Margaret Keenan, 91 anos, recebe vacina contra covid-19, em Coventry, Inglaterra.| Foto: Jacob King/AFP
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Enquanto o Brasil se perde em conflitos políticos sobre um plano de vacinação e a aprovação de vacina contra-19, alguns países se preparam para colher os resultados de altos investimentos que fizeram em pesquisas para desenvolver imunizantes. Os governos que apostaram na ciência e investiram em suas empresas privadas e instituições públicas – como os EUA, China, Rússia e Reino Unido – vislumbram agora a possibilidade de controlar a epidemia de coronavírus mais rapidamente, salvar vidas e, com isso, sair na frente na recuperação econômica. Esses países têm ainda possibilidade de retorno dos investimentos que fizeram por meio da comercialização de vacinas em todo o mundo.

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Com interesses em jogo que vão além da saúde das pessoas, o presidente norte-americano, Donald Trump, anunciou nesta terça-feira (8) a assinatura de um decreto "para garantir que os cidadãos americanos tenham prioridade para receber vacinas americanas". Trump cogitou utilizar a Lei de Proteção à Produção caso os EUA "tenham problemas" para distribuir as vacinas aos americanos.

Atualmente, 237 vacinas estão em desenvolvimento no mundo, segundo levantamento do Milken Institute – organização que desenvolve pesquisas na área de saúde com sede em Santa Monica (Califórnia) e escritórios em Washington D.C., Nova York, Londres, Abu Dhabi e Cingapura. Os imunizantes em estudo são classificados em nove diferentes categorias de produtos e plataformas. A maioria deles se encontra na fase pré-clínica.

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vacinação contra covid-19, em Moscou.| Foto: Divulgação/Governo da Rússia

De acordo com o levantamento do Milken Institute, apenas 38 candidatas a vacina estão em uma das fases de estudo clínico, sendo que a maioria se encontra nas fases 1 e 2 e ainda tem um longo caminho a percorrer. As mais adiantadas estão na fase 3 ou na chamada fase de revisão regulatória (RR), em que as agências reguladoras de seus países analisam os dados dos testes e as informações do pedido de licenciamento antes da aprovação. Atualmente, oito imunizantes contra covid-19 estão nas fases finais.

A campeã da corrida até agora é a vacina da empresa de biotecnologia norte-americanas Pfizer em parceria com a alemã Biontech. Apesar de ainda estar em análise em seus países de origem, o imunizante já foi aprovado pelas autoridades do Reino Unido, que deu início à vacinação nesta terça-feira (8).

A FDA, a agência reguladora dos EUA, equivalente à Anvisa brasileira, prevê decidir se autoriza a vacina da Pfizer dentro de dias, mas adiantou nesta terça (8) que o imunizante não apresenta riscos de segurança. “Os dados de segurança obtidos com o teste clínico da vacina com 38 mil participantes sugerem um perfil de segurança favorável, sem identificação de problemas de segurança específicos que impeçam a autorização", escreveram os integrantes da FDA.

As autoridades russas decidiram, mesmo sem ter formalmente finalizado os testes da fase 3, começar a vacinação com o imunizante Sputinik V, desenvolvido pelo Instituto Gamaleya. Estão sendo vacinados em Moscou profissionais da saúde e pessoas que compõem o grupo de risco. O país também desenvolve mais duas vacinas contra covid-19.

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As outras vacinas adiantadas estão sendo desenvolvidas no Reino Unido, China, EUA, Israel e Índia, muitas delas com parcerias em outros países. A vacina da empresa norte-americana Moderna, que já teve a fase 3 concluída, deve ter um parecer da FDA em reunião marcada para o próximo dia 17.

No Brasil, a grande polêmica gira em torno da Coronavax, vacina desenvolvida em parceria entre a chinesa Sinovac e o Instituto Butantan. O imunizante se transformou em ponto de conflito político entre o governo federal e o governo de São Paulo. O governador João Dória anunciou o início da vacinação para 25 de janeiro, mas a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) reforçou, em nota, que só libera o uso do imunizante após a análise de diversos documentos, entre eles os dados da "fase 3" da pesquisa para desenvolvimento do produto.

O governo de São Paulo está em negociação com pelo menos 11 estados brasileiros para a venda da vacina Coranavac. Acre, Bahia, Ceará, Maranhão, Mato Grosso do Sul, Rio de Janeiro, Rio Grande do Norte, Rio Grande do Sul, Pará, Paraíba e Pernambuco já anunciaram que tratam do assunto com o governo paulista para obter o imunizante. Além desses estados, ao menos quatro capitais – Porto Alegre, Curitiba, Salvador e Rio de Janeiro – e mais 850 cidades também já entraram em contato com o Butantan para a compra da vacina.

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Há também expectativa em torno da vacina de Oxford. Segundo a presidente da Fiocruz, Nísia Trindade Lima, aguarda-se, em breve, a publicação científica dos resultados dos estudos clínicos. Com as devidas autorizações, e a partir da chegada do ingrediente farmacêutico ativo (IFA) fornecido pela empresa AstraZeneca, a Fiocruz prevê entregar 30 milhões de doses em fevereiro de 2021 e mais 70 milhões de doses até o final do primeiro semestre do próximo ano.

Nísia Trindade Lima disse que já foram destinados pelo governo federal à instituição R$ 3,6 bilhões, dinheiro suficiente para assegurar as primeiras 100 milhões de doses, mas falta dinheiro para mais 110 milhões de doses que seriam produzidas ao longo do segundo semestre de 2021.

Os especialistas observam que, mesmo com a possibilidade de aprovação em tempo recorde das vacinas em estágio mais avançado nos diversos países, a capacidade de produção de todos os laboratórios envolvidos atende a uma pequena parcela da população mundial nos próximos seis meses.

Estudos indicam que países que conseguirem mais rapidamente vacinar um grande número de pessoas, com segurança e eficácia, serão os primeiros a recuperar a economia, o que abrirá vantagens econômicas no mundo globalizado. O FMI mostra que a Coreia do Sul se saiu melhor que o Japão economicamente por ter controlado o vírus com maior eficácia. Outro caso citado pelo fundo é da China, que será um dos poucos países a apresentar crescimento em 2020 devido ao fato de ter praticamente acabado com a pandemia.

China, que controlou a epidemia, é o único país entre as grandes economias em desenvolvimento que terá crescimento em 2020, segundo o FMI.| Foto: Reprodução/FMI
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Além das possibilidades maiores de vacinação em massa, os países que apostaram em vacinas devem ter alto retorno financeiro com a comercialização dos imunizantes para todo o mundo. As empresas e laboratórios dos Estados Unidos, da China, do Reino Unido e da Rússia firmaram contratos que somam bilhões de dólares com vários outros governos. Esses países terão a entrada de grandes quantidades de dinheiro aos cofres de suas empresas públicas e privadas, enquanto que os países dependentes terão de gastar recursos públicos para adquirir as vacinas estrangeiras.