Reprodução/Mao Siqian/Xinhua| Foto:
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No final da década de 1970 e início dos anos 80, sob a liderança de Deng Xiaoping, a China deu uma guinada em sua política econômica. Sob slogans como o conhecido “enriquecer é glorioso”, o país conseguiu, em 40 anos, se transformar na segunda maior economia do mundo. Agora, os dirigentes do Partido Comunista querem ênfase na distribuição da riqueza como forma de aumentar ainda mais o bolo. Mas, afinal, o que é a tão propalada “prosperidade comum” chinesa?

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O termo “comum” pode levar à interpretação de que a meta almejada pelos comunistas chineses é o igualitarismo econômico. Essa interpretação incorre em erro, pelo menos se forem considerados os comunicados oficiais.

“Em vez de ser igualitário em detrimento da eficiência, a ‘prosperidade comum’ deve ser alcançada por meio de trabalho árduo e inovação, com chances de que mais pessoas se tornem ricas.” Essa é uma das definições do plano para promover a chamada “prosperidade comum”, anunciado em 17 de agosto, durante reunião da Comissão Central de Assuntos Financeiros e Econômicos do Partido Comunista.

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Reduzir a disparidade de renda entre as pessoas das cidades e da zona rural é uma das prioridades do plano do governo chinês.| Foto: Reprodução/Xinhua

De acordo com os líderes chineses, tornar um pequeno número de pessoas ricas primeiro era considerado uma transição, o que seria posteriormente ajustado por políticas e leis para alcançar a prosperidade comum. E isso deve ser feito a partir de agora, momento em que o país conseguiu erradicar a pobreza e consolidou suas raízes na economia internacional.

Xi Jinping, atual presidente, adiantou detalhes do plano para promover a “prosperidade comum”. Entre as políticas estariam uma “regulação mais forte” sobre a renda dos ricos e medidas para garantir a redistribuição de renda no país. A ideia é “encorajar grupos e empresas de alta renda a retribuírem mais à sociedade”.

A distribuição de renda, no entanto, deverá vir acompanhada de garantias e facilidades a empreendedores, segundo o governo. “Podemos permitir que algumas pessoas enriqueçam primeiro e depois fazer com que elas possam orientar e ajudar outras a enriquecerem juntos. Podemos apoiar empreendedores ricos que trabalham duro, operam legalmente e correm riscos para abrir negócios, mas também devemos fazer o nosso melhor para estabelecer um sistema de políticas públicas 'científico' que permita uma distribuição de renda mais justa ”, disse Jinping.

A China, governada por um partido comunista em busca da construção de uma sociedade socialista, na realidade ainda está atrás de muitos países desenvolvidos do Ocidente quando se trata de distribuição de renda.

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China avançou na economia, mas desigualdade é alta na comparação com países de maior equilíbrio na distribuição de renda. Coeficiente de Gini acima de 0,4 é considerado ruim.

O coeficiente de Gini da China – índice que mede a desigualdade e vai 0 a 1, com 0 sendo a igualdade perfeita – oscilou entre 0,46 e 0,49 nas últimas duas décadas. Um nível de 0,4 é geralmente considerado uma linha vermelha para a desigualdade. Para efeito de comparação, países como Noruega, Dinamarca, Suécia, Bélgica, Japão, Suíça e Alemanha têm coeficiente Gini abaixo de 0,33. O Brasil chega a 0,53, nível considerado muito ruim, especialmente considerando que o país conseguiu baixar o índice de 0,56 em 2003 para 0,51 em 2015, voltando a subir nos anos posteriores.

Nas últimas três décadas a China produziu uma enorme riqueza. Hoje o país tem uma classe média de cerca de 350 milhões de pessoas que ganham entre US$ 15 mil (R$ 78 mil) e US$ 75 mil (R$ 390 mil) por ano. Mas o número de gente fora dessa faixa é também gigantesco. Li Keqiang, atual primeiro-ministro e que é o atual chefe de governo, relatou no ano passado que o país tem cerca de 600 milhões de pessoas vivendo com uma renda mensal de 1.000 yuans (US$ 154 ou pouco mais de R$ 800), o que mal dá para cobrir o aluguel mensal em uma cidade chinesa de médio porte.

O número de super-ricos no país comunista aumentou. Em 2020, segundo a Lista de Ricos Hurun China, divulgada anualmente há 22 anos, a China ganhou 257 novos bilionários, que se juntam aos 621 registrados na edição passada. Agora são 878 bilionários, maior número que o país já viu. Em 1999, não havia uma única pessoa no país que alcançasse o valor de US$ 1 bilhão.

Jack Ma, dono do Alipay e do Alibaba, um dos super-ricos da China. Província em que fica a sede de sua empresa foi escolhida para o 'start' do plano de prosperidade comum.| Foto: Ben Hiden/Creative Commons
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A China ultrapassou os EUA em número de bilionários pela primeira vez em 2015. O número de milionários chineses também cresceu, chegando a 5,28 milhões de pessoas com mais de US$ 1 milhão. Em 2020, o 1% mais rico dos chineses detinha 30,6% da riqueza do país, ante 20,9% há duas décadas, de acordo com um relatório do banco Credit Suisse.

O 14º Plano Quinquenal da China (2021-2025) enfatiza a necessidade de perseguir a ‘prosperidade comum’ e detalha o que, na prática, deve ser essa política. “A prosperidade comum refere-se à riqueza compartilhada por todos, tanto em termos materiais como culturais, e deve ser avançada passo a passo”, define documentos oficiais ao ressaltar que “a prosperidade comum é um requisito essencial do socialismo e uma característica-chave da modernização ao estilo chinês”.

Como o país vai conseguir? De acordo com a agência estatal Xinhua, para atingir a meta, a China promete estabelecer um sistema de políticas públicas científicas e um sistema de distribuição razoável que beneficie a todos. “Destacando a importância de lidar adequadamente com a relação entre eficiência e justiça, o país planeja fazer arranjos institucionais básicos sobre a distribuição de renda. Também planeja expandir o tamanho do grupo de renda média e ajustar rendas excessivas para promover justiça social”, publicou a agência.

Vilarejo na zona rural da província de Zhejiang, região escolhida para testar o plano de "prosperidade comum". | Foto: Reprodução/Xu Yu/Xinhua

Essas medidas ‘socializantes’ viriam acompanhadas de outras que incluem a “proteção dos direitos de propriedade e direitos de propriedade intelectual e o desenvolvimento saudável de diferentes tipos de capital”.

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O projeto piloto para a nova estratégia de desenvolvimento chinês é a província de Zhejiang, na região Leste, onde ficam sedes de grandes empresas, como a do Alibaba Group Holding. De acordo com o plano, divulgado em julho, a província se esforçará para reduzir as disparidades na renda dos residentes e no desenvolvimento regional, e formará uma "estrutura social em forma de oliva" onde as famílias de renda são o esteio da economia.

A meta é chegar a uma renda anual disponível per capita de todos os residentes na província de 75 mil yuans (cerca de US$ 12 mil) até 2025, com 80% dos residentes atingindo uma renda familiar anual disponível de 100 mil a 500 mil yuans. A prosperidade comum viria até 2035, com um PIB per capita e renda dos residentes urbanos e rurais atingindo o padrão para países desenvolvidos.