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Logo após a confirmação dos resultados do segundo turno das eleições, o vice-presidente da República e senador eleito, Hamilton Mourão (Republicanos-RS), propôs reformas profundas no Supremo Tribunal Federal (STF). Além da ampliação do número de ministros da Corte Suprema, o vice-presidente admite discutir impeachment. A fala de Mourão foi ecoada por um grande número de aliados do governo, especialmente congressistas, e revela parte do plano bolsonarista na disputa pela hegemonia política e a dominação de poder no país.
A possibilidade de mudar a composição e o funcionamento da Suprema Corte brasileira vem no pacote de um projeto maior do bolsonarismo, o qual prevê outros poderes aliados ao Executivo. Isso fica claro na propaganda eleitoral do segundo turno, em que Bolsonaro diz claramente que o “novo” Congresso foi eleito para a continuidade do atual governo. Fica evidente também em declarações de aliados poderosos, como o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), para quem os deputados e senadores eleitos e reeleitos este ano compõem um Congresso “feito” para a permanência de Bolsonaro.
Não é só uma questão de aumentar o número de cadeiras na Suprema Corte. Eu vejo que a gente tem que trabalhar em cima daquilo que são decisões monocráticas, em cima dos mandatos para os mandatários da Suprema Corte. Eu acho que não pode ser algo até os 75 anos [a idade para os ministros se aposentarem] ou [mandados de] 10 ou 12 anos. Isso deve ser discutido. E outra discussão que o presidente Bolsonaro colocou é a quantidade dos magistrados.
Hamilton Mourão, vice-presidente da República e senador eleito pelo Rio Grande do Sul.
A tese não é nova: para se perpetuar no poder não basta ganhar o Executivo. É preciso dominar o Congresso e ter uma cúpula do poder Judiciário que reme a favor. Essa receita já foi usada e continua em uso atualmente em diversos países, com maior visibilidade naqueles com regimes autocráticos. A independência dos poderes não combina com modelos de autocracias.
Na sexta-feira (07), o presidente Jair Bolsonaro afirmou que recebeu propostas para mudanças no STF e que vai analisar depois das eleições os caminhos a seguir. O candidato à reeleição ressalvou que as mudanças dependem do Congresso, indicando desde já que aposta na força que saiu das urnas em 2 de outubro passado. Uma das propostas na mesa prevê aumento do número de ministro do STF dos 11 atuais para 16. Seriam cinco ministros a mais.
A conta do bolsonarismo é simples: com os dois ministros já nomeados por Bolsonaro (Kassio Nunes Marques e André Mendonça), dois que serão nomeados em 2023 para substituir Ricardo Lewandowski e Rosa Weber, que se aposentarão, e os outros cinco, que seriam nomeados para preencher as novas vagas, o governo teria controle do Supremo, com nove “aliados”. Além desse ponto, há outros em discussão nos bastidores bolsonaristas, como a questão de limite de tempo para o mandato de ministro.
Em caso de reeleição, Bolsonaro espera contar com uma ajuda de parlamentares de partidos que não estão na lista de aliados, como o Podemos, do senador Lasier Martins (Podemos-RS), que apresentou projeto no Senado prevendo mudanças no STF, e do PSDB, do deputado Pedro Cunha Lima (PSDB-PB), que protocolou proposta em 2015, que estabelece mandato de 10 anos aos ministros do Supremo.
Mas o passo mais largo de todos rumo à construção de condições para manter o poder por décadas, no entendimento de parte influente do bolsonarismo, seria mudar a Constituição. Gente graúda, como o líder do governo na Câmara, Ricardo Barros (PP-PR), é claro ao defender uma nova Carta Magna. Em artigo publicado na Folha de S. Paulo, em janeiro de 2021, Barros usou o argumento de que a atual Constituição tem muitos direitos e poucos deveres, sem mencionar se algum direito seria cortado em uma eventual nova Carta.
A mudança da Constituição é, na visão de parte significante do bolsonarismo, a “grande jogada” para estabelecer um poder total, onipresente e duradouro. A partir dela (constituição), se criaria as condições plenas para a implantação de um novo modelo, aos moldes da direita ideológica, em termos de política econômica, sistema eleitoral, legislação trabalhista, direitos civis, pauta de costumes, política educacional, segurança pública e vários outros temas, como uma nova regulamentação para concessões de emissoras de rádio e televisão.
A atual Constituição Federal tem 103 vezes a palavra ‘direitos’ e 9 vezes a palavra ‘deveres’. Trata-se, claro, de uma conta que não fecha.
Ricardo Barros, líder do governo na Câmara dos Deputados.
Para o objetivo de longo prazo, uma ala bolsonarista defende que a educação deve ser prioridade, com mudança radical, retirando de Paulo Freire a condição de Patrono da Educação Brasileira. Na visão desse grupo, o educador Paulo Freire é de esquerda e sua pedagogia, da formação crítica dos estudantes, precisa ser revogada das escolas. O Projeto de Lei 1930/19 , de autoria do deputado Heitor Freire, retira a condição de Freire como patrono. Em contrapartida seria necessário implantar políticas educacionais com visão de direita, de olho na formação ideológica das futuras gerações, em contraposição ao pensamento crítico.
Apesar de propagar que as mídias tradicionais já não têm mais influência, os bolsonaristas julgam necessário ter como aliados os controladores de veículos de radiodifusão. Nessa toada entram as rádios comunitárias, historicamente ligadas, em sua maioria, a movimentos progressistas. A estratégia é virar o jogo, e isso só será possível, na visão bolsonarista, com a abertura de novas frequências, aumento de potência e implantação de políticas que permitam a veiculação de publicidade nesses canais. Outra linha de atuação seria jogar duro na renovação de concessões de veículos que hoje não estão alinhados ou que são críticos do governo.
O plano de poder total bolsonarista é público. Ao discursar logo após o resultado do primeiro turno das eleições, perante governadores eleitos aliados, na semana passada, Bolsonaro disse bem alto que, enquanto "eles", da oposição, pensam no momento, apenas na eleição, "nós pensamos a longo prazo".