Sem recursos financeiros para comprar as vacinas já aprovadas por outros países e isolada economicamente pelo bloqueio econômico dos EUA, as autoridades de saúde de Cuba foram colocadas diante de um grande desafio: impedir a disseminação do vírus pela ilha e, paralelamente, tentar criar sua própria vacina.
A ilha caribenha está atrasada em relação aos países que já começaram a imunização em massa. Cerca de 5,7% da população mundial já recebeu pelo menos uma dose, e Cuba só começará nesta segunda-feira (22) a imunizar o pessoal da linha de frente no combate à pandemia. Mas a vacina própria a cada dia fica mais próxima. Em vez de uma, o país desenvolve simultaneamente cinco candidatas a vacina contra Covid-19. Todas estão registradas na Organização Mundial de Saúde (OMS). Duas delas encontram-se na fase III de estudos clínicos, a última antes da aprovação para uso em massa.
As candidatas batizadas com os nomes Soberana 01, Soberana 02 e Soberana Plus são desenvolvidas pelo Instituto Finlay de Vacinas (IFV). As outras, denominadas Abdala (nome de um poema do herói cubano José Martí) e Mambisa (nome dado às mulheres cubanas durante a luta pela independência no século 19), são do Centro de Engenharia Genética e Biotecnologia (CIGB).
A mais adiantada das candidatas, a Soberana 02, iniciou em 4 de março a fase III de testes, com 44 mil voluntários maiores de 18 anos de idade. No sábado (19), o Centro Estatal para o Controle de Medicamentos e Dispositivos Médicos (Cecmed) aprovou a ampliação de testes para 150 mil pessoas. O estudo da fase que precede a vacinação em massa teve início após os resultados das fases I e II, quando os pesquisadores constataram a produção de anticorpos nos participantes dos ensaios clínicos sem que houvesse registro de efeitos colaterais graves.
Nas duas primeiras semanas de testes da fase III, mais de 17 mil voluntários receberam a primeira dose da Soberana 02. Nos próximos dias, o processo de aplicação da candidata a vacina será acelerado. A meta é concluir a aplicação da primeira dose no início de abril. Nesta fase os pesquisadores vão verificar a eficácia do imunizante.
Seu browser não suporta este formato de vídeo
A segunda candidata mais avançada, a Abdala, começou a fase III de testes na última sexta-feira (19), também após ter superado as fases I e II de estudos clínicos. A autorização para a fase III foi emitida pelo Cecmed. Participarão dos estudos 48 mil voluntários.
Uma grande novidade entre os cinco imunizantes em estudo é a Mambisa, que se encontra na fase II de estudos. Essa candidata tem aplicação nasal, ou seja, é a única candidata a vacina contra Covid-19 no mundo que não é injetável.
A quinta candidata, Soberana Plus, também traz novidade. O imunizante é destinado a pacientes convalescentes da Covid-19. Segundo os pesquisadores, nas fases I e II, a vacina tem demonstrado que reforça o sistema imunológico dos pacientes contra variantes do coronavírus, especialmente as mutações com origem na África do Sul, Brasil e Reino Unido.
Segundo o diretor do IFV, Vicente Vérez, a decisão de desenvolver a Soberana Plus decorreu da ameaça aos convalescentes de perda da imunidade diante das variantes do coronavírus, as quais reduzem o poder neutralizante dos anticorpos.
Controle da pandemia permitiu tempo para desenvolver vacinas
Cuba só conseguiu chegar a esse estágio no desenvolvimento de vacinas sem grandes atropelos porque a primeira parte do plano, considerada fundamental, vem dando certo: o controle da pandemia. Sem que a disseminação do coronavírus fosse impedida, todo o planejamento cubano poderia ter caído por terra.
Ao contrário de muitos países que tiveram e continuam tendo um altíssimo número de casos da doença e de mortes, o país registrou, até o último sábado (20), apenas 65.962 casos e 392 mortes, o que dá um índice de 3,4 mortes para cada 100 mil habitantes, nível próximo da Coreia do Sul (na Itália é de 170 mortos para cada 100 mil e no Brasil, 133), segundo dados da Universidade Johns Hopkins.
Mas a partir de janeiro as autoridades cubanas se depararam com uma nova realidade, principalmente porque o país não se fechou para estrangeiros – uma das principais fontes de recursos da ilha é o turismo. Se até novembro do ano passado o número de infectados diários nunca chegou a 100, agora em março teve picos de mais de mil contaminados num só dia (9 de março), segundo a Johns Hopkins. Em boa parte dos dias de 2020, o país não registrou mortes por Covid-19, mas ultimamente há picos de 5 mortes por dia, o que é considerado alarmante pelas autoridades de saúde.
Diante do novo cenário, o governo anunciou novas medidas que entraram em vigor em 6 de fevereiro. Foi implementado o isolamento institucional para os viajantes internacionais, ou seja, as pessoas que chegam ao país são submetidas a um teste de PCR no aeroporto e depois transferidas para hotéis onde ficarão sob vigilância médica. Após o período de quarentena ficam livres para circular. A estadia é custeada pelos visitantes.
Uma das dificuldades que será enfrentada por Cuba – a exemplo do que vem ocorrendo em todo o mundo – é a produção de vacinas em alta escala e em tempo recorde. O país apresenta limitações por falta de investimentos na ampliação do parque industrial-biotecnológico, principalmente pelo bloqueio econômico dos EUA, o que impede acesso a recursos e novas tecnologias.
O grupo empresarial BioCubaFarma afirmou na semana passada que seis linhas de produção em várias empresas vão se concentrar na produção das vacinas contra Covid-19. Com várias fábricas, a ilha produz hoje 80% das vacinas do Programa Nacional de Imunização. Sua vacina contra hepatite B é vendida em 30 países do mundo.
A meta é iniciar a vacinação em massa contra Covid-19 até julho. Em agosto, segundo o grupo BioCubaFarma, todas as vacinas para imunizar a população estarão produzidas, mas para isso as candidatas a imunizantes terão que comprovar eficácia acima de 50%, mínimo exigido pela OMS, e serem aprovadas pelos órgãos reguladores de saúde do país.
Em fevereiro, o Instituto Finlay de Vacinas (IFV) anunciou que os turistas estrangeiros que chegarem a Cuba terão a possibilidade de receber a vacina contra a Covid-19. "Os turistas terão a opção, se quiserem, de vacinar-se em Cuba também", afirmou Vicente Vérez, diretor do IFV, em entrevista recente divulgada pelo canal TelesurTV.
Inteligência americana pode ter colaborado com governo brasileiro em casos de censura no Brasil
Lula encontra brecha na catástrofe gaúcha e mira nas eleições de 2026
Barroso adota “política do pensamento” e reclama de liberdade de expressão na internet
Paulo Pimenta: O Salvador Apolítico das Enchentes no RS