Em um lugar impreciso da floresta vivia um homem tão velho que o tempo se recriou nele. Das lonjuras e das eras passadas de desterro, carregava incrustrada na pele a solidão. Sua barba e cabelos cresceram em tal proporção que se arrastavam por trilhas sem destino, acompanhavam as corredeiras dos rios tortuosos, atravessavam vales profundos e se transformavam em cipós e capins ao mesmo tempo em que a idade esquecida se perdia.
Ninguém podia entrar na mata para caçar os bichos porque as árvores engoliam os caçadores e transformavam seus sonhos em pedras. Só o velho caçador sabia do mistério das plantas e conhecia o segredo das cobras voadoras.
– Um dia é da caça, outro do caçador.
Esse presságio o velho recebera há muitos anos, desde quando o mundo ainda estava sendo inventado e os beija-flores beijavam as flores para torná-las mais bonitas. Ele temia tão somente o canto da coruja nas noites silenciosas e o uivo dos lobos depois do morro dos esquecimentos.
Nos últimos anos, apesar de toda a vivência, o velho nunca mais conseguira aprisionar uma pequena caça sequer. Pacas, veados, cutias, antas, catetos, capivaras, todos os bichos haviam desaparecido da floresta. Para se alimentar, o velho se esforçava para buscar peixe num rio de águas diáfanas, depois do buritizal das reminiscências, dos pinheirais tristes e do caminho que levava as pessoas para o reino dos calangos ariscos e dos caracóis fosforescentes.
O velho vivia o agosto dos seus desgostos. Nem mesmo as incertezas dos caminhos preenchiam seus remorsos.
– Pra onde foram as caças que dão o alimento de outras vidas?, perguntava ao Deus Trovão.
Mas o Deus do Trovão rolava seu tambor no céu carregado, de um horizonte insensível a outro, e não respondia. E o Deus Relâmpago acendia uma linha de fogo nas nuvens cinzas-azuladas, clareando todo o intrincado da existência do velho.
Tarde da noite, lua prateada desenhando sombras sombrias nas folhas secas da floresta, lá estava o velho mais uma vez sobre o jirau no alto da árvore dos anseios. Ele caçava o que procurou por todos aqueles anos sem calendário, de tempos a perder na memória.
Silenciosamente, o velho caçador esperava a caça como alguém que esperou toda a vida o desconhecido. Madrugada de nuvens plúmbeas, uma ventania tempestuosa violentou a calmaria da mata. Mas o velho resistiu aos receios que revolviam as profundezas de seus medos: engatilhou a espingarda e segurou firme o chapéu para que não voasse ao vento insólito.
A coruja cantou três vezes no toco. Um ser corria em direção ao jirau abrindo uma picada de fogo no meio da mata virgem. O velho caçador pensou que fosse a onça das sete vidas, mas, quando o bicho chegou embaixo do estrado, ele viu que era um tamanduá com bandeiras de penas pardas e patas com cascos de equinos.
Então, o velho caçador mirou a espingarda na testa daquele ser incomum e puxou o gatilho. Pelo inexplicável, o tiro não saiu. O tamanduá ficou imóvel, sereno, olhando-o com os olhos indecifráveis, enquanto a espingarda falhou sete vezes seguidas.
Um clarão envolveu o pé do jirau. O ser criou asas como um pássaro disforme, alçou voo lento e sem cadência, levando o velho em seu dorso côncavo. O velho se fez bicho ao planar sobre a mata acompanhado de revoadas de gaviões e aves do sem fim, até desaparecer por detrás do morro das araras imortais.
– Um dia a caça vira caçador.
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