Criminosos agem com a certeza de que não serão presos e alimentam uma rede que movimenta ilegalmente bilhões de dólares por ano
Listado como a terceira atividade ilícita mais praticada no mundo, depois das armas e das drogas, o tráfico de animais silvestres é um negócio altamente rentável no Brasil e de baixo risco para os criminosos. Favorecidos por uma legislação “amigável” e uma rede de comparsas que muitas vezes inclui agentes públicos, os traficantes agem em todo o país com a certeza de que não terminarão na cadeia.
O “bom negócio” é alimentado por populações pobres, fornecedoras de animais a preços irrisórios para os traficantes, e pessoas que dispõem de dinheiro para comprar o produto do crime tanto dentro do país como no exterior.
O número exato que o negócio movimenta ninguém sabe, mas há estimativa de que o Brasil participe com 15% do volume de transações mundiais, que somam cerca de US$ 20 bilhões, segundo estudo da organização não-governamental Renctas, com sede em Brasília. Traduzindo, o país é responsável por algo em torno de US$ 3 bilhões (quase R$ 10 bilhões) do montante do tráfico de animais silvestres no mundo.
Só no ano passado, a fiscalização do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) apreendeu 20.216 animais em poder dos traficantes. No mesmo período, foram lavrados 2.282 autos de infração e aplicados R$ 53 milhões em multas relacionadas à fauna pelo Instituto. Mas as multas raramente são pagas e os autuados jamais vão para a cadeia.
A pergunta que naturalmente surge diante de um quadro tenebroso como esse é: por que as autoridades encarregadas de combater o tráfico de animal não conseguem controlar a ação dos traficantes? A resposta, segundo Roberto Cabral, coordenador nacional de operações e fiscalização do Ibama, está na legislação.
“A lei para coibir a atividade criminosa do tráfico de animais trata todo mundo da mesma forma. Tanto faz se a pessoa for autuada com um pássaro ou com 1.200 papagaios, a pena é mesma”, diz. Para ele, com a legislação atual, não há como avançar no trabalho de combate ao tráfico. “Os traficantes antigos se mantêm na atividade e surgem novos. Isso acontece porque quem é flagrado traficando animais não fica preso. Vai para a rua pouco tempo depois da detenção e volta no mesmo dia a praticar o tráfico”.
“A lei para coibir a atividade criminosa do tráfico de animais trata todo mundo da mesma forma. Tanto faz se a pessoa for autuada com um pássaro ou com 1.200 papagaios, a pena é mesma”
A lei a que Cabral se refere é a 9.605, de 1998, que trata das sanções penais e administrativas derivadas de condutas e atividades lesivas ao meio ambiente. As punições para os crimes contra a fauna estão descritas no artigo 29. “Matar, perseguir, caçar, apanhar, utilizar espécimes da fauna silvestre, nativos ou em rota migratória, sem a devida permissão, licença ou autorização da autoridade competente, ou em desacordo com a obtida: Pena – detenção de seis meses a um ano, e multa”. Isso vale para uma pessoa que tem um animal silvestre em casa sem autorização como para um traficante, flagrado com centenas ou milhares de animais.
A fraqueza da legislação na punição dos traficantes tem outras consequências. Parte das polícias, alfândegas e autoridades judiciais, de acordo com estudo da Renctas, frequentemente consideram que o comércio ilegal de fauna silvestre não é um crime sério. Essa realidade é agravada pela falta de recursos para combater o comércio ilícito.
Além de ser uma forma fácil de ganhar dinheiro, o tráfico de animais silvestres alimenta outros crimes e vice-versa. Os traficantes são conhecidos pela polícia por seu envolvimento nas atividades ilegais de armas, drogas e pedras preciosas e álcool.
“A ação dos traficantes é um desastre para a biodiversidade brasileira. Espécies como a ararinha-azul e o bicudo estão ameaçadas de extinção em decorrência da ação do tráfico. Se não houver uma mudança na lei, cada vez mais a situação ficará incontrolável”, alerta Cabral.
ENTREVISTA
Juliana Ferreira, doutora em Genética pela USP e diretora Executiva da organização Freeland Brasil.
“Sistema facilita os crimes contra a fauna”
Temos casos de traficantes de animais que já foram presos 16 vezes, devem milhões em multas e continuam livres e na atividade criminosa. A culpa é da legislação ou das autoridades?
A culpa é de um sistema que não funciona. Por um lado, temos uma legislação falha, que dificulta a diferenciação entre aquele que possui animais ilegalmente do grande traficante. Por outro lado, temos uma indústria poderosa, ligada a outros tipos de crime, com grande poder de lobby e de pressão financeira e política, que acaba também funcionando como um curral eleitoral. Por fim, há a questão da falta de conscientização e educação do público em geral e de algumas autoridades sobre todos os impactos negativos que o tráfico de fauna silvestres traz, que envolvem mas não se restringem a – sofrimento animal, conservação da biodiversidade, impactos na capacidade de regeneração e prestação de serviços ambientais dos ecossistemas, governança, com a ligação a outros crimes como lavagem de dinheiro, fraude e falsificação, corrupção, porte ilegal de armas, caça ilegal, exploração de menores e outras pessoas de comunidades vulneráveis, entre outros.
A legislação destinada a coibir o tráfico de animais no Brasil é pior que a de outros países?
O grande problema dessa legislação é considerar os crimes contra a fauna como de menor potencial ofensivo, possibilitando a Transação Penal (que permite, por exemplo, a punição por prestação de serviços à comunidade). Isso dificulta o uso de ferramentas de investigação (como por exemplo interceptação telefônica) e impossibilita o enquadramento dos criminosos como Organização Criminosa, de acordo com o exposto pela Convenção da ONU, o que passa uma sensação de impunidade aos criminosos. Algumas autoridades, no entanto, marcadamente o Delegado de Polícia Federal Alexandre Saraiva, buscam uma outra abordagem, que é de enquadrar os criminosos em Artigos do Código Penal Brasileiro (como contrabando, receptação qualificada, organização criminosa), ao invés de utilizar a Lei de Crimes Ambientais. Outros países já fazem parte do esforço global de considerar o tráfico de animais silvestres como o crime sério que de fato é.
“O grande problema dessa legislação é considerar os crimes contra a fauna como de menor potencial ofensivo, possibilitando a Transação Penal (que permite, por exemplo, a punição por prestação de serviços à comunidade)”.
O que precisa ser feito para coibir o tráfico de animais no país?
A única saída é uma abordagem integrada e paralela que deve necessariamente envolver educação e conscientização para reduzir a demanda; apoio ao trabalho das forças policiais, com fortalecimento de capacidades, desenvolvimento e fornecimento de ferramentas para o trabalho (desde veículos até aplicativos, entre outros) e o apoio à utilização de outras ferramentas, como por exemplo, o uso de análise de DNA para maior controle da criação de espécies silvestres em cativeiro. Conjuntamente deve haver um trabalho forte de políticas públicas, colocando o tráfico de espécies silvestres como prioridade, reconhecendo como crime e melhora da distinção legal entre a pessoa com posse ilegal do grande traficante. Não menos importante é a realização de compromissos de uso de recursos do Estado, com criações de fonte de financiamento tanto para o combate, quanto para a prevenção, com a criação de fontes de renda estáveis e presença maciça do Estado em comunidades vulneráveis nas regiões de maior coleta de animais silvestres, entre outros.
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