Na próxima quinta-feira, 25 de janeiro, início do feriadão de aniversário de São Paulo, acontece a audiência pública do TSE sobre três minutas de resoluções para as eleições de 2024. A primeira é a de propaganda eleitoral, que pode tornar as agências de checagem uma peça chave no sistema eleitoral brasileiro. A minuta é uma alteração da resolução 23.610/2018 do TSE. O foco é o combate à veiculação de desinformação nas plataformas de internet.
O artigo nono é o que daria às agências de checagem um grande poder sobre o pleito. Ele foi redigido inicialmente numa alteração à resolução inicial, em 2021. O texto é o seguinte: “Art. 9º A utilização, na propaganda eleitoral, de qualquer modalidade de conteúdo, inclusive veiculado por terceiras(os), pressupõe que a candidata, o candidato, o partido, a federação ou a coligação tenha verificado a presença de elementos que permitam concluir, com razoável segurança, pela fidedignidade da informação, sujeitando-se as pessoas responsáveis ao disposto no art. 58 da Lei nº 9.504/1997 , sem prejuízo de eventual responsabilidade penal.”
Eleições em um país democrático são feitas na lógica da liberdade de expressão. A minuta parece ir no sentido oposto.
Havia também uma alínea. “Art. 9º-A. É vedada a divulgação ou compartilhamento de fatos sabidamente inverídicos ou gravemente descontextualizados que atinjam a integridade do processo eleitoral, inclusive os processos de votação, apuração e totalização de votos, devendo o juízo eleitoral, a requerimento do Ministério Público, determinar a cessação do ilícito, sem prejuízo da apuração de responsabilidade penal, abuso de poder e uso indevido dos meios de comunicação”.
É um texto forte, mas com uma brecha jurídica: fatos sabidamente inverídicos. Há dois degraus para a punição. Não basta que sejam inverídicos, é preciso comprovar que quem compartilhou sabia disso. Este pedaço foi revogado em 2022. Agora, a intenção é introduzir outra modificação para enfrentar a grande pergunta feita nos casos: quem define o que é verídico ou não?
O texto inicial determina o dever de fazer o máximo possível para verificar que as informações veiculadas são fidedignas. Quem determina se foi feito todo o possível, ou seja, que foi cumprido o dever de verificar de todas as formas? É altamente subjetivo. Métodos ou meios que são acessíveis e óbvios para alguns podem não ser para outros.
Existe um risco de suprimir divergências e debates importantes se eles contestarem as agências. Não parece um bom caminho.
Surge então um parágrafo com o objetivo de resolver a questão. É o seguinte: “Parágrafo único. A classificação de conteúdos por agências de verificação de fatos que tenham firmado termo de cooperação com o Tribunal Superior Eleitoral será feita de forma independente e sob responsabilidade daquelas, podendo ser utilizada como parâmetro para aferição de violação ao dever de cuidado de que trata o caput deste artigo.”
O que isso significa? O TSE pretende firmar termo de cooperação com as agências de checagem. Elas continuarão fazendo o trabalho como sempre fazem nas eleições. O que essas agências publicarem pode ser utilizado pela Justiça Eleitoral como parâmetro para dizer se os conteúdos publicados pela campanha cumpriram o dever de checagem como deveriam.
Agências de checagem são empresas privadas feitas por seres humanos, portanto falíveis.
Há ainda outra nuance. Juízes eleitorais municipais e estaduais deixam de ter autonomia de decisão nesse quesito específico. De acordo com o que estabelece a minuta em seu artigo oitavo, os juízes eleitorais continuam tendo poder de polícia na internet. No entanto, no caso específico de desinformação, a minuta diz que:
“As juízas e os juízes mencionados neste artigo ficarão vinculados às decisões do Tribunal Superior Eleitoral sobre mesmo tema e objeto quanto à remoção ou à manutenção de conteúdos idênticos.
§ 2º O exercício do poder de polícia que contrarie ou exorbite o previsto no § 1º deste artigo ensejará reclamação ao Tribunal Superior Eleitoral.”
São eleições municipais, então é comum que essas disputas sobre conteúdo na internet tenham um forte componente local. A resolução estabelece que a remoção ou não dos conteúdos deve necessariamente seguir decisões semelhantes do TSE sobre remoção ou não de conteúdos idênticos ou sobre o mesmo tema. E o TSE pode utilizar as agências de checagem para balizar sua atuação. É um poder e tanto.
Nesta coluna, não vou me aprofundar nos questionamentos sobre o trabalho em si das agências de checagem. Já o fiz em diversas outras colunas. Indico, como exemplo, a publicação de novembro de 2021: “Quem checa os checadores? Agência espalha desinformação sobre expressões racistas”.
Suponhamos que não houvesse questionamentos, que fosse tudo perfeito. Ainda assim haveria problemas. Agências de checagem são empresas privadas feitas por seres humanos, portanto falíveis. Se elas operam em colaboração com uma instituição de Estado, podem ser alçadas ao modelo padrão de verificação de fatos.
Isso coloca em xeque outros modelos de verificação e também o jornalismo tradicional. Pode surgir a ideia de que algo só foi checado se isso foi feito por uma agência. Não é raro haver divergências entre veículos jornalísticos e entre eles e as agências. Mas somente elas serão o padrão de método de verificação.
O que acontecerá com conteúdos que divirjam das agências de verificação? No caso específico da coluna de 2021 que citei, houve a divulgação por uma agência de checagem de uma lista de palavras que teriam origens racistas. Não tinham. Houve diversos artigos jornalísticos como o meu que contestaram. Também houve movimentos coletivos, incluindo perfis de especialistas em origens de palavras, que contestaram as informações. Segundo a nova minuta, o modelo aceito de checagem seria o das agências.
Eleições em um país democrático são feitas na lógica da liberdade de expressão. A minuta parece ir no sentido oposto. Existe um risco de suprimir divergências e debates importantes se eles contestarem as agências. Não parece um bom caminho.
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