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Protesto pela reabertura da economia, em Ohio (EUA)
Protesto contra medidas de isolamento, em Ohio, EUA.| Foto: Wikipedia

Com a queda do número de contágios por coronavírus e a redução diária de mortes na Europa e na Ásia, vários países começam a promover a reabertura da economia e a adotar medidas de flexibilização do isolamento social. China, Nova Zelândia, Austrália e Coreia do Sul conseguiram controlar a epidemia e estão entre os primeiros que permitiram a volta dos negócios e a normalização da vida social, ainda que com restrições rigorosas. Ultimamente, Alemanha, Áustria, Portugal e Itália, entre outros países europeus, também deram início a planos de flexibilização da quarentena.

A onda de relaxamento das medidas de prevenção à pandemia ultrapassa o grupo de países que estão em fase de contenção do vírus. Países que ainda não conseguiram demonstrar segurança de que a curva de contaminação do vírus está sendo achatada nem que o número de mortes está em queda também estão adotando medidas liberalizantes. Um exemplo é o Brasil, em que várias cidades retomaram grande parte das atividades econômicas e o governo federal insiste que é preciso relaxar as medidas de isolamento social. Outro exemplo são os Estados Unidos, que registram os maiores números de doentes pela covid-19 e também bate o triste recorde do número de mortes no mundo.

Com as previsões de que medicamentos e vacinas para vencer o vírus não virão tão rápido e da evidente deterioração global da economia, com milhões de desempregados, queda de renda generalizada, risco de falência de empresas, pressão aos cofres públicos e redução drástica da arrecadação de impostos, o mundo mergulha em incerteza. Há o acirramento de uma disputa política em que cada lado tem fortes argumentos: salvar vidas para salvar a economia versus salvar a economia para preservar vidas.

Fique em casa, salve vidas, diz campanha do governo do Reino Unido.
Fique em casa, salve vidas, diz campanha do governo do Reino Unido.| Divulgação/Governo do Reino Unido

Os presidentes Donald Trump (EUA) e Jair Bolsonaro (Brasil) mobilizam milhões de seguidores em suas investidas para a reabertura da economia e a volta à normalidade. Manifestações pelo fim das medidas de isolamento social e retomada dos negócios vêm ocorrendo em diversas cidades norte-americanas e brasileiras. Há pressão sobre os poderes Legislativo e Judiciário em favor da flexibilização ao mesmo tempo em que também se pede a manutenção das restrições.

Os defensores da reabertura – incluindo Bolsonaro e Trump – afirmam que o impacto maléfico da paralisação da economia será bem maior que o da pandemia. Entra ainda nesse front a defesa da liberdade individual, com acusações de que as medidas de isolamento ferem a livre escolha pessoal. Políticos governistas e setores do empresariado brasileiro argumentam que se nada for feito para a economia voltar rapidamente à normalidade o número de mortes por violência e pobreza vai ser maior do que por covid-19. Uma frase que marca esse pensamento é “o remédio não pode ser pior que a doença”.

O outro lado reúne governos e líderes políticos defensores de medidas duras de fechamento – como o presidente da Argentina, Alberto Fernández, e o primeiro-ministro do Reino Unido, Boris Johnson –, além de organismos multilaterais, como a Organização Mundial de Saúde (OMS). Para esses, a economia não vai voltar à normalidade enquanto a pandemia não for controlada. E mais: defendem que a retomada da economia será mais rápida quanto mais urgente for o achatamento da curva de contágio e o fim das mortes por covid-19.

Comércio fechado no Rio de Janeiro.
Comércio fechado no Rio de Janeiro.| Tânia Rêgo/Agência Brasil

Está desse lado também grande parte da comunidade científica mundial, que aponta o risco de uma catástrofe ainda maior caso os sistemas de saúde entrem em colapso. Para que isso não ocorra, principalmente nos países em desenvolvimento – que têm estruturas precárias e não dispõem de grandes recursos financeiros –, argumentam que a única medida segura é manter a quarentena. Frases que podem resumir parte substancial desse pensamento são “a vida vale mais que a economia” ou “sem vida não há economia”.

Em que pese as divergências e os lamentáveis arroubos e ações irresponsáveis de alguns líderes e autoridades, há integrantes dos dois lados que apresentam preocupações comuns. Há defensores da abertura que temem possíveis erros, o que poderia levar à uma catástrofe, assim como há entre os que recomendam a manutenção das medidas restritivas aqueles que veem a necessidade de encontrar soluções para que a economia não entre em colapso total, o que seria da mesma forma catastrófico.

Manifestação em defesa do isolamento social em Sobral, Ceará.
Manifestação em defesa do isolamento social em Sobral, Ceará.| Divulgação/Santa Casa de Sobral (CE)

Economistas e o mercado financeiro alertam para o risco de recaída na pandemia. A Coreia do Sul tem servido como advertência. Após reabrir parcialmente a economia, o país registrou o maior aumento diário de novas infecções em um mês, o que levou o governo a anunciar que a Coreia deve se preparar para uma segunda onda de novos casos.

A mesma preocupação tomou conta da China neste começo de semana. A cidade chinesa de Wuhan, que se tornou o epicentro da pandemia, voltou a registrar cinco novos casos somente na segunda-feira (11). Os registros foram suficientes para o governo admitir a adoção de novas medidas restritivas caso se repitam novos casos nos próximos dias.

No caso brasileiro, existe a preocupação de que o país não está pronto para flexibilizar ainda mais as medidas de isolamento social. Em relatório nesta semana, analistas do Bradesco, por exemplo, ressaltam que o relaxamento das medidas de isolamento na China e Europa foi condicionado à redução do número de novos casos e de mortes.

“No Brasil, pode-se afirmar que os números não mostram um claro e inequívoco alívio na curva, embora tenha sido tentador nos últimos dias. O sistema de saúde está quase cheio, o que cria um impedimento natural (para a retomada da economia e a flexibilização do distanciamento social)”, afirmam os analistas.

Muitos economistas afirmam que há um falso dilema quando se fala em salvar vidas ou a economia. Outros veem no controle da pandemia a única saída para salvar a economia, considerando que a maioria das pessoas não se sentiriam seguras para voltar à normalidade diante da ameaça de ficarem doentes. A questão fica mais complexa quando se acrescenta a possibilidade de novas ondas pandêmicas, o que jogaria para um horizonte distante o fim da crise.

Um estudo do Centro de Macroeconomia Aplicada da Escola de Economia de São Paulo (FGV-EESP) projetou o impacto da pandemia do coronavírus na atividade econômica brasileira a partir de vários cenários. O coordenador do centro, professor Emerson Marçal, diz que vai depender de dois fatores. “Se nós perdermos o controle da pandemia domesticamente, a economia brasileira muito provavelmente se desorganizará e além das perdas de vidas, nós teríamos uma recessão muito provavelmente maior do que está sendo projetado em nosso cenário. Se a pandemia for controlada e nós conseguirmos dentro de alguns meses retomar uma certa normalidade, o ano de 2020 será difícil, será desafiador, mas em 2021, 2022, 2023 haverá uma trajetória de retomada”, conclui.

Slogan em protestos pela reabertura do comércio.
Slogan em protestos pela reabertura do comércio.| Reprodução/Facebook

A realidade é que em todo o mundo países estão testando o que pode funcionar sem grandes riscos e o que requer paralisação para impedir a disseminação do vírus. Em busca de medidas seguras para retomar atividades econômicas e sociais há experimentação, mesmo diante do alto risco que isso implica. E nesses experimentos todos somos cobaia. A difícil equação é como manter baixa a taxa de infecções – o que evita sobrecarga aos serviços de saúde e, consequentemente, salva vidas; como impedir infecções de maior risco – o que depende de avanço em medicamentos, vacinas e estrutura hospitalar; e como controlar os encargos econômicos e sociais, garantindo bem-estar à população.

"Estamos no meio de um período global de tentativa e erro para tentar encontrar a melhor solução em uma situação muito difícil", avaliou Tom Inglesby, diretor do Centro de Segurança em Saúde da Universidade Johns Hopkins, ao jornal The New York Times.

Entre erros, acertos e incertezas, uma questão deve se impor neste momento tão desafiador para a humanidade: não há espaço para irresponsabilidades.

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