Com a queda do número de contágios por coronavírus e a redução diária de mortes na Europa e na Ásia, vários países começam a promover a reabertura da economia e a adotar medidas de flexibilização do isolamento social. China, Nova Zelândia, Austrália e Coreia do Sul conseguiram controlar a epidemia e estão entre os primeiros que permitiram a volta dos negócios e a normalização da vida social, ainda que com restrições rigorosas. Ultimamente, Alemanha, Áustria, Portugal e Itália, entre outros países europeus, também deram início a planos de flexibilização da quarentena.
A onda de relaxamento das medidas de prevenção à pandemia ultrapassa o grupo de países que estão em fase de contenção do vírus. Países que ainda não conseguiram demonstrar segurança de que a curva de contaminação do vírus está sendo achatada nem que o número de mortes está em queda também estão adotando medidas liberalizantes. Um exemplo é o Brasil, em que várias cidades retomaram grande parte das atividades econômicas e o governo federal insiste que é preciso relaxar as medidas de isolamento social. Outro exemplo são os Estados Unidos, que registram os maiores números de doentes pela covid-19 e também bate o triste recorde do número de mortes no mundo.
Com as previsões de que medicamentos e vacinas para vencer o vírus não virão tão rápido e da evidente deterioração global da economia, com milhões de desempregados, queda de renda generalizada, risco de falência de empresas, pressão aos cofres públicos e redução drástica da arrecadação de impostos, o mundo mergulha em incerteza. Há o acirramento de uma disputa política em que cada lado tem fortes argumentos: salvar vidas para salvar a economia versus salvar a economia para preservar vidas.
Os presidentes Donald Trump (EUA) e Jair Bolsonaro (Brasil) mobilizam milhões de seguidores em suas investidas para a reabertura da economia e a volta à normalidade. Manifestações pelo fim das medidas de isolamento social e retomada dos negócios vêm ocorrendo em diversas cidades norte-americanas e brasileiras. Há pressão sobre os poderes Legislativo e Judiciário em favor da flexibilização ao mesmo tempo em que também se pede a manutenção das restrições.
Os defensores da reabertura – incluindo Bolsonaro e Trump – afirmam que o impacto maléfico da paralisação da economia será bem maior que o da pandemia. Entra ainda nesse front a defesa da liberdade individual, com acusações de que as medidas de isolamento ferem a livre escolha pessoal. Políticos governistas e setores do empresariado brasileiro argumentam que se nada for feito para a economia voltar rapidamente à normalidade o número de mortes por violência e pobreza vai ser maior do que por covid-19. Uma frase que marca esse pensamento é “o remédio não pode ser pior que a doença”.
O outro lado reúne governos e líderes políticos defensores de medidas duras de fechamento – como o presidente da Argentina, Alberto Fernández, e o primeiro-ministro do Reino Unido, Boris Johnson –, além de organismos multilaterais, como a Organização Mundial de Saúde (OMS). Para esses, a economia não vai voltar à normalidade enquanto a pandemia não for controlada. E mais: defendem que a retomada da economia será mais rápida quanto mais urgente for o achatamento da curva de contágio e o fim das mortes por covid-19.
Está desse lado também grande parte da comunidade científica mundial, que aponta o risco de uma catástrofe ainda maior caso os sistemas de saúde entrem em colapso. Para que isso não ocorra, principalmente nos países em desenvolvimento – que têm estruturas precárias e não dispõem de grandes recursos financeiros –, argumentam que a única medida segura é manter a quarentena. Frases que podem resumir parte substancial desse pensamento são “a vida vale mais que a economia” ou “sem vida não há economia”.
Em que pese as divergências e os lamentáveis arroubos e ações irresponsáveis de alguns líderes e autoridades, há integrantes dos dois lados que apresentam preocupações comuns. Há defensores da abertura que temem possíveis erros, o que poderia levar à uma catástrofe, assim como há entre os que recomendam a manutenção das medidas restritivas aqueles que veem a necessidade de encontrar soluções para que a economia não entre em colapso total, o que seria da mesma forma catastrófico.
Economistas e o mercado financeiro alertam para o risco de recaída na pandemia. A Coreia do Sul tem servido como advertência. Após reabrir parcialmente a economia, o país registrou o maior aumento diário de novas infecções em um mês, o que levou o governo a anunciar que a Coreia deve se preparar para uma segunda onda de novos casos.
A mesma preocupação tomou conta da China neste começo de semana. A cidade chinesa de Wuhan, que se tornou o epicentro da pandemia, voltou a registrar cinco novos casos somente na segunda-feira (11). Os registros foram suficientes para o governo admitir a adoção de novas medidas restritivas caso se repitam novos casos nos próximos dias.
No caso brasileiro, existe a preocupação de que o país não está pronto para flexibilizar ainda mais as medidas de isolamento social. Em relatório nesta semana, analistas do Bradesco, por exemplo, ressaltam que o relaxamento das medidas de isolamento na China e Europa foi condicionado à redução do número de novos casos e de mortes.
“No Brasil, pode-se afirmar que os números não mostram um claro e inequívoco alívio na curva, embora tenha sido tentador nos últimos dias. O sistema de saúde está quase cheio, o que cria um impedimento natural (para a retomada da economia e a flexibilização do distanciamento social)”, afirmam os analistas.
Muitos economistas afirmam que há um falso dilema quando se fala em salvar vidas ou a economia. Outros veem no controle da pandemia a única saída para salvar a economia, considerando que a maioria das pessoas não se sentiriam seguras para voltar à normalidade diante da ameaça de ficarem doentes. A questão fica mais complexa quando se acrescenta a possibilidade de novas ondas pandêmicas, o que jogaria para um horizonte distante o fim da crise.
Um estudo do Centro de Macroeconomia Aplicada da Escola de Economia de São Paulo (FGV-EESP) projetou o impacto da pandemia do coronavírus na atividade econômica brasileira a partir de vários cenários. O coordenador do centro, professor Emerson Marçal, diz que vai depender de dois fatores. “Se nós perdermos o controle da pandemia domesticamente, a economia brasileira muito provavelmente se desorganizará e além das perdas de vidas, nós teríamos uma recessão muito provavelmente maior do que está sendo projetado em nosso cenário. Se a pandemia for controlada e nós conseguirmos dentro de alguns meses retomar uma certa normalidade, o ano de 2020 será difícil, será desafiador, mas em 2021, 2022, 2023 haverá uma trajetória de retomada”, conclui.
A realidade é que em todo o mundo países estão testando o que pode funcionar sem grandes riscos e o que requer paralisação para impedir a disseminação do vírus. Em busca de medidas seguras para retomar atividades econômicas e sociais há experimentação, mesmo diante do alto risco que isso implica. E nesses experimentos todos somos cobaia. A difícil equação é como manter baixa a taxa de infecções – o que evita sobrecarga aos serviços de saúde e, consequentemente, salva vidas; como impedir infecções de maior risco – o que depende de avanço em medicamentos, vacinas e estrutura hospitalar; e como controlar os encargos econômicos e sociais, garantindo bem-estar à população.
"Estamos no meio de um período global de tentativa e erro para tentar encontrar a melhor solução em uma situação muito difícil", avaliou Tom Inglesby, diretor do Centro de Segurança em Saúde da Universidade Johns Hopkins, ao jornal The New York Times.
Entre erros, acertos e incertezas, uma questão deve se impor neste momento tão desafiador para a humanidade: não há espaço para irresponsabilidades.
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