A declaração do governo Joe Biden de apoio à reivindicação de países pobres e de renda média pela suspensão temporária das patentes de vacinas contra Covid-19 tem tudo para influenciar a decisão que a Organização Mundial do Comércio (OMC) deve tomar em breve sobre o tema. Os EUA estão entre os principais produtores de imunizantes contra o novo coronavírus e, em seus laboratórios, foram desenvolvidas algumas das vacinas mais eficazes.
Nesta quinta-feira (06), a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, disse que a União Europeia (UE) está disposta a discutir a proposta dos EUA de compartilhar a tecnologia por trás das vacinas contra a Covid-19 para ajudar a combater a pandemia.
O diretor-geral da Organização Mundial da Saúde (OMS), Tedros Adhanom Ghebreyesus, elogiou a decisão de Biden como um “momento monumental na luta contra a Covid-19”, que reflete a “liderança moral” dos EUA na luta para acabar com a pandemia.
Biden defende que a proteção à propriedade intelectual é um pilar que sustenta a inovação e a liderança dos EUA no mundo. Mas também tem visão de que o mundo precisa de mais vacinas em curto período de tempo e que isso é possível fazer sem destruir, no longo prazo, as garantias que viabilizam a criação, a inovação e o avanço da ciência e tecnologia.
“As circunstâncias extraordinárias da pandemia Covid-19 exigem medidas extraordinárias. O governo acredita fortemente em proteções de propriedade intelectual, mas a serviço de acabar com esta pandemia, apoia a renúncia dessas proteções para vacinas Covid-19. Participaremos ativamente das negociações baseadas em texto na OMC necessárias para que isso aconteça”, disse Katherine Tai, a representante comercial dos EUA, em um comunicado por escrito.
As declarações sinalizam que o governo Biden deve atuar em busca de um acordo na OMC que possa atender os diversos atores envolvidos, o que incluiu necessariamente os laboratórios. A estratégia é poder interferir em um processo que, com a pressão internacional crescente, poderia se desenrolar independentemente dos EUA.
No horizonte do governo Biden está a possibilidade real de que, com o mundo livre da Covid-19, a economia voltará a crescer de forma sustentável, abrindo as portas para que todos os segmentos econômicos ganhem – e os laboratórios não estão fora disso –, além do fato de manter os EUA na posição de líder político global. Sem contar que deixaria a China, no máximo, como coadjuvante.
Um dos pontos a serem considerados é que a suspensão das patentes não seria para sempre. Seria temporária, ou seja, haveria uma flexibilização emergencial para criar as condições de produção de vacinas em maior quantidade e a preços mais acessíveis. Assim que a população do planeta estiver imunizada e o vírus debelado, as regras sobre patentes voltariam gradualmente, de tal forma que no futuro não faltariam vacina contra Covid-19.
Esse processo, quando feito por meio de negociações voltadas a atender um bem maior, que é a saúde da população mundial, poderia ser acompanhado pela “transferência de tecnologia”, no qual os detentores de patentes fornecem know-how técnico e pessoal a países com dificuldades.
Os laboratórios de todo o mundo receberam injeção de quantias bilionárias de recursos públicos para desenvolver as vacinas. Todas os imunizantes aprovados até agora receberam investimentos públicos, mesmo os criados por empresas norte-americanas, como Pfizer, Moderna e Johnson & Johnson. Até em países que não desenvolveram vacinas próprias, mas firmaram parcerias, como o Brasil, os recursos saíram dos cofres públicos, a exemplo dos investimentos no Butantan e na Fiocruz.
A suspensão temporária das patentes não implica, obrigatoriamente, em perda total de receita por parte dos laboratórios. Sobre a mesa da OMC está uma série de propostas, o que significa que poderá ser encontrado um caminho que permita dar um fim à tragédia que se abateu sobre o mundo em menor tempo possível.
A diretora-geral da OMC, Ngozi Okonjo-Iweala, tem claro que há condições para construir um acordo que atenda a todos. “Estou firmemente convencida de que, uma vez que possamos sentar com um texto real diante de nós, encontraremos um caminho pragmático a seguir”, disse ela em uma reunião do Conselho Geral da organização.
As negociações não serão fáceis, considerando as divergências sobre o tema. Apesar do reconhecimento de que é preciso fazer alguma coisa para acelerar a produção, fornecimento e acesso a vacinas, para muitos, a abertura de segredos de invenções de empresas, altamente complexos, não ajudaria a expandir o fornecimento global de vacinas, além de prejudicar a inovação.
Anthony S. Fauci, principal conselheiro médico de Biden para a pandemia, tem defendido que as farmacêuticas devem agir, seja expandindo sua capacidade de manufatura para abastecer outras nações a "um preço extremamente reduzido" ou transferindo sua tecnologia para permitir que o mundo em desenvolvimento faça cópias baratas.
“Eu sempre respeito as necessidades das empresas de proteger seus interesses para mantê-las no negócio, mas não podemos fazer isso completamente às custas de não permitir que a vacina que salva vidas chegue às pessoas que dela precisam”, disse Fauci.
A proposta da Índia e da África do Sul, que atualmente conta com o apoio de mais de 100 países, permitiria que as empresas farmacêuticas de outros países produzissem ou importassem cópias genéricas baratas de vacinas. Os defensores dizem que um acordo sobre as patentes liberaria os inovadores em outros países para buscar suas próprias vacinas contra o coronavírus sem receio de processos de violação de proteções de propriedade intelectual.
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