Na era da informação digital, é prioridade questionar se a internet nos torna mais livres ou nos transforma em reféns. As redes sociais tornam cada cidadão uma voz ativa. Verdades inconvenientes agora encontram difícil abrigo, uma vez que a conectividade instantânea global impossibilita o ocultamento.
A triagem perdeu muito a força. Não há mais um círculo fechado que define o que chega ou não à imprensa, por exemplo. Agora há uma queda de braço entre a tentativa de fechamento de portões editoriais e realidade que se impõe nas redes.
O advento dos celulares munidos de câmeras redefiniu a rapidez com que verdades podem ser disseminadas. Uma única gravação pode viajar pelo globo em segundos, desafiando fronteiras e barreiras.
Entretanto, essa onipresença digital é acompanhada por um rastro inegável. Cada pesquisa, interação e movimento deixa uma trilha de dados digitais que se acumulam incansavelmente.
As operações policiais estão cada vez mais enraizadas na mina de informações que os dispositivos digitais oferecem. Cada toque, clique e compartilhamento forma uma tapeçaria digital detalhada, pintando retratos de vidas, conexões e atividades. O desafio é a mediação entre esta tecnologia e a face sombria do gigantismo estatal e autoritarismo.
A triagem perdeu muito a força. Não há mais um círculo fechado que define o que chega ou não à imprensa, por exemplo
Embora a ideia de controlar a internet permaneça uma ilusão, pois sua arquitetura não permite interrupções diretas, a preocupação recai sobre a manipulação da narrativa digital. Aqui falo de internet como estrutura, como “cabeamento”. É algo totalmente democrático e descentralizado, mundial.
Outra questão é como usamos as empresas que operam nessa estrutura. A habilidade de direcionar e restringir informações para influenciar percepções é um aspecto de poder poderoso. Estratégias de controle são frequentemente moldadas por argumentos morais, onde casos incomparáveis são equiparados e a intensidade é exagerada.
O grande exemplo brasileiro é o caso Monark. Ao alegar disseminação de discursos controversos, justifica-se a supressão de vozes. O desafio reside em distinguir entre discurso ofensivo e discurso incitante. Uma linha tênue separa a condenação de discursos violentos da supressão de divergências, e essa linha muitas vezes é borrada.
Outra linha borrada é aquela entre a punição e a censura. Nem homicídio é proibido na lei, ele é punido. Não se pune preventivamente quem em tese poderia cometer um homicídio. Quem comete crimes é punido com a perda da liberdade. A ideia de suprir liberdade para evitar que um crime hipotético venha a ser cometido é muito tentadora para os medrosos. Geralmente acompanhada de argumentações morais poderosas, é o tapete vermelho do autoritarismo.
A habilidade de direcionar e restringir informações para influenciar percepções é um aspecto de poder poderoso
É temerária a normalização desses processos. Inicialmente ficam na mira figuras já impopulares. Ninguém liga porque, de uma forma ou de outra, o fulano “merece” ou “procurou” aquilo. O agigantamento estatal se inicia disfarçado de boas intenções e acaba se expandindo a todos indiscriminadamente. A essência da questão é clara: como preservar a liberdade de expressão e garantir a diversidade de opiniões, enquanto se evita o perigo da manipulação digital?
A dualidade da Internet – potencialmente libertadora, porém potencialmente opressiva – requer um equilíbrio delicado. Se por um lado as tecnologias digitais ampliaram as vozes individuais, por outro, trouxeram consigo o desafio de manter um ambiente de informação verdadeiramente diversificado e imune a manipulações. O caminho para esse equilíbrio ainda está sendo trilhado.
A confluência de liberdade e vigilância na era digital suscita questões profundas sobre privacidade e poder. Enquanto as tecnologias digitais oferecem uma plataforma para expressão e conexão sem precedentes, a coleta universal e contínua de dados também cria um panorama de vigilância.
A busca por um equilíbrio entre a abertura da Internet e a contenção de seus excessos é um desafio global. Enquanto governos e agências de segurança aproveitam os dados para combater crimes e ameaças, surge uma preocupação constante sobre o potencial abuso desse poder para silenciar vozes dissidentes.
O conflito entre liberdade e controle é muito presente quando se discute a disseminação de discursos controversos. Embora haja consenso sobre a necessidade de limitar a incitação à violência, a linha divisória entre restringir discursos prejudiciais e cercear a liberdade de expressão é nebulosa. O risco reside na transformação gradual de tais medidas em uma ferramenta para silenciar o dissenso legítimo.
À medida que o debate avança, o exemplo do Brasil destaca a complexidade dessas questões. O caso Monark ilustra como o poder de censurar conteúdo, justificado por seu potencial prejudicial, levanta preocupações sobre a arbitrariedade da supressão e o comprometimento da diversidade de opiniões.
A verdadeira salvaguarda da liberdade e da integridade da Internet requer ações conjuntas. Governos, sociedade civil, empresas de tecnologia e indivíduos devem colaborar na formulação de políticas e práticas que promovam a transparência, a responsabilidade e a proteção dos direitos individuais.
A busca por um equilíbrio entre a abertura da Internet e a contenção de seus excessos é um desafio global
Ao nos adaptarmos a esse cenário em constante mudança, é essencial manter um foco claro no ideal de um ambiente digital que possibilite a livre expressão, a diversidade de opiniões e o respeito aos direitos individuais.
A dimensão internacional da internet adiciona outra camada de complexidade. Uma vez que a rede transcende fronteiras, regulamentações nacionais muitas vezes colidem com a natureza global da internet. Esforços de controle localizado podem esbarrar em desafios técnicos e na própria resistência dos usuários.
À medida que navegamos nesse cenário, é crucial considerar a importância do pensamento crítico e da alfabetização digital. Os cidadãos precisam entender como as redes funcionam, mudam nossas relações pessoais e manipulam nossos sentimentos. Infelizmente, muita gente imagina não ser manipulável, pensamento típico da vítima preferencial de manipulações.
Enquanto enfrentamos os dilemas da era digital, é essencial recordar que a internet, em sua essência, é uma ferramenta. Ela pode ser usada tanto para emancipar quanto para subjugar. As respostas não estão na tecnologia, estão nas relações humanas de poder. Quanto mais o mundo digital evolui, mais precisamos entender de gente.
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