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Certas Palavras

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Urbanismo

‘Oásis curitibano’ teme perda da qualidade de vida

(Foto: Jonathan Campos)

Criado oficialmente em 1975, o Jardim Social logo se transformou em um projeto urbanístico de sucesso. Durante mais de 40 anos, o bairro se destacou por ser um “oásis” próximo do centro de Curitiba, principalmente em termos de segurança, arborização, residências com amplos jardins e ruas livres do trânsito intenso da grande cidade. Mas, agora, os moradores desse pedaço nobre da cidade estão preocupados com mudanças que possam alterar as regras de ocupação do bairro – a proposta de revisão da Lei de Zoneamento está em análise na Câmara dos Vereadores.

Lideranças da comunidade dizem que a desconfiança cresceu depois que, em 2000, uma parte do bairro que era ZR1 – a qual só permite uma residência por terreno – e mais recentemente uma outra parte, próxima à Linha Verde, foram alteradas. “Uma parte do Jardim Social passou para ZR3 e agora nós estamos preocupados com a possibilidade de mudarem também a outra parte do bairro. Nós já fizemos uma série de reuniões em que pedimos às autoridades e aos vereadores para que o Jardim Social fique como está, como ZR1. Não queremos perder mais espaço, não queremos mudanças que possam tirar qualidade de vida do nosso bairro”, diz Alda Hack, presidente da associação dos moradores.

Moradora do Jardim Social há 38 anos – ela e o marido se mudaram para lá ainda jovens, em 1981 –, Alda diz que defender o Jardim Social como área de residência com uma casa apenas por terreno não é exclusivamente em benefício dos moradores, mas de toda a cidade. “Muita gente fala em adensar algumas regiões de Curitiba, mas nós queremos preservar o Jardim Social. A cidade não pode ser uma selva de concreto. A preservação é tudo para a grande maioria das pessoas que vive aqui”, diz.

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Nós já fizemos uma série de reuniões em que pedimos às autoridades e aos vereadores para que o Jardim Social fique como está, como ZR1. Não queremos perder mais espaço, não queremos mudanças que possam tirar qualidade de vida do nosso bairro.

Alda Hack, presidente da associação dos moradores.

Para Alberto Paranhos, economista do Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano de Curitiba (Ippuc) e coordenador da Lei de Zoneamento, não haverá mudança em áreas de ZR1 da cidade. “Não tem razão para existir essa preocupação dos moradores do Jardim Social. Todas as ZR1 são áreas exclusivas de casas, com ocupação de uma casa por lote. Em todas as audiências públicas, desde 2016 até o ano passado, os moradores de ZR1, diretamente ou através de associações, pediram para não se mudar nada. E nós mantivemos como está, ninguém alterou um metro, exceto um caso, no Capanema, entre a Avenida Omar Sabagg até a Avenida Comendador Franco. Mas lá foram os moradores que pediram para a reclassificação para que eles pudessem o espaço que hoje ocupados com residência como comércio. Então, passou de ZR1 para ZR3, mas isso foi uma decisão dos moradores” explica o coordenador.

“Todo mundo diz que é preciso ter mais comércio nas proximidades de casa, mais serviços, mais ônibus para melhorar a mobilidade, mas que seja na rua do outro. Ninguém quer ônibus e comércio na sua rua, na sua quadra, do lado da sua casa”.

Alberto Paranhos, economista do Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano de Curitiba (Ippuc) e coordenador da Lei de Zoneamento.

Apesar das garantias do Ippuc, algumas lideranças do Jardim Social levantam a hipótese de os vereadores acrescentarem mudanças durante a revisão de Lei de Zoneamento. “Fizemos uma mobilização muito grande quando soubemos que estavam mudando o zoneamento de uma parte do bairro, às margens da linha Verde. Pedimos ajuda aos vereadores, mas fomos traídos. A ajuda que pedíamos veio ao contrário, muitos deles defenderam a mudança, autorizando a alteração de zoneamento. Ninguém nos assegura que agora esses mesmos vereadores não vão nos trair de novo. Temos esse problema com alguns vereadores que querem, por interesse do lobby imobiliário, mudar todo o bairro, querem transformar o Jardim Social em região de comércio, de mais moradias. Isso vai trazer mais criminalidade, assaltos, violência e perda da qualidade da urbanização”, contesta Ilona Regina de Lima, moradora do bairro há mais de 40 anos e secretária do Conselho Comunitário de Segurança (Conseg Jardim Social).

Comércio e ‘pombais’

Uma das reivindicações de muitos moradores de bairros é a ampliação do comércio nas proximidades, com lojas e prestadores de serviços. Mas esse não é o caso de boa parte do pessoal do Jardim Social. Muitos residentes e, principalmente, suas lideranças comunitárias, não é interessante correr o risco de perder a tranquilidade para permitir o comércio em ruas onde hoje são exclusivamente de moradias.

“Queriam convencer a gente de que é melhor ter mais comércio no bairro. Nós não queremos comércio fora das ruas onde já existe. Hoje tem comércio na Avenida Nossa Senhora da Luz e na Fagundes Varela. Esses locais são bem próximo das nossas casas, não precisamos de mais comércio. Não queremos também que aumentem o limite da área destinada a comércio. Falam em ampliar de 100 metros quadrados para 200 metros quadrados o limite da área dos estabelecimentos comerciais. Nós não queremos isso”, diz a presidente da Associação dos Moradores. “Já fizemos abaixo assinado, trouxemos o prefeito Rafael Greca aqui no bosque (Bosque de Portugal), na praça, e ele prometeu que não vai mexer. Esperamos que não mude mesmo”, acrescenta.

“Não queremos que a especulação imobiliária transforme o Jardim Social em pombais. Não queremos verticalização, construção de prédios de vários andares, instalação de comércio nas ruas. Não queremos aqueles pombais, que são várias moradias pequenas em um terreno, aqueles sobradinhos empilhados, um em cima do outro, que ocupam todo o terreno, sem deixar área verde nos terrenos.”

Ilona Regina de Lima, moradora do bairro há mais de 40 anos e secretária do Conselho Comunitário de Segurança (Conseg Jardim Social).

Além da expansão do comércio, o Jardim Social também resiste à ideia de permitir a construção de mais de uma residência por terreno. “Não queremos que a especulação imobiliária transforme o Jardim Social em pombais. Não queremos verticalização, construção de prédios de vários andares, instalação de comércio nas ruas. Não queremos aqueles pombais, que são várias moradias pequenas em um terreno, aqueles sobradinhos empilhados, um em cima do outro, que ocupam todo o terreno, sem deixar área verde. “A especulação imobiliária não está preocupada com a qualidade de vida. Aqui tem boa infraestrutura, está perto do centro, é um prato cheio para ganhar esse pessoal ganhar dinheiro”, protesta Ilona.

""Pioneiros do bairro envelheceram com qualidade de vida. (Foto: Gazeta do Povo)

Paranhos, do Ippuc, diz que é curioso a posição dos moradores de qualquer bairro em relação ao tema comércio e transporte público. “Todo mundo diz que é preciso ter mais comércio nas proximidades de casa, mais serviços, mais ônibus para melhorar a mobilidades, mas que seja na rua do outro. Ninguém quer ônibus e comércio na sua rua, na sua quadra, do lado da sua casa”, observa.

O coordenador da Lei de Zoneamento defende a ampliação da área que cada unidade comercial pode usar na Avenida Nossa Senhora da Luz. “Hoje, o limite de 100 metros quadrados ficou insuficiente, considerando que a legislação trabalhista exige – para determinados estabelecimentos – banheiro masculino, banheiro feminino, depósito, área de limpeza. Então, a área de venda ficou muito pequena, praticamente inviável. Nós fizemos pesquisa e vimos que mais ou menos 35% do total de atividades de comércio da cidade tem até 200 metros quadrados e outros 35% vão até 400 metros quadrados. Então, nessa revisão que está sendo feita, que está na Câmara de Vereadores, aumentamos de 100 metros quadrados para 200. Essa mudança não vai fazer nenhuma diferença em relação à paisagem, ao trânsito. E também tem que considerar que foi um pedido dos moradores da maioria dos bairros, que querem mais serviços, locais para comprar”, justifica.

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Segurança reforçada

A mobilização dos moradores do Jardim Social tem motivos além da resistência contra mudanças na ocupação do bairro. Nos últimos anos, com a explosão populacional de Curitiba, acompanhada do crescimento da violência urbana, a comunidade se uniu para garantir a tranquilidade de quem vive nesse espaço que é motivo de orgulho para uns e até de ciúmes para outros, que em certas épocas classificavam de “bacana” quem morava nas quadras logo depois da Nossa Senhora da Luz.

O trabalho vem dando resultados. Desde 2017, o Conseg do Jardim Social, hoje presidido por Arnoldo Jeferson de Paula, vem implantado um projeto de prevenção ao delito através da utilização de videomonitoramento residencial. Agora em 2019 já são mais de 60 câmeras instaladas em diferentes pontos do bairro e suas imagens são acessdas em tempo real pela Secretaria de Estado de Segurança Pública (Sesp) e a Polícia Militar do Paraná.

A instalação das câmeras é feita diretamente pelos moradores do bairro em suas residências. Os aparelhos permitem identificar suspeitos por meio de aplicativo de celular e acionar as forças policiais em caso de necessidade. O projeto está sendo considerado modelo para reduzir roubos e assaltos em bairros residenciais de grandes cidades.

""O início da ocupação do Jardim Social, um projeto urbanístico de sucesso.

A volta dos casais jovens

Nos primeiros anos de urbanização, especialmente nos anos de 1970 e início dos anos 80, ter uma casa no Jardim Social era o ‘sonho de consumo’ de muitos casais jovens da classe média e classe média alta de Curitiba. O bairro foi escolhido por muita gente para criar seus filhos em um lugar tranquilo e bem estruturado. Mas os anos se passaram, os pioneiros ficaram idosos e os filhos cresceram, foram construir a vida em outros cantos da cidade, do país e até no exterior. As casas, muitas delas grande – algumas mansões -, ficaram vazias.

Dados do IBGE de 2010 mostram que o Jardim Social era, na época, o bairro da cidade com maior proporção de idosos (27,4%) em relação à sua população. O segundo lugar ficou com um vizinho, o Hugo Lange, com 24,1%, seguido do Batel (23,5%, Bom Retiro (22,5) e Centro Cívico (21,8%), todos bairros nobres da capital paranaense. Junto com o envelhecimento da população ocorreu a saída dos jovens. Tanto que, entre 2000 e 2010, o Jardim Social perdeu 6,4% de seus moradores, ou seja, encolheu.

O envelhecimento da população, se, por um lado, provocou esvaziamento, por outro, proporcionou melhora nas condições de vivência dos idosos. Houve maior preocupação com a segurança, calçamento e arborização. Também houve incremento de espaços de lazer ao lar livre, com melhorias no Bosque de Portugal e academias ao ar livre. Mas também trouxe preocupação para quem ficou, muitas casas à venda, desparecimento de crianças das ruas.

Nos últimos anos, contudo, veio a boa surpresa. De uns tempos para cá os ventos do rejuvenescimento começaram a soprar. “Ultimamente percebemos que o bairro está se renovando, muitas casas sendo reformadas, modernizadas. Filhos que foram embora estão voltando, ocupando as casas que são de seus país. São jovens casais que querem um lugar bom, tranquilo, para criar seus filhos, como nós fizemos há 40 anos. As pessoas estão cuidando melhor das residências, das ruas. Casas colocadas à venda logo são compradas e quem chega arruma tudo. Estamos felizes”, comemora Alda na esperança de voltar as ver as crianças que hoje estão crescendo no bairro correndo pelas ruas.

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