Esta semana, mais uma vez, progressistas comemoraram de forma efusiva a decisão do YouTube de derrubar um vídeo do presidente Jair Bolsonaro. Desta vez, foi um episódio absolutamente irônico.
Como se fosse o grande sábio da montanha com o objetivo da paz mundial, a Big Tech anunciou que havia mudado sua política sobre desinformação de novo. Dessa forma, o vídeo da apresentação do presidente aos embaixadores estrangeiros acabou derrubado.
Não vou entrar nos detalhes de quem apura a verdade, qual ponto do vídeo justifica a derrubada nem por que outros vídeos que falam a mesma coisa continuam no ar. Já dou como favas contadas a total inconsistência do YouTube na avaliação de conteúdos.
O caso é que progressistas, inclusive jornalistas sem instinto de sobrevivência, começaram a comemorar de forma efusiva nas redes sociais a derrubada do vídeo do presidente da República.
As manchetes jornalísticas sobre o tema me incomodam, mas não sei se é um fato ou predisposição da minha parte. Quando noticiam que “YouTube decide tirar do ar vídeo de Bolsonaro por desinformação”, me dá a impressão de que avalizam a rede social como responsável por mediar o debate público.
As redes sociais evoluíram em seus modelos de negócio e chegou um ponto em que a desinformação virou fenômeno internacional, contaminando até mesmo a imprensa.
No meio desse burburinho começam a ser derrubados vídeos do canal esquerdista TV 247. As mesmas pessoas que estavam comemorando a derrubada do vídeo do presidente da República agora estavam escandalizadas com a arbitrariedade.
A justificativa do YouTube é que o canal jornalístico de esquerda fazia “discurso de ódio” e, por isso, vários vídeos não poderiam mais ficar na plataforma.
O mais famoso a ser derrubado é um documentário intitulado “Bolsonaro e Adélio: uma fakeada no coração do Brasil”, que defende a tese de que o presidente da República não sofreu a facada. Nesse caso, o episódio não foi tratado como uma brava ação do YouTube contra a desinformação e as Fake News. Isso foi só no vídeo do presidente Bolsonaro. Nesse outro caso é censura indevida de empresa privada.
A Associação Brasileira de Imprensa se manifestou. Diversos políticos importantes, entre eles Gleisi Hoffmann e Dilma Rousseff, fizeram postagens revoltadas com a intromissão indevida de uma empresa privada no debate público.
O caso é que estão certos. O erro não está nessa defesa, mas na hipocrisia do duplo padrão. Para os seus, valem a lei e o direito. Para os bolsonaristas, vale o “que se dane”.
Por alguma razão que ainda não compreendo, pessoas adultas confiam que as redes sociais combatem desinformação.
Suponha que um familiar seu tivesse que largar o cigarro imediatamente por questões de saúde. Você confiaria num programa contra o tabagismo elaborado e financiado pela Souza Cruz? E num programa educativo da Phillip Morris para ensinar seus filhos a ficar longe do cigarro você iria confiar?
Se formos pensar somente sob o ponto de vista factual e técnico, é possível que fabricantes de cigarro realmente fizessem excelentes programas de combate ao tabagismo. Poderiam contribuir apenas financeiramente e deixar a gestão independente, cobrando resultados. Mas aqui a questão é outra: você confiaria a ponto de escolher um programa desses para os seus? É diante disso que estamos.
As redes sociais evoluíram em seus modelos de negócio e chegou um ponto em que a desinformação virou fenômeno internacional, contaminando até mesmo a imprensa. Vemos, aqui e acolá, redes sociais serem tratadas como heroínas pela democracia quando derrubam canais ou desmonetizam influencers que desinformam (ou que elas alegam que desinformam). É um erro banal.
A desinformação é tanta que há até uma que ficou famosíssima no meio liberal, repetida até por gente inteligente. Big Techs são negócios privados, se você foi banido por uma, basta buscar outra.
Seria verdade caso houvesse livre mercado nesse setor, o que não existe. Há um modelo que canibaliza qualquer tentativa de negociação, anexando aos grandes players ou destruindo novas empresas concorrentes. Quando você conta nos dedos de uma mão o número de empresas que dominam um mercado do qual dependem outros ramos econômicos, não é honesto dizer que banimento seja do jogo.
Nossas convicções e paixões às vezes falam mais alto quando o assunto é política, opinião e desinformação. O caso dos banimentos fica mais claro quando falamos, por exemplo, de negócios que se estabelecem nas redes sociais.
Nossas convicções e paixões às vezes falam mais alto quando o assunto é política, opinião e desinformação.
Durante a pandemia, muita gente começou a garantir o pão de cada dia abrindo pequenos negócios principalmente no Instagram. Muitas denúncias podem derrubar um perfil, qualquer um deles.
Dia desses, por acaso, vi duas situações. Uma era uma lojinha de pijamas que postou qualquer coisa e foi desativada por infringir as regras da plataforma. Outro era um vendedor de cursos de marketing digital com um perfil gigante que acabou suspenso.
Os dois só falavam de seus negócios. Um era venda de pijama e o outro era venda do curso. Tudo lícito, inclusive anunciantes da plataforma.
Não haviam feito publicações fora do normal e, nos dois casos, recuperaram as contas quase uma semana depois, com muito esforço e muita gente intercedendo.
Com o bloqueio, eles ficam sem acesso aos arquivos que postaram. São dados de propriedade deles e fundamentais para a rotina de negócios. Quem paga o prejuízo dos dias de portas fechadas? Atualmente ninguém.
A rede social devolve a conta sem nem pedido de desculpas. Cada um que se vire com seu prejuízo devido ao erro da Big Tech.
Cidadãos e negócios não podem ser tratados como efeitos colaterais na grande operação de limpeza de imagem das empresas de tecnologia.
Governos do mundo todo tentam achar saídas para que os algoritmos sejam minimamente adequados à legislação, mas é algo difícil por dois motivos. Eles são tratados como segredos industriais e Big Techs são mundiais enquanto leis são nacionais.
O Conselho de Direitos Humanos da ONU já alertou que essa sistemática de confiar em Big Techs para remover conteúdos atenta contra os direitos humanos. Elas não são instituições públicas, são empresas. Não fazem leis nem mandam, obedecem.
As recomendações são de que cada sociedade determine com clareza o que pode ou não fazer parte do debate público. A partir daí, é preciso criar um sistema onde a última palavra sobre retirada de conteúdos ou canais seja institucional do país e sempre sobre regras objetivas.
Ainda estamos muito longe disso. E, na realidade, banir ou não conteúdo é uma discussão quente mas subsidiária. A espinha dorsal é como essas empresas sugerem conteúdo e fazem shadow ban sobre outros, moldando o consumo.
Enquanto aplaudimos derrubada de vídeo até do presidente da República, não há a menor chance de uma Big Tech poderosíssima levar a sério nossas leis.
A luz das legislações mais avançadas que estão sendo gestadas nos Estados Unidos e na União Europeia vem de um estudo conduzido por dois brasileiros, um na Suíça e outro na UFMG.
Sem precisar recorrer a qualquer dado que não fosse público, eles analisaram de que forma os algoritmos das plataformas mais famosas levam usuários à radicalização e desinformação em várias áreas.
Isso fez com que os governos criassem o conceito de risco público oferecido pelos algoritmos sem que eles precisem ser revelados. As Big Techs trouxeram muita evolução, mas precisam conter os danos causados por seus negócios.
A ideia agora é que esses danos sejam regulados. Não importa o que elas façam. Ou evitam o dano ou arcam com ele. Pode ser o início do fim da caixa preta das Big Techs nos países desenvolvidos.
Seja o espalhamento de um conteúdo ou a suspensão inadequada, o que gerar dano deve ser reparado e ressarcido. A empresa precisa se adequar às leis nesse sentido e não deve ser convertida em juíza do debate público.
Para chegar nesse estágio, precisamos sair desse ciclo infindável de polarização e de comemoração da ruína do adversário. Enquanto aplaudimos derrubada de vídeo até do presidente da República, não há a menor chance de uma Big Tech poderosíssima levar a sério nossas leis.
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