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Nos últimos meses, uma jovem de 29 anos tem chamado a atenção em todo o mundo por rejeitar uma herança avaliada em 4 bilhões de euros (cerca R$ 21 bilhões). O motivo da recusa? Marlene Engelhorn, descendente dos fundadores do império químico alemão Basf, diz que não fez nada para receber a fortuna, que é pura sorte na loteria de nascimento e que, essa realidade, é uma injustiça diante de tantas pessoas passando necessidades no mundo.
O caso de Marlene Engelhorn retrata um movimento ainda incipiente, mas que tem ganhado cada vez mais adeptos desde o final do século passado nos países desenvolvidos: os milionários e bilionários que não se sentem bem por terem tanto dinheiro e que defendem medidas para desconcentrar a riqueza no mundo, seja por meio de doações de suas fortunas ou por elevação de impostos.
Em maio deste ano, uma carta assinada por 150 super-ricos foi entregue a participantes do Fórum Econômico Mundial, em Davos, na Suíça, pedindo medidas aos líderes mundiais para uma distribuição mais justa da riqueza. Os milionários se juntaram ao protesto dos manifestantes do lado de fora do encontro cobrando ações para enfrentar o crescente abismo entre ricos e pobres.
Um exemplo desse movimento, que, na realidade, pouco tem avançado institucionalmente, é o grupo de ricos dos EUA chamado Milionários Patriotas, em ação desde 2010. Nomes conhecidos como Bill Gates, George Soros e Ray Dalio se manifestam abertamente em defesa de mais tributos para os mais ricos. Nas últimas eleições norte-americanas, 18 bilionários do país assinaram uma carta aberta aos pré-candidatos a presidente exigindo uma taxa sobre fortunas, ainda que “moderada”.
Em julho passado, uma das pessoas mais ricas do mundo, o fundador da Microsoft, Bill Gates, com uma fortuna avaliada em US$ 113 bilhões, anunciou que planeja doar quase todo o seu dinheiro para a fundação filantrópica que leva seu nome e de sua mulher.
Pelas redes sociais, Gates publicou que transferiu em julho US$ 20 bilhões de sua riqueza para a instituição. "Tenho a obrigação de devolver meus recursos à sociedade de maneira que tenham o maior impacto para reduzir o sofrimento e melhorar vidas", escreveu. A Fundação Bill & Melinda Gates atua no combate a doenças e pobreza em várias partes do mundo, além de ter iniciativas por melhorias na educação, promoção da igualdade e contra a crise climática.
Outra figura emblemática desse universo de super-ricos que se incomodam com muito dinheiro acumulado, e que procuram uma forma de destinar parte da fortuna para transformações sociais, é Abigail Disney, documentarista e uma das herdeiras do império Disney. "Eu tinha muita vergonha do nome Disney. Ficava aterrorizada que alguém descobrisse que eu era parente (de Walt Disney). Muitas vezes, não usava meu sobrenome e, às vezes, dava um sobrenome alternativo", contou recentemente.
A herdeira da Disney já doou mais de US$ 70 milhões do seu patrimônio e no ano passado criticou as profundas diferenças salariais dentro das empresas do grupo. Ela também defende mais impostos para as pessoas com grandes riquezas.
Um grupo que tem ganhado força, especialmente na Alemanha, é denominado “Taxmenow”, do qual a alemã herdeira da Basf Marlene Engelhorn faz parte. Em sua apresentação, o grupo de super-ricos afirma que “a concentração de poder sob a forma de capital e influência de poucos põe em risco a democracia e contrasta com a crescente insegurança material de muitos”.
Para reverter esse quadro, o Taxmenow propõe medidas como implantação ou elevação de imposto sobre a riqueza para ativos de milhões e bilhões, regulamentos especiais para impostos sobre grandes heranças e doações, imposto progressivo em vez de uma taxa fixa sobre ganhos de capital e regras mais rígidas contra a elisão e evasão fiscais.
Também tem ganhado destaque o movimento Millionaires for Humanity, do qual Abigail Disney é integrante é uma das ativistas. O grupo é formado por super-ricos que dizem reconhecer a necessidade de ir além da filantropia: “a caridade por si só não é suficiente, por mais generosa e inteligente que seja”.
Em seu site, o movimento Millionaires for Humanity defende um imposto de 1% sobre a riqueza dos multimilionários para combater a pobreza e as mudanças climáticas e alcançar os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da ONU. De acordo com o grupo, os recursos arrecadados poderiam ajudar a resolver uma lacuna de financiamento para esse fim.
Uma declaração de Abigail Disney, em entrevista à BBC, talvez possa traduzir um pouco o sentimento de muitos desses super-ricos empenhados em se desfazer de uma parte de suas riquezas: "Eu sempre me imagino como o Mickey Mouse em Fantasia, quando ele rouba a vassoura da feiticeira, e ela fica fora de controle. É exatamente isso. Você pode usar (o dinheiro) muito mal se for arrogante, impulsivo ou não pensar com clareza; se não for realmente maduro, atencioso e empático em relação ao efeito que tem nas pessoas ao seu redor, você pode fazer coisas horríveis com ele (o dinheiro). Ou pode ser uma bela ferramenta".