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Criação de novo bloco amplia a proliferação e sobreposição de organizações de países no continente americano
Nas últimas décadas tornou-se prática padrão no continente americano criar organizações entre os países de acordo com as cores político-partidárias de seus governantes. Muitos organismos surgem como contraponto a outros, criados por adversários. São dezenas de siglas que se proliferam a cada mudança de líderes e se sobrepoem. Além de terem finalidades e objetivos parecidos – e com sinais trocados -, elas têm ainda em comum o fato de praticamente não trazerem nenhum resultado à população. Isso sem contar o custo de milhões de dólares aos cofres públicos para manter estruturas quase sem nenhuma função e gastos com pessoal.
O exemplo mais recente dessa política de ocasião foi registrado na tarde do último dia 22, uma sexta-feira, em Santiago, no Chile. Lá, os presidentes Jair Bolsonaro (Brasil), Mauricio Macri (Argentina), Sebastian Piñera (Chile), Mario Abdo Benítez (Paraguai), Martín Vizcarra (Peru), Iván Duque Márquez (Colômbia), Lenín Moreno (Equador) e George Talbot (embaixador da Guiana) assinaram o protocolo de criação do Foro para o Progresso da América do Sul (Prosul).
“Ontem em Santiago lançamos as bases para um novo espaço de diálogo e integração da América do Sul: o Prosul. Os principais pilares serão a democracia, a prosperidade e o respeito às soberanias, opostos ao avanço totalitário observado no continente nos últimos anos com a Unasul”, saldou Bolsonaro em sua conta no Twitter.
Da comemoração do presidente brasileiro é possível extrair que o Prosul surge com o principal objetivo de se contrapor à União das Nações Sul-Americanas (Unasul), fundada há apenas 11 anos sob a liderança do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Outro detalhe que confirma o critério ideológico da criação do novo organismo é que todos os presidentes reunidos no Chile estão no campo da direita, enquanto que na época da implantação da Unasul a maioria dos governos sul-americanos eram classificados como de erquerda – Hugo Cháves (Venezuela), Michelle Bachelet (Chile), Cristina Kirchner (Argentina), Evo Morales (Bolívia), Rafael Correa (Equador) e Tabaré Vázquez (Uruguai).
Ideologia
Episódio parecido com o da criação do Prosul aconteceu em 2004. Com a economia da Venezuela crescente acima de 10% ao ano e muito dinheiro, o ex-presidente Hugo Chávez reuniu líderes simpáticos ao chamado Socialismo do Século 21 e criou a Aliança Bolivariana para os Povos da Nossa América (Alba), uma organização afinada com as propostas de esquerda baseada na ideia da integração social, política e econômica entre os países da América Latina e do Caribe. O grupo chegou a ter 12 países, mas hoje apenas Bolívia, Guiana, Suriname, Uruguai e Venezuela seguem no bloco. Argentina, Brasil, Colômbia, Chile, Paraguai, Peru e Equador suspenderam sua participação ou anunciaram saída definitiva da organização a partir de 2017 com a ascensão de governos de direita.
O curioso na criação do Prosul – só para usar um termo brando – é que seus líderes negam motivação ideológica, apesar das evidências em contrário. “O Prosul vai ser um fórum sem ideologia, que vai respeitar a diversidade dos países que elegeram seus governos”, declarou o presidente chileno Sebastian Piñera, sem tocar no fato de que países com governantes de esquerda, como Bolívia e Uruguai estão fora.
A criação do novo organismo se dá em meio a uma série de dúvidas de como ficará o Mercosul, bloco econômico e comercial formado por Brasil, Argentina, Uruguai e Paraguai depois da suspensão da Venezuela e da posse de Bolsonaro. O presidente brasileiro foi um duro crítico do Mercosul durante a campanha eleitoral e seu ministro da Economia, Paulo Guedes, chegou a dizer após a vitória nas urnas que o bloco “não será prioridade”.
Para o professor Alexsandro Eugênio Pereira, cientista político e coordenador do Núcleo de Pesquisa em Relações Internacionais da Universidade Federal do Paraná (UFPR), a criação do Prosul e a defesa do fim da Unasul “expressa a mudança recente de orientação política e ideológica de governos importantes da América do Sul” e representa, também, mais um capítulo da polarização política que marcou as eleições presidenciais brasileiras de 2018.
“Se o propósito fosse apenas a integração política regional, ou o desenvolvimento de ações de cooperação e coordenação política, seria possível retomar a Unasul, modificá-la de acordo com as orientações dos governos sul-americanos e dar sequência a uma estrutura institucional relativamente simples e já existente.”
Alexsandro Eugênio Pereira, cientista político e coordenador do Núcleo de Pesquisa em Relações Internacionais da Universidade Federal do Paraná (UFPR)
Na avaliação do cientista político, que também foi editor-chefe da revista Conjuntura Global, a estrutura da Unasul não é tão burocrática como se disse e é flexível, pois é formada por conselhos compostos por chefes de Estado, chanceleres e delegados que atuam em áreas temáticas específicas (como energia, defesa, infraestrutura e saúde, dentre outras). “Essa estrutura não envolve um grau aprofundado de institucionalização que obrigaria Estados a assumir compromissos econômicos e políticos. Além disso, a Unasul conta, também, com uma cláusula democrática por meio do Protocolo Adicional ao Tratado Constitutivo. Esse protocolo foi assinado em 2010. O recurso à cláusula democrática poderia levar à suspensão da Venezuela da Unasul, se houvesse um interesse efetivo dos governos de retomar e fortalecer essa organização ao invés de criar mais um fórum que poderá ficar apenas no papel se esses governos não desenvolverem ações mais efetivas”, argumenta Eugênio Pereira.
Sem resultados
Na história recente da região são muitos os exemplos de organismos criados com boas intenções, voltados à integração e o desenvolvimento econômico e social, mas que apresentam resultados pífios ou, na pior das hipóteses, perderam totalmente a razão de existir. Outros nem mesmo foram em frente, morreram no papel e nos discursos. Idealizada pelos Estados Unidos em 1994 para impulsionar os negócios nas três Américas, a Área de Livre Comércio das Américas (Alca) é um exemplo de projeto que não decolou.
Vários governos do América Latina entenderam que bloco econômico serviria aos interesses norte-americanos, que levaria vantagem por ter uma enorme vantagem competitiva com a liberação de barreiras comerciais. A disparidade entre a economia dos EUA e a dos demais países do continente desde o início foi o principal entrave para a concretização do projeto. A proposta foi recusada pela maioria dos governos latino-americanos em 2005, durante a Quarta Cúpula das Américas em Mar del Plata, na Argentina, e foi praticamente abandonada.
Multiplicação
A Alca se juntaria a um grande número de organizações, tratados e blocos criados na região com o propósito de livre comércio entre os países. Na América do Norte há o Nafta, mas os EUA participam de outro bloco, o Cafta, com os países da América Central, que por sua vez, criaram o Mercado Comum Centro-Americano (MCCA). Os países do Caribe têm também organizações paralelas, como a Organização dos Estados do Caribe Oriental (Oeco), a Associação dos Estados do Caribe (AEC) e a Comunidade do Caribe (Caricom).
Nessa ‘epidemia’ de siglas, aparece até o pouco conhecido Tratado de Cooperação Amazónica (TCA), criado em 1978 e formado por Bolívia, Brasil, Colômbia, Equador, Guiana, Perú, Suriname e Venezuela. O fundamento para a formação do grupo era realizar esforços e ações conjuntas para promover o desenvolvimento harmônico de seus respectivos territórios amazônicos. Com sede em Brasília, quase nada se sabe dos resultados práticos de suas políticas.
Apesar de ressaltar a sobreposição entre muitas organizações, Eugênio Pereira observa que é importante entender as diferenças existentes entre elas. “A Unasul e a Aladi (Associação Latino-Americana de Integração), por exemplo, pretendiam consolidar uma área de livre comércio na América do Sul e na América Latina, respectivamente. O Mercosul é, hoje, mais do que uma área de livre comércio. Para alguns analistas, ele seria caracterizado como uma unidade aduaneira imperfeita. Sendo assim, o Mercosul é um passo adiante em relação à área de livre comércio, mesmo que os países não consigam estabelecer uma tarifa externa comum (TEC) sem exceções para outros mercados localizados fora do bloco”, explica.
O cientista político frisa ainda que o desenvolvimento de processos de integração como o Mercosul, a Unasul, a Comunidade Andina e outros depende da vontade dos governos nacionais e das orientações políticas e ideológicas desses governos em determinadas conjunturas. “Mudanças nos governos afetam, muitas vezes, esses processos, comprometendo sua continuidade. De todos esses processos, o Mercosul teve resultados econômicos relevantes, em particular para a Argentina e para o Brasil. O comércio intrabloco foi muito expressivo nos anos 1990 no Mercosul. E continua sendo importante nas décadas de 2000 e 2010, apesar das disputas comerciais e dos percalços das negociações entre seus dois principais protagonistas, Brasil e Argentina. O governo brasileiro deveria observar, com atenção, os dados econômicos para ponderar sobre os resultados do Mercosul”, poderá.
Siglas & siglas
A maioria das organizações de países do continente americano foi criada nos últimos 40 anos
Aladi
A Associação Latino-Americana de Integração é um organismo criado em 1980 para promover expansão da integração regional na América Latina. Seus 13 países membros são Argentina, Bolívia, Brasil, Chile, Colômbia, Equador, Panamá, México, Paraguai, Peru, Uruguai, Venezuela e Cuba (que foi aceita em 1998) e sua sede fica em Montevidéu (Uruguai). Tem como princípios o pluralismo em matéria política e econômica, convergência progressiva de ações parciais para a criação de um mercado comum latino-americano, flexibilidade, tratamentos diferenciais com base no nível de desenvolvimento dos países-membros e multiplicidade nas formas de concertação de instrumentos comerciais.
Unasul
Criada em 2008, em Brasília, no momento em que a maioria dos governos de países da América do Sul eram de esquerda e centro-esquerda. A organização é composta por Argentina, Bolívia, Brasil, Colômbia, Chile, Equador, Guiana, Paraguai, Perú, Suriname, Uruguai e Venezuela. A Unasul surgiu com o propósito de “eliminar a desigualdade sócio-econômica, alcançar a inclusão social, aumentar a participação cidadã, reduzir as assimetrias e fortalecer a democracia” na região.
Alba
A Aliança Bolivariana para os Povos da Nossa América foi liderada pelos ex-presidentes da Venezuela, Hugo Chávez, e de Cuba, Fidel Castro. Sua criação, em 2004, em Havana (Cuba), foi marcada pela expansão do chamado Socialismo do Século 21, quando a Venezuela crescia em ritmo chinês (o PIB venezuelano cresceu 17,3% em 2004). É organização que prega a cooperação internacional baseada na ideia da integração social, política e econômica entre os países da América Latina e do Caribe. Além de Venezuela e Cuba, o bloco é integrado por Bolívia, Nicarágua, Dominica, Antígua e Barbuda e São Vicente e Granadinas. O Equador fazia parte da organização, mas se retirou após a saída de Rafael Correa do governo.
OEA
A Organização dos Estados Americanos é uma instituição que remonta em seus princípios ao século 19. Tem origem na União Internacional das Repúblicas Americanas (de 1890), que se transformou em União Panamericana para, depois, em 1948, ganhar o nome de OEA. É composta hoje por 35 países membros. Abrange as Américas do Sul, Norte e Central e sua sede é em Washington (EUA).
Caricom
A Comunidade do Caribe é uma organização estabelecida em 1973 (tinha inicialmente 12 nações, hoje são 15 países associados, mais 9 países como observadores e 3 como membros associados). A Caricom tem como objetivo principal a integração econômica entre os países membros. A sede deste bloco econômico fica na cidade de Georgetown (capital da Guiana). Os países fundadores são Jamaica, Trinidad e Tobago, Guiana e Barbados. Depois entraram Antígua e Barbuda, Bahamas, Belize, Dominica, Granada, Haiti, Montserrat, Santa Lúcia, São Cristóvão, São Vicente e Granadinas e Suriname.
Aliança do Pacífico
Bloco comercial latino-americano criado em 6 de junho de 2012 no Chile, mais especificamente no Observatório Paranal em Antofagasta, durante a 4ª Cúpula da organização. Os membros-fundadores foram Chile, Colômbia, México e Peru. A Costa Rica incorporou-se ao grupo em 2013.
Oeco
A Organização dos Estados do Caribe Oriental se declara ser uma organização regional dedicada à cooperação técnica e desenvolvimento sustentável, harmonização e integração econômica, à proteção dos direitos humanos e jurídico, bem como o momento da boa vizinhança entre os países e dependências no Caribe Oriental. Foi criada em 18 de junho de 1981 através da assinatura do Tratado de Basseterre na capital de São Cristóvão e Neves. É integrada por Antígua e Barbuda, Dominica, Granada, Montserrat, São Cristóvão e Neves, Santa Lúcia e São Vicente e Granadinas. Tem como membros associados Anguilla, Ilhas Virgens Britânicas e Martinica.
CAN
A Comunidade Andina é um bloco econômico que foi criado com o nome de Pacto Andino. Tem origem no Grupo Andino, criado em 1969, para promover o desenvolvimento equilibrado e armônico de seus países membros. Somente em 1996 passou a atuar com o nome de Comunidade Andina, substituindo a nomenclatura anterior. Os países membros são Bolívia, Colômbia, Equador e Peru, a sede do bloco está estabelecida na cidade de Lima, no Peru. Argentina, Brasil, Chile, Paraguai e Uruguai são países associados; e os países observadores são México e Panamá.
Mercosul
Bloco comercial que reúne atualmente Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai (Chile e Bolívia são Membros Associados). Iniciado em 1991, está em vigor desde 1995 como uma zona de livre-comércio. A Venezuela fazia parte do bloco, mas após a vitória de Mauricio Macri, na Argentina, e o impeachment de Dilma Rousseff, no Brasil, o país de Nicolás Maduro foi suspenso. A Bolívia aguarda a ratificação parlamentar de seu protocolo de adesão como membro pleno, documento que necessita ainda para sua vigência das aprovações legislativas na Bolívia, no Brasil e no Paraguai, os demais parlamentos já o aprovaram.
Nafta
É um acordo de livre comércio entre os Estados Unidos, Canadá e o México e está em vigor desde 1994. Seguiu uma das tendências do processo de globalização, ou seja, a organização dos países em acordos regionais. Assim como ocorre nos demais blocos econômicos, o Nafta objetiva promover a integração comercial entre os seus países-membros, o que se faz por intermédio, sobretudo, da redução das tarifas alfandegárias.
Cafta
Tratado de Livre Comércio entre Centro América e os Estados Unido. Reúne Costa Rica, El Salvador, Guatemala, Honduras, Nicaragua e os Estados Unidos. Foi estabelecido em janeiro de 2003.
MCCA
O Mercado Comum Centro-Americano é bem mais antigo que o Mercosul. Criado em 1960, é formado até hoje pelos países fundadores Costa Rica, Guatemala, Honduras, Nicarágua e El Salvador. O MCCA tem sua sede em San Salvador, capital de El Salvador.
Sela
O Sistema Econômico Latino-Americano foi criado em 1975, com sede em Caracas (Venezuela) e é integrado por 28 países da America Latina e do Caribe. Com a crise na Venezuela, sua atuação é restrita. Composto por Argentina, Bahamas, Barbados, Belize, Bolívia, Brasil, Colômbia, Cuba, Chile, Equador, El Salvador, Guatemala, Guiana, Haití, Honduras, Jamaica, México, Nicarágua, Panamá, Paraguai, Perú, República Dominicana, Suriname, Trinidad e Tobago, Uruguai y Venezuela.
TCA
O Tratado de Cooperação Amazónica surgiu em 1978, formado por Bolívia, Brasil, Colômbia, Equador, Guiana, Perú, Suriname e Venezuela. Tem como objetivo realizar esforços e ações conjuntas para promover o desenvolvimento harmônico de seus respectivos territórios amazônicos. Tem sede em Brasília.
Sica
O Sistema de Integração Centro-Americana foi criado pelos por Costa Rica, El Salvador, Guatemala, Honduras, Nicarágua e Panamá. Posteriormente, Belize tornou-se membro efetivo em 2000 e, a partir de 2013, na República Dominicana. Os observadores Regionais são: México, Chile, Brasil, Argentina, Peru, Estados Unidos da América, Equador, Uruguai e Colômbia. Há também os observadores regionais extra: China (Taiwan), Espanha, Alemanha, Itália, Japão, Austrália, Coreia do Sul, França, Santa Sé, Reino Unido, União Europeia, Nova Zelândia, Marrocos, Catar, Turquia, Ordem de Malta e Sérvia. Atualmente, o Haiti está em processo de aderir à categoria de observador regional.
AEC
A Associação dos Estados do Caribe foi formada em 1994 com o intuito de promover a cooperação entre todos os países banhados pelo Mar do Caribe (Caraíbas). Tem 25 Estados-membros e 3 membros associados. A sede da organização encontra-se em Port of Spain, Trinidad e Tobago.