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Os próximos dias prometem ser de tensão eleitoral em três países vizinhos do Brasil. No dia 20, os bolivianos irão às urnas para escolher quem vai governar o país andino pelos próximos cinco anos, além de deputados e senadores. Na semana seguinte, dia 27, será a vez de argentinos e uruguaios escolherem seus presidentes e legisladores. No Uruguai o mandato presidencial é de cinco anos e, na Argentina, de quatro.

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As coincidências se restringem ao período eleitoral e à forte polarização entre governos e oposicionistas. Cada um desses países vive momentos distintos na economia e apresenta cenários diversos quanto às possibilidades de resultado da votação.

Crise econômica

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Macri está em desvantagem na disputa com o peronista Alberto Fernández.| Foto: Divulgação/campanha dos candidatos

A situação que mais tem chamado a atenção é da Argentina – principalmente por ser o país mais populoso e com a maior economia dos três. Os argentinos amargaram uma queda de 2,6% na economia no ano passado e a previsão é de um novo tombo neste ano (2,7%, segundo a Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico – OCDE).

Somam-se à diminuição da atividade econômica uma forte crise cambial, alta inflação e desemprego. A moeda argentina perdeu mais de 33% de seu valor em 2019. Há três anos, com 15 pesos se comprava um dólar. Hoje são necessários quase 60 pesos. A disparada da cotação da moeda norte-americana atingiu em cheio empresas com dívidas em dólar, que hoje não conseguem fechar suas contas.

A inflação argentina acumulada nos últimos 12 meses chegou a 54,5% em setembro, segundo o relatório do estatal Instituto Nacional de Estatística e Censos (Indec). Não bastasse a escalada inflacionária, a dívida se aproxima de 100% do Produto Interno Bruto (PIB), o indicador de pobreza supera 30% e a taxa de desemprego passa de 10%, de acordo com dados oficiais.

O impacto desse quadro econômico-social negativo é uma crescente desaprovação do governo. Tanto que nas primárias realizadas em 11 de agosto a oposição, liderada pelo peronista Alberto Fernández – que tem como vice a ex-presidente Cristina Kirchner –, obteve esmagadora vitória, com 47,35% dos votos contra 32,3% do atual presidente, o liberal Mauricio Macri.

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Em outubro do passado o Fundo Monetário Internacional (FMI) emprestou à Argentina US$ 56,3 bilhões. Foi uma tentativa sem sucesso de Macri para debelar a crise. Após o resultado das prévias, a instabilidade econômica se agravou e o governo precisou apelar ao FMI e aos seus credores privados o adiamento no pagamento das parcelas da dívida.

A pouco dias das eleições, praticamente todas as pesquisas de intenção de votos no país apontam a possibilidade de vitória do centro-esquerdista Fernández no primeiro turno.  Para isso, o parceiro de chapa de Cristina Kirchner precisa obter 45% dos votos válidos ou 40% com 10 pontos de vantagem sobre o segundo lugar.

Desaceleração e esgotamento

O conservador Luis Lacalle Pou já articula alianças para o segundo turno contra o governista Daniel Martínez.| Foto: Divulgação/campanha dos candidatos

Do outro lado do Rio da Prata, o país que faz fronteira no extremo sul do Brasil está em situação menos desconfortável economicamente. Afinal, em 2018 o Uruguai completou 15 anos de crescimento ininterrupto. Sem fazer grandes reformas, os sucessivos governos apostaram em prioridades setoriais: redirecionamento das exportações agropecuárias para Ásia e Europa, investimento em energia renovável, diversificação de produção, e impulso ao setor de turismo, que hoje responde a quase 10% do PIB.

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Outra marca desse crescimento duradouro foi a manutenção de uma política econômica moderada, com benefícios fiscais a investimentos estrangeiros e facilidade para empreender, além de segurança jurídica. Tudo isso sem deixar de fora programas sociais e apoio à educação.

Desde 2003, a primeira vez que a centro-esquerda liderada pela Frente Ampla se vê em dificuldades reais é nesta eleição. Em 2018 a economia deu mostras de desaceleração. O PIB uruguaio cresceu 1,6% no ano passado em relação a 2017, segundo o Banco Central (BCU). O desempenho ficou muito além do ano anterior, de 2,7% sobre 2016.

A complicação para os governistas é que a economia continua se arrastando agora em 2019. No primeiro trimestre ficou praticamente estagnada (-0,1%) e, no segundo, avançou apenas 0,3%. A desaceleração da atividade econômica combinada com o longo período de um mesmo agrupamento no poder criou um cenário às vésperas das eleições com chances para a oposição.

A Frente Ampla – que tem como candidato o engenheiro Daniel Martínez – lidera no primeiro turno (veja info com dados de pesquisa de intenção de voto), mas com pequena margem sobre o conservador Luis Lacalle Pou, do Partido Nacional. A aposta de Pou é formar uma coalizão de centro-direita no segundo turno, composta pelo liberal progressista Ernesto Talvi, do Partido Colorado, e o militar de direita Manini Ríos, conhecido com Bolsonaro do Uruguai, que estão em terceiro e quarto lugares respectivamente nas intenções de votos.

Perpetuação no poder

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O ex-presidente Carlos Mesa tenta evitar que Evo Morales ganhe no primeiro turno.| Foto: Divulgação/campanha dos candidatos

Dos três países, é na Bolívia que os ânimos demonstram estar mais exaltados. A campanha vem sendo marcada por protestos com a participação dos principais candidatos oposicionistas – o ex-presidente Carlos Mesa, o empresário Oscar Ortiz e o ex-vice-presidente Victor Hugo Cárdenas –, numa união informal contra o presidente Evo Morales.

Navegando em um ciclo de crescimento econômico ininterrupto de 12 anos, Evo é o presidente boliviano que está no cargo há mais tempo na história do país – ele assumiu o cargo em 2006 e foi reeleito duas vezes, em 2010 e 2014. A “eternidade” de Morales só foi possível com uma série de jogadas políticas – manobras essas consideradas não democráticas por adversários –, e ao sucesso na economia.

O ‘milagre econômico boliviano’ não parou nem mesmo com a crise dos vizinhos Brasil e Argentina. Em 2018 a economia do país expandiu 4,4%, contra 1,2% da América Latina e do Caribe. Para este ano, o FMI projeta que a Bolívia pode avançar mais 4%, com inflação pouco acima dos 3,5% e desemprego na casa de 4%.

O que dá fogo à oposição é o fato de Evo ter passado por cima da constituição para ser candidato. A história dos dribles do atual presidente vem de longe. Em 2009 seus apoiadores aprovaram uma mudança constitucional, a qual estabeleceu a possibilidade de reeleição presidencial para dois mandatos consecutivos de cinco anos cada. Com isso ele disputou e venceu com folga as eleições de 2009 e 2014.

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Pela mudança estabelecida na Constituição, com dois mandatos o atual mandatário não poderia concorrer agora em 2019. Mas, com o intuito de mudar a regra que eles mesmo criaram, seus partidários aprovaram um referendo. Assim ele poderia concorrer a um quarto mandato. A proposta, no entanto, foi rejeitada pelos eleitores.

Quando tudo parecia decidido, o Tribunal Constitucional do país decidiu em 2017 suspender os artigos da Constituição que vetavam a candidatura de Evo em 2019. Para completar, em dezembro de 2018, o Tribunal Eleitoral – o mesmo que reconheceu o resultado do referendo – admitiu que Evo pode concorrer.

Candidato e líder nas pesquisas, Evo tem chances de ganhar no primeiro turno, apesar do crescimento da oposição. O ex-presidente Mesa é o que tem maior chance de ir para o segundo.

Infográficos Gazeta do Povo[Clique para ampliar]
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ENTREVISTA

Oliver Stuenkel, coordenador do programa de pós-graduação da Escola de Relações Internacionais da FGV-SP.

| Foto: FGV

O que explica os cenários eleitorais na Argentina, Uruguai e Bolívia?

Nós temos visto na história latino-americana que quando os preços das commodities são altos, quando o cenário macroeconômico é favorável, há estabilidade política, com altas taxas de aprovação dos governos. Nós vimos isso entre desde 2003 até 2012. Nesse período praticamente todos os governos foram reeleitos, isso porque a economia era altamente favorável. Agora a situação mudou, os países estão com baixo crescimento, a situação macroeconômica é menos favorável. Isso faz com que todos os governos da região tenham baixa aprovação. Não teremos uma onda nem de direita nem de esquerda. Teremos alta fragmentação. Isso se dá pelo fato de que quem está no governo tende a perder eleição. Eu vejo esse cenário para os próximos cinco anos pelo menos na América Latina.

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Qual será o impacto para a região caso se confirme esse quadro?

Esse cenário vai dificultar bastante a cooperação. Infelizmente na América Latina, diferentemente da Europa, a cooperação regional de longo prazo baseou se no alinhamento ideológico. Isso condena a região a não ter uma cooperação de longo prazo, como se vê no caso europeu, onde já há um consenso em relação à integração e os presidentes cooperam mesmo tendo visões ideológicas divergentes.

As eleições nesses três países podem alterar a correlação de forças políticas na América do Sul?

O caso argentino é o que mais afetará a correlação de forças. O Macri tornou-se uma espécie de modelo da direita liberal. Agora, a provável eleição do peronista Alberto Fernández é uma má notícia para esse grupo, da direita liberal, que se vê acuado pela direita nacionalista. A situação no Uruguai é incerta, mas deve ter pouco impacto porque todos os grupos políticos uruguaios na disputa são moderados, tanto de direita como de esquerda. No caso boliviano é diferente, já que o sistema político na Bolívia não é totalmente democrático, considerando que o Evo Morales não poderia se candidatar. Apesar da situação econômica favorável, a situação política é muito complicada no país, com o perigo enorme de Evo Morales querer se perpetuar no poder.

ENTREVISTA

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Rodrigo Gallo, cientista político e professor do curso de pós-graduação em Política e Relações Internacionais da FESPSP.

| Foto: FespSP

Que impacto a eleição na Argentina terá no Brasil?

A Argentina é um grande parceiro comercial do Brasil. Existe alguns estados brasileiros em que suas vendas para o exterior tem a Argentina como destino. Em Pernambuco, por exemplo, um quarto das exportações vai para a Argentina. Então, ter uma animosidade com um parceiro comercial importante como a Argentina é péssimo.

Como o Brasil teria que se posicionar em caso de derrota de Macri?

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O importante é, independentemente de quem ganhar as eleições na Argentina, que o estado brasileiro deixe de lado questões ideológicas para fazer acordos pragmáticos. Seria péssimo se a balança comercial brasileira com a Argentina sofresse alteração negativa. O impacto seria grande para nossa economia. A crise na Argentina já afetou a balança comercial entre os dois países. Por isso seria importante não piorar mais.

Há um recuo do alinhamento de direta e de esquerda na região?

A hipótese que se criou do surgimento de um grande movimento de direita na América Latina vai ser testada agora. Tivemos a eleição de alguns representantes do setor conservador, como no Brasil e no Paraguai. O Macri assumiu com uma proposta neoliberal, mas não conseguiu implantar seu plano e reverter o quadro econômico do país. Mas nem sempre a eleição de dois ou mais governos de um polo ideológico significa necessariamente alinhamento. Nós tivemos, por exemplo, um período em que os governos da Argentina e do Uruguai estavam no polo de centro-esquerda e, mesmo assim, houve uma série de atritos, a relação diplomática deteriorou. Então não dá para afirmar dizer que dois governos de direita ou dois governos de esquerda obrigatoriamente se alinham.