as economias dos países, segundo o estudo. Essa categoria leva em conta, por exemplo, o medo das pessoas, ou seja, como cada um altera seu comportamento social e produtivo por temer que possa se tornar vítimas do crime.