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Os planos de Obrador, o “Lula mexicano”, para governar o México

Obrador interrompeu um ciclo de 100 anos de domínio da direita e centro-direita no México. Foto: Divulgação de campanha (Foto: )

Primeiro político de esquerda a assumir a presidência do México promete governo austero, sem luxos ou privilégios, combate à corrupção, medidas duras contra a violência e programas sociais

Classificado por Paul Krugman, prêmio Nobel de Economia, como o “Lula mexicano”, Andrés Manuel López Obrador assume a presidência do México no próximo dia 1° de dezembro. Será a primeira vez na história mexicana que um político de esquerda comandará o maior país de língua espanhola do mundo. A posse, ao mesmo tempo que representa esperança para mais de 53 milhões de pessoas que vivem na pobreza e reféns da violência, traz também preocupação a setores da sociedade sobre a possibilidade – ainda que descartada pelo eleito – de um mandato populista.

Depois de duas derrotas, Obrador chega ao poder no México com o apoio de 53% dos eleitores – mais que a soma de votos obtidos pelo segundo e terceiro colocados, representantes do PRI e do PAN, os dois partidos que há 100 anos governavam o pais. O futuro presidente foi eleito pelo Movimento Regeneração Nacional (Morena), um dos partidos mais jovens do México, criado em 2014, em coligação com o Partido do Trabalho (PT) e o Partido Encontro Social (PES).

No palanque, Obrador convenceu a maioria dos mexicanos com um discurso que ataca os principais problemas que levaram o México a mergulhar em uma difícil combinação de crise econômica, explosão da violência e aumento do número de pobres.

Uma das propostas que caiu no gosto popular foi a de transformar a figura do presidente. Para isso, prometeu recusar a viver na residência oficial dos presidentes do México e transformá-la em espaço cultural para os mexicanos. Propôs ainda a redução de seu salário pela metade do que o atual presidente, Enrique Peña Nieto, ganha, cerca de três milhões de pesos mexicanos (perto de R$ 600 mil) por ano, além da venda do avião presidencial e a redução do número de guarda-costas.

Como complemento às medidas moralizadoras, apresentou propostas para erradicar a corrupção. Para o presidente eleito, corrupção e impunidade são os principais problemas do país. “Se necessário, puniremos até amigos e familiares. Sem aviso prévio, não há engano, seja quem for, será punido, incluo companheiros de luta, funcionários, amigos e parentes”, assegurou.

A segurança – outro campo de batalha de Obrador – foi um dos pontos centrais da disputa. Não à toa que a campanha eleitoral foi descrita como a “mais violenta desde a transição de 1997” por um relatório da empresa de consultoria Etellekt, responsável por 120 assassinatos de políticos desde setembro de 2017.  Obrador propôs retirar o exército das ruas e um “plano de paz e reconciliação”, com a participação de representantes dos direitos humanos, líderes religiosos e a ONU.

Apesar de gastar boa parte da campanha empenhado na defesa de medidas contra a corrupção e a violência, o que mais sensibilizou os eleitores foram as promessas de luta contra a pobreza. Dados do próprio governo mostram que o número de pobres atingiu neste ano 44% da população mexicana. “Não pode haver um governo rico com um povo pobre”, foi um de seus lemas de campanha. Como medidas práticas, propôs o aumento dos programas sociais para apoiar grupos vulneráveis, como idosos, mães solteiras e pessoas com deficiências, e políticas voltadas à geração de renda.

Na educação, outro foco do presidente eleito, prometeu ensino público gratuito e qualidade em todos os níveis de estudo. Além disso, seu plano de governo prevê que todos os alunos do ensino médio ou do ensino médio receberão uma bolsa de estudos mensal para evitar a evasão escolar. As fontes de recursos, no entanto, não ficaram claras.

O tom nacionalista também ajudou a impulsionar a candidatura. Amlo, como ficou conhecido – a sigla é formada pelas iniciais de seu nome – disse vai rever a reforma energética realizada pelo governo de Peña Nieto e concentrar a produção de energia e combustível no México. O atual governo havia aberto o setor ao capital internacional.

 

Presidente eleito conta com forte apoio popular para implantar mudanças. Foto: Divulgação de campanha

Congresso a favor

Existem muitas dúvidas na sociedade mexicana quanto à capacidade de Obrador implantar as medidas prometidas em campanha, mas há também um grau de otimismo pelo fato de o presidente eleito ter conquistado maioria na Câmara dos Deputados e no Senado. Sua coligação conquistou 308 dos 500 deputados e 69 dos 128 senadores.

Como os parlamentares eleitos foram empossados em agosto, antes mesmo de tomar posse Obrador já obteve sua primeira vitória no Congresso.  No último dia 14 de setembro, a Câmara dos Deputados aprovou um teto salarial para a alta burocracia. Pela lei, nenhum secretário de Estado, governador, senador, deputado ou funcionário público poderá ganhar mais do que os 108.000 pesos (21,2 mil reais), valor que será pago mensalmente ao próximo presidente do país. A norma também elimina as pensões pagas a cinco ex-presidentes. Estas medidas faziam parte do programa de austeridade prometido na campanha por Obrador.

Para muitos analistas, o novo governo ainda é um enigma. O economista e escritor Jorge Zepeda Patterson escreveu que Obrador “é um político similar ao caudilho argentino Juan Domingo Perón” por “sua ambiguidade ideológica, sua capacidade para flertar por cima dos rótulos ideológicos e para conciliar setores ideológicos diferentes”. O presidente eleito é definido pelos analistas políticos como “um enigma”. “López Obrador dança xaxado e tango ao mesmo tempo que entrega o cartão de visitas onde está escrito professor de boleros”, brincou.

O Nobel norte-americano Paul Krugman, que esteve na Cidade do México no mês passado para conferências, disse que Obrador é uma incógnita, mas mais confiável de o republicano Donald Trump. “Os mercados parecem pensar que López Obrador não vai fazer nada extremo. Claro que será um governo de esquerda e implantará mais programas sociais, talvez fará um pouco mais de intervenção governamental na economia, porém não se espera uma mudança dramática”, avaliou.

Para Sergio Aguayo, cientista político do Colégio de México (Colmex), o presidente eleito tem um mérito indiscutível. “Ele e sua equipe passaram anos insistindo em criar uma organização de base e têm conseguido manter uma estrutura que está desafiando e derrotando os outros partidos”, observa.

Em entrevista à BBC, o sociólogo Roger Bartra, crítico de Obrador, disse que o presidente eleito deu uma guinada tão grande para a direita que se aproximou do antigo PRI (partido que governou o México por quase 80 anos). “Amlo é uma encarnação da tradição latino-americana do populismo”, resumiu.

Economia estagnada, explosão da violência e aumento da pobreza

A crise econômica, a insegurança e o aumento do número de pobres levaram a sociedade mexicana ao estresse. O Produto Interno Bruto (PIB) do país recuou 0,1% no segundo trimestre de 2018 em relação ao período de janeiro a março, de acordo com dados do Instituto Nacional de Geografia e Estatística (Inegi).

O cenário de incertezas na economia mexicana já dura mais de um ano. No começo do mês, México, Canadá e EUA assinaram um acordo comercial que trouxe expectativa, mas não eliminou as dúvidas quanto ao futuro. Pelo acordo, cerca de 80% das exportações do México teriam proteção jurídica nos próximos anos.

O novo presidente precisará de crescimento na economia para vencer o desafio de reduzir o crescente número de pobres do país. Em 2008, o México somava 49,5 milhões de pessoas em situação de pobreza. Hoje a cifra passa de 53 milhões, o que representa 44% da população.

Com o crescimento da pobreza, outros problemas crônicos se agravam. Um deles é a violência. Na Cidade do México, capital do país, foi registrado aumento de 66% no número de assassinatos nos primeiros seis meses deste ano.

De acordo com boletim do Inegi, em 2008 foram registrados no país 13 homicídios para cada 100 mil habitantes. Esse número subiu 18 em 2009 e chegou a 25 homicídios para cada 100 pessoas no ano passado.

Pobreza atinge mais de 53 milhões de pessoas no México, cerca de 44% da população do país. Foto: Amlo

Plano de governo

Entre as prioridades da plataforma de Obrador destacam-se programas sociais, combate à corrupção e à insegurança, além obras de infraestrutura:

Infraestrutura

– Abertura de um corredor transoceânico, ligando Atlântico e Pacífico através do Golfo do México.

– Desenvolvimento da região do Istmo de Tehuantepec, onde há forte concentração de pobreza, por meio de uma ferrovia de carga e facilidades fiscais para a instalação de empresas.

– Construção do “Trem Maia” com a rota Cancún- Palenque.

– Construção de estradas rurais com uso intensivo de mão-de-obra.

– Reconstrução de propriedades danificadas após os terremotos de setembro de 2017.

Programas sociais

– Dobrar a pensão para idosos.

– Instituir pensões para pessoas com deficiência.

– Cuidados médicos e medicamentos gratuitos para toda a população.

Educação

– Bolsas de estudo para todos os alunos do ensino médio.

– Bolsas para jovens em universidades e para aprendizes em empresas.

– Abertura de 100 universidades públicas em áreas marginalizadas.

Comunicação

– Expansão da cobertura da internet em todo o país.

Agricultura

– Apoio a culturas básicas para alcançar a soberania alimentar.

– Empresa pública de fertilizantes para apoiar pequenos agricultores.

– Ampliação do crédito à agricultura e pecuária.

– Estabelecimento de uma cesta básica para a população carente.

Zona franca

– Zona livre ao longo da fronteira com os EUA, com impostos baixos e incentivos a empresas.

Energia e mineração

– Promoção do desenvolvimento de mineração.

– Aumento da produção de petróleo e gás com o fortalecimento da Pemex.

– Modernização das seis refinarias existentes.

– Construção de uma refinaria de petróleo em Dos Bocas, estado de Tabasco.

– Desenvolvimento da infraestrutura elétrica e energias alternativas.

Empresas

– Apoio a pequenas e médias empresas.

– Criação de um fundo misto de investimento público e privado para implementação de 25 a 30 projetos “de alto impacto” a nível nacional.

Segurança

– Lei que permite redução de pena para quem der informações as quais possibilitem capturar traficantes de drogas e armas.

– Formação de uma guarda nacional com forças policiais e militares.

– Retirada do Exército das ruas.

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