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Anúncio da prefeitura de que vai despoluir o rio mais curitibano de todos é bem recebido, mas há dúvidas sobre as medidas a serem tomadas

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Se para o poeta Fernando Pessoa “o Tejo é o mais belo rio que corre pela minha aldeia”, para os curitibanos o Rio Belém pode ser considerado a encarnação das tragédias e belezas da história da cidade. Foi entre os banhados e alagadiços do Belém e de um de seus afluentes, o Rio Ivo, que um povoado de pouco mais cinco mil pessoas em meados do século 19 se desenvolveu e transformou a pequena vila na grande metrópole que é hoje Curitiba.

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Além de ser o maior rio que nasce e desagua dentro do município, em seus mais de 20 quilômetros de extensão o Belém atravessa vários bairros e cinco parques urbanos, entre eles o mais antigo da cidade, o Passeio Público, de 1886. Mas esse patrimônio dos curitibanos hoje é feio, não tem vida, cheira mal e representa o fracasso dos planejamentos urbanos, ou da falta deles.

Durante mais de cem anos, o Rio Belém foi objeto de incontáveis projetos de intervenção em busca de uma solução para os problemas decorrentes do crescimento da capital. Praticamente todos os prefeitos de Curitiba, desde Cândido de Abreu (1892 a 1894 e 1913 a 1916) tiveram que dedicar uma parte de sua gestão ao rio símbolo da cidade.

Nos últimos anos, a revitalização do Belém passou a ser um clamor de grande parte da população. São movimentos populares, ambientalistas, políticos, intelectuais e muitas organizações que querem um rio limpo, o que pressiona o poder público por um solução.

A nova tentativa

A mais nova investida para atender esse anseio de grande parte dos curitibanos é de Rafael Greca. Em tom parecido com o de campanhas eleitorais – no próximo ano haverá eleição de governador, mas ele não será candidato –, o atual prefeito anunciou em alto e bom som que “2018 será o ano da revitalização do Rio Belém”.  Ao lado dele e da secretária municipal do Meio Ambiente, Marilza Dias, a vice-governadora Cida Borghetti, que repassou R$ 10 milhões à Prefeitura para o projeto, completou: “Trata-se de um sonho que está mais perto da concretização”.

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“O principal problema para revitalizar o Belém é acabar com o esgoto jogado em seu leito. E isso não será possível sem despoluir os seus afluentes.”

Arlineu Ribas, da Associação Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental.

O projeto anunciado por Greca prevê o envolvimento da Sanepar, do Instituto Ambiental do Paraná (IAP) , do Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano de Curitiba (IPPUC) e da Companhia de Habitação de Curitiba. No papel estão previstas  obras de infraestrutura, redes de esgoto, sistema de fitorremediação, criação e ampliação de unidades de conservação (parques), além de trabalho de educação ambiental.

O anunciou foi bem recebido até por adversário políticos, mas entre as pessoas com conhecimento dos problemas do Belém são muitas as dúvidas de que apenas com esses recursos e num prazo tão curto, de um ano, será possível recuperar o rio.

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“O principal problema para revitalizar o Belém é acabar com o esgoto doméstico jogado em seu leito. E isso não será possível sem despoluir os seus afluentes”, diz o engenheiro Arlineu Ribas, da Associação Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental. Para ele, a parte mais complexa fica no centro da cidade, onde o rio está submerso e vários coletores de esgoto descarregam nele. “São obras caras de engenharia e que exigem grandes intervenções na cidade”, acrescenta.

O professor de Geologia Ambiental da UFPR, Renato Lima, que foi secretário de Meio Ambiental na gestão de Gustavo Fruet e é autor de um livro sobre os rios de Curitiba, considera importante o anúncio da Prefeitura e a previsão de recursos do governo do estado, mas diz que o problema não será resolvido plenamente em um ano. “É possível avançar, mas não se resolve rápido”, diz, ao concordar que o problema da área central é o mais complexo. Lima reforça a tese de que sem despoluir os afluentes, o Belém nunca ficará limpo.

O vereador Goura (PDT), integrante da oposição na Câmara Municipal, ambientalista e ativista de movimentos pela despoluição do Belém, reclama que Greca quer fazer tudo sem ouvir outros envolvidos. “Fizemos uma audiência pública em maio deste ano, sou vice-presidente da Comissão de Meio Ambiente da Câmara e não fomos ouvidos”, diz ele ao ressalvar que sem um plano integrado, de recuperação de todos os rios da bacia, não tem como obter êxito num projeto para o Belém.

Parque das nascentes

Em 24 de novembro de 2001, no Dia do Rio, foi criado o Parque das Nascentes do Belém. A área abriga o nascedouro do Rio Belém e tem como objetivo a proteção ambiental das suas origens. No local encontra-se o Centro de Referência da Águas, espaço próprio e equipado para atividades de Educação Ambiental. O parque tem área de 11.178 metros quadrados e fica localizado na Rua Rolando Salin Zappa Mansur, bairro Cachoeira.

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Rios “podres” cortam a cidade

Após estudos de dois anos, a Secretaria Municipal de Meio Ambiente elaborou em 2015 um diagnóstico dos rios de Curitiba. A conclusão foi que 77% dos rios tinham qualidade ruim ou péssima.

O estudo corresponde a 96 das 120 sub-bacias da cidade, as quais foram monitoradas. De acordo com o Índice de Qualidade da Agua (IQA), a maioria dos rios (62,5%) foi classificada com IQA ruim, 14 (14,5%) com IQA péssimo, 21 (21,8%) com IQA razoável e apenas um com IQA bom. E o que é pior: nenhum obteve IQA ótimo.

O Belém integra o grupo de maior índice de poluição hídrica dentre os rios que banham a cidade. Entre as principais causas apontadas que levam a essa degradação destacam-se a deficiência de esgotamento sanitário, resíduos sólidos e ocupações desordenadas e irregulares, segundo o Instituto Ambiental do Paraná (IAP). A causa maior é a destinação inadequada de “esgotos domésticos não tratados ou tratados com baixa eficiência”.

 

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Intervenções começaram há mais de um século

A história de destruição e controle do Rio Belém começou ainda no início do século passado. Durante mais de cem anos foram vários os projetos e planos para resolver os problemas relacionados aos esgotos, alagamentos e pântanos decorrentes da geografia e topografia do centro de Curitiba. Os registros dessa evolução estão detalhados em vários estudos, com destaque para “Retratos do Rio Belém – a trajetória de um rio urbano” e “O Matadouro Municipal e o Guabirotuba”.

“Diversas reclamações recebemos contra o despejo de águas servidas do matadouro público, no córrego margeado pela linha de bonds. Aquillo por ali é simplesmente hediondo e por isso mesmo cremos que o sr. prefeito, agora empenhado em realizar melhoramentos municipaes, deve usar de uma autorização da camara sobre a canalisação das referidas águas para o rio Belém”, publicava o jornal A Notícia, em junho de 1906, na boa grafia do português da época.

Nas décadas seguintes, com o crescimento da cidade, o Belém rapidamente se transformou num rio morto e fétido, servindo de canal de esgoto de boa parte da população. E em todo esse período de deterioração crescente foram várias as intervenções. Já em 1908, um relatório do engenheiro Ernesto Guaita à prefeitura de Curitiba alertava que o lixo acumulado em depressões de certas ruas formava “verdadeiros tanques de águas estagnadas e putrefadas” e que o “único escoadouro destas águas” era o rio Belém”. Assim propunha rebaixar o leito do rio para dar vazão aos esgotos da cidade.

A canalização do Belém começou pouco anos depois. Em 1914, o prefeito Cândido de Abreu, divulgava a seguinte mensagem: “Prosseguem com energia a canalização, retificação e cobertura dos rios, estando já retificada parte do rio Belém”.

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Menos de duas décadas depois do início da canalização, em 1932 o prefeito Jorge Lothario Meissner divulgava mensagem em que afirmava que “com o projeto [de retificação do leito] confeccionado e aprovado, o percurso deste rio fica reduzido de dez quilômetros e meio, ficando evidentemente aumentado o declive de seu leito e, portanto, o escoamento das suas águas” No ano seguinte, as obras de “rectificação” do Belém, que duraram seis meses, empregou 150 operários e custou 150 contos de réis, eram manchete do jornal Correio do Paraná com muitas fotos e elogios. A inauguração do canal contou a presença das maiores autoridades do estado e toda a nada da sociedade curitibana.

O efeito da grande obra, no entanto, durou pouco. Oito anos depois, em 1941, a prefeitura anunciava um novo plano de canalização de um “trecho do rio Belém de 142 metros na Rua Mariano Torres e de 156 no Passeio Público.

Os planos envolvendo o Belém se intensificaram à medida que os problemas decorrentes do despejo de esgoto e dejetos no rio aumentavam. Na década de 1960 as enchentes ameaçavam a saúde dos moradores do bairro Capanema e o assunto era manchete do Correio do Paraná. Em 1961 era noticiado que o Belém era fonte de febre tifoide e os moradores cobravam ampliação do canal do tio para escoamento das águas poluídas.

O fim do Belém no centro da cidade, pelo menos aos olhos das pessoas, ocorreu na década de 1970. Até essa época, o rio corria às vistas de todo mundo ao lado da Avenida Mariano Torres. O plano para tornar o Belém um rio subterrâneo foi colocado em prática na gestão do prefeito Saul Raiz.

O jornal Gazeta do Povo publicou reportagem em que ouvia a opinião dos moradores da Rua Mariano Torres acerca da obra. “Ao menos em um ponto os moradores da Rua Mariano Torres concordam plenamente: o Rio Belém deve ser canalizado o mais rápido possível”, publicou o jornal.

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Após concluídas as obras, o a Gazeta do Povo publicava que “quem passar pelo cruzamento da rua XV de Novembro com a Mariano Torres nem dará conta do antigo canal a céu aberto existente até a pouco na região”.

Em 1978 foi concluído o trecho até a Avenida Cândido de Abreu e o Belém definitivamente desapareceu de todo o centro. (CM)

 

Mais informações:

Os estudos sobre o Rio Belém citados nesta reportagem podem ser acessados por:
http://retratosdobelem.blogspot.com.br
https://omatadouromunicipaleoguabirotuba.wordpress.com

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