
O imbróglio que se transformou a vacina Sputnik V no Brasil é um retrato do contrassenso das autoridades brasileiras no combate à Covid-19. Pela lógica, a proibição de importação do imunizante russo pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) significa que o país – por enquanto – reprova o produto. Mas a decisão do órgão regulador brasileiro não impede o país de produzir e vender para outros países a ‘vacina proibida’.
Esse fato ficou claro nesta quinta-feira (20), quando o laboratório brasileiro União Química anunciou a liberação de um lote de 100 mil doses da Sputnik V fabricadas no Brasil para distribuição a outros países da América Latina. É o primeiro imunizante contra Covid-19 produzido em um laboratório privado no país.
A mensagem que foi passada com o anúncio de exportação da Sputnik V feita no país é: no Brasil, país afundado na tragédia da Covid-19, uma vacina proibida pelas autoridades sanitárias pode ser produzida e exportada, mas não pode ser usada para imunizar sua própria população.
Seguindo a premissa do bom senso, a conclusão seria outra: uma vacina que não presta para os brasileiros, que foi vetada pela Anvisa, não pode ser boa para as populações de outros países. Logo, o Brasil não deveria produzir e exportar tal imunizante.
A realidade é que a confusão envolvendo a Sputnik V no Brasil não está devidamente esclarecida. Em abril, a Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio), do Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações, autorizou a produção comercial da vacina sob o nome Gam-COVID-Vac em território brasileiro. Em seguida, a Anvisa vetou os pedidos para uso do imunizante no país e, em 26 de abril, não recomendou a importação excepcional e temporária da Sputnik V até a entrega de novas informações. A agência disse que as informações fornecidas foram insuficientes e levantou questões de segurança sobre a vacina.
Atualmente, a Sputnik V já obteve aprovação de 66 países. Somados, esses países têm uma população de cerca de 3,2 bilhões de pessoas. A vacina russa é uma das que tiveram até agora maior número de aprovações de reguladores estatais.
Artigo publicado pela revista científica The Lancet mostra que a Sputnik V tem eficácia de 91,6%. Esse percentual é questionado pelo Fundo Russo de Investimentos (RDIF, na sigla em inglês), que bancou os custos da criação da vacina, e pelo Centro Gamaleya, responsável pelo desenvolvimento, os quais afirmam que a eficácia é maior, de 97,6%, baseando-se na análise dos dados de 3,8 milhões de russos vacinados.
Um acordo entre o Gamaleya, o Fundo Russo de Investimento e a brasileira União Química prevê a produção da Sputnik V em território nacional para o próprio Gamaleya fornecer e distribuir essas doses para países na América Latina.
A União Química diz ter capacidade para produzir 8 milhões de doses por mês da vacina, chegando a 100 milhões de doses por ano. A empresa não divulgou para quais países serão enviados os primeiros lotes, mas México, Argentina, Bolívia, Paraguai e vários outros latino-americanos já aprovaram o uso do imunizante.
Acordo do Ministério da Saúde prevê, caso seja aprovado o uso emergencial da Sputnik V pela Anvisa, a entrega de 20 milhões de doses para o Programa Nacional de Imunizações. A esse número somam-se mais 66 milhões de doses que o Consórcio Nordeste, formado por governadores de nove estados e prefeitos de dezenas de municípios, pretendem importar.
Com o calendário de vacinação atrasado e a ameaça de uma terceira onda de Covid-19, o Brasil precisa resolver a questão da Sputnik V. As informações que faltam ser apresentadas à Anvisa devem ser buscadas. O país precisa agir de forma pró-ativa para ampliar a oferta de imunizantes. Isso pode ser feito sem abrir mão da segurança e dos requisitos da ciência.
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