Ouça este conteúdo
O início do julgamento pelo Supremo Tribunal Federal (STF) da inconstitucionalidade do chamado orçamento secreto desencadeou uma série de reações de parlamentares beneficiados com as verbas que são enviadas para seus redutos eleitorais sem a devida transparência. A cúpula do Congresso chegou a avisar a equipe de Lula que uma eventual proibição do orçamento secreto pela Suprema Corte poderia implodir a PEC da Transição, criando um cenário de ingovernabilidade. O que esses parlamentares não reconhecem é que a grande maioria da população condenou nas urnas, nos dois turnos das eleições de 2022, o mecanismo secreto de destinação de verbas.
Nenhum dos candidatos que disputaram a eleição presidencial apresentou proposta para manutenção do chamado orçamento secreto. De Ciro Gomes a Lula, de Simone Tebet a Bolsonaro, todos negaram apoio à medida. Tebet, que ficou em terceiro lugar no primeiro turno, chegou a classificar o orçamento secreto como maior esquema de corrupção do mundo.
Bolsonaro, apesar de ter sido responsável pela medida, em conchavo com o “centrão”, negou a autoria durante a campanha. O presidente, por mais de uma vez, disse que vetou a medida, a qual teria sido inciativa do Congresso. Na realidade, os fatos mostram que Bolsonaro, num primeiro momento, vetou a medida em 2019, mas logo depois enviou para o Legislativo sua proposta de emenda de relator-geral, que foi aprovada e entrou em vigor.
As críticas de Lula ao orçamento secreto foram frequentes durante toda a campanha eleitoral. Como exemplo, pode-se citar discurso do hoje presidente eleito na 74ª reunião anual da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), em julho de 2002, na Universidade de Brasília (UnB). "Fizeram um tremendo carnaval com o mensalão e, hoje, estão aprovando o orçamento secreto, que é a maior excrescência política orçamentária do país", declarou.
Agora, emparedados pela maioria dos congressistas, Lula e lideranças do futuro governo temem uma reação na Câmara dos Deputados e no Senado com potencial de inviabilizar o futuro governo. Garantia de governabilidade, temor de articulação do presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (apelidado por alguns parlamentares de premier) e riscos na aprovação da PEC da Transição, que destinaria recursos para o pagamento do Bolsa Família de R$ 600, mais R$ 150 por filho, são algumas das questões que forçam os futuros governistas a recuarem no ataque ao orçamento secreto.
As emendas de relator-geral (nome bonito para o orçamento secreto) foram rechaçadas pelos eleitores nas urnas porque viola o princípio da transparência no setor público, abre espaço para corrupção e fere o princípio de isonomia, desconsiderando a distribuição igualitária. O orçamento secreto, como o próprio nome diz, não permite publicidade, contraria a moralidade e estimula a ineficiência na destinação dos gastos públicos.
Os defensores da medida argumentam que já foram tomadas medidas requisitadas em 2021 pela ministra Rosa Weber, relatora das ações sobre o Orçamento Secreto (Weber é atual presidente do STF), no sentido de dar transparência aos gastos. A Comissão Mista de Orçamento do Congresso criou um portal em que os pedidos passaram a ser registrados, mas a ferramenta ainda é insuficiente e não permite fiscalização e controles externo e social. Após essas medidas, o STF referendou liminar de Weber que autorizou a continuidade das emendas de relator.
Decisões anteriores (preliminares) do STF sobre o orçamento secreto mostram que a maioria dos ministros e ministras tem ressalvas ao atual funcionamento desse mecanismo de destinação de verbas do orçamento. Soma-se à ampla violação constitucional a decisão da grande maioria dos eleitores que foi às urnas neste ano e votou em propostas que repudiavam as emendas de relator-geral.
É preciso que o STF determine o fim do orçamento secreto, apontado como excrescência na execução orçamentária. Ou, no mínimo, imponha novas mudanças no mecanismo para garantir o cumprimento dos preceitos constitucionais e que o mesmo deixe de ser secreto e cumpra a regra de transparência.