A história da Venezuela tem sido mesclada por momentos de prosperidade e desgraça econômica e social. Como na maioria dos países latino-americanos, os fracassos, as conquistas e as mazelas no país vizinho são marcas dos governos de todas as cores ideológicas, seja de direita ou esquerda. Os venezuelanos viveram períodos distintos de bonança e sofrimento em governos mais à direita, na segunda metade do século passado, e depois viram a história se repetir sob governos de esquerda desde o início deste século. Agora, após uma década de tragédia, várias instituições internacionais e locais preveem, pela primeira vez desde 2013, crescimento tímido da economia daquela que já foi chamada de “Venezuela saudita”.
Entre 1960 e 1980, os venezuelanos chegaram a ter o maior poder de compra entre os latino-americanos, cerca de três vezes maior que o dos brasileiros. Mas a partir da década de 80, após anos de gastança improdutiva do dinheiro farto do petróleo e corrupção generalizada das elites, o país mergulhou em forte crise, levando 85% da população à miséria. O novo ciclo de bonança só foi possível a partir de 2003, com seu pico em 2010, quando a renda per capita voltou a ser uma das maiores da região e o país praticamente erradicou a pobreza. Parou por aí: desde 2013 a “Venezuela saudita” mergulhou novamente em profundo colapso econômico, social e político, com queda de cerca de 80% do PIB, o que jogou 85% da população de volta à pobreza.
Não é simples fazer projeções sobre a economia venezuelana. A partir de 2014 os dados oficiais tornaram-se escassos e o governo do chavista Nicolás Maduro não divulga estatísticas econômicos que permitam estimativas seguras. Mas um grande número de instituições independentes, tanto dentro do país como no exterior, tem feito estudos na tentativa de prever os rumos da economia da Venezuela. A maioria desses estudos recentes demonstra queda da hiperinflação e sinais de recuperação econômica.
O Instituto de Pesquisas Econômicas e Sociais da Universidade Católica Andrés Bello (IIES-Ucab), por exemplo, em seu último relatório, projeta um crescimento de 2% PIB do país vizinho para este ano, ante queda de 21,7% em 2020. Para o próximo ano, a estimada do IIES é mais promissora, de crescimento de 5%, mas a instituição observa que esse desempenho vai depender da recuperação da indústria petroleira, principal e praticamente único motor das exportações do país.
O Instituto de Finanças Internacionais (IIF), com sede em Washington e escritórios espalhados pela Ásia, África e Europa, prevê alta de 0,3% na economia venezuelana neste ano e 1,3% em 2022. Entre as razões para isso, segundo o IIF, estão a queda da hiperinflação, o aumento dos preços do petróleo e a entrada de algum investimento estrangeiro.
No time de otimistas também está a empresa de investigação econômica Dinámica Venezuela, do economista Eduardo Fortuny, que espera crescimento de 4% já neste ano e 3% para o próximo.
A mais otimista de todas é a empresa britânica de inteligência financeira EMFI, segundo publicação da Voz da América (Voa News), órgão de divulgação do governo dos EUA. "Nossa análise ampla dos dados econômicos disponíveis nos levou a modificar nossa projeção de crescimento do produto interno bruto (da Venezuela) em 2021 para 6,2%, dos 2% anteriores", disse a companhia britânica à agência americana. Na publicação, a EMFI observa que a queda do PIB da Venezuela entre 2013 e 2020 representa o maior tombo “da história do capitalismo”.
As estimativas positivas, no entanto, contrariam previsões do Fundo Monetário Internacional (FMI), que até agora não alterou sua estimativa inicial de queda de 5% da economia venezuelana em 2021. As projeções do FMI foram divulgadas em abril e, desde então, houve mudança no cenário econômico, o que, na avaliação de muitos economistas, requer revisão.
A Comissão Econômica para a América Latina (Cepal) destoa da maioria dos prognósticos. O órgão das Nações Unidas aponta que o país sul-americano não conseguirá crescer em 2021, o que deverá ocorrer somente em 2022. Para a Cepal, no próximo ano o crescimento será de apenas 1%.
Partindo do princípio de que as estimativas de retomada da economia venezuelana estejam certas, a realidade é que os índices de crescimento apontados, dos mais otimistas aos mais pessimistas, representarão muito pouco diante do tombo que o país sofreu. A Venezuela saltou de uma PIB de pouco mais de US$ 80 bilhões, em 2003, para US$ 352 bilhões em 2011. Era o milagre chavista. No ano passado, caiu para abaixo de US$ 50 bilhões, isto é, sete vezes menor que dez anos atrás.
A alta do preço do petróleo e o aumento da produção são fatores de peso na reação da economia venezuelana agora em 2021. No passado, o país chegou a produzir 3 milhões de barris/dia, mas caiu para pouco mais de 400 mil barris/dia em 2020 e agora retoma lentamente, se aproximando dos 700 mil barris/dia. Com o preço chegando a US$ 80 dólares o barril, o ingresso de dinheiro estrangeiro vem aumentando.
Mas não é o petróleo o único fator da tímida retomada da economia venezuelana. A melhoria é decorrente também de medidas as quais o governo de Nicolás Maduro foi obrigado a tomar, pressionado pelo bloqueio determinado pelos EUA sob o comando de Donald Trump, o que provocou deterioração de todos os fundamentos econômicos e sociais. Algumas dessas medidas foram a flexibilização do controle de câmbio, a abertura aos investimentos e à participação estrangeiros em empresas estatais e o levantamento de restrições ao setor privado.
Com essas decisões, houve forte dolarização financeira, o que, por um lado, ajudou a reduzir a inflação. A Venezuela continua sendo o país de maior inflação do mundo. No mês passado o governo anunciou o corte de 6 zeros da moeda nacional, o bolívar, que passou a se chamar bolívar digital. Um milhão de bolívares foram convertidos em 1 bolívar digital.
Também entra nas contas da reação econômica venezuelana os investimentos feitos por países aliados do governo Maduro em setores produtivos, especialmente China, Rússia e Turquia.
Com o alívio, Maduro espera se firmar no poder nas eleições do próximo dia 21 de novembro, quando serão eleitos governadores e prefeitos em todo o país. Desta vez, ao contrário de eleições anteriores, a maior parte da oposição decidiu participar da disputa na esperança de, a médio prazo, derrubar o governo chavista nas urnas.
Muitas das organizações e entidades que preveem a volta do crescimento econômico também estimam que a Venezuela precisaria de pelo menos 10 anos de forte expansão da economia para recuperar o poder de compra de sua população. A renda per capita dos venezuelanos hoje é equivalente à registrada em 1945, quase 80 anos atrás. O país que já foi rico e ficou pobre por mais de uma vez, ensaia uma saída do fundo do poço, um buraco cheio de petróleo, mas que tem sido um complicador em vez de solução.
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