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Depois de regulação das redes sociais veremos a da Inteligência Artificial

Inteligência artificial
O senador Rodrigo Pacheco (PSD-MG) apresentou um projeto de lei que visa instituir o marco legal para o uso da Inteligência Artificial no Brasil. (Foto: Jonas Pereira/Agência Senado)

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Eu iria falar de novo sobre o projeto mais polêmico da história do país, mas acabei desistindo. A primeira razão é que minhas duas últimas colunas foram sobre ele. A segunda é que os acontecimentos em torno do tema viraram um sarapatel de coruja que eu já não consigo mais entender. O que ocorreu com o Telegram esta semana e os desdobramentos envolvendo políticos e influencers parece ficção ruim. Fosse parte de uma novela, mesmo que num clima de O Bem Amado, reclamaríamos que é inverossímil.

Uma pena porque perde o Brasil. Nós somos capazes de fazer legislações muito avançadas na área digital e já provamos isso. O Marco Civil da Internet e a Lei Geral de Proteção de Dados são tidos como exemplos legislativos internacionais. Foram feitos com diálogo sobretudo com a sociedade civil, ouvindo os grandes especialistas que nosso país tem nesse tema. Outro projeto que poderia seguir no caminho virtuoso que já traçamos é o da regulamentação da Inteligência Artificial. Dia desses, enquanto o pessoal discutia o das redes sociais naquele clima de briga de faca no escuro, o PL da IA surgiu no debate público.

O que ocorreu com o Telegram esta semana e os desdobramentos envolvendo políticos e influencers parece ficção ruim.

Já há um projeto aprovado pela Câmara para o qual a maioria das pessoas não deu atenção. Ele tramita no senado agora, é o PL 21/2020 da Câmara, de autoria do deputado Eduardo Bismarck, do PDT do Ceará. Na semana passada, durante o fogo cruzado do debate da regulamentação de redes sociais, o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco apresentou outro projeto, o PL 2338/2023. Ele foi elaborado incorporando ideias de outros três projetos de lei e também de uma comissão de juristas que estudou o tema e fez mais de 70 audiências públicas.

Essa ideia parece superar um dos principais problemas do PL que pretende regulamentar as redes sociais, a falta de discussão. Mas é necessário prestar atenção a uma sutileza que diferencia esse processo de outro, utilizado para elaborar a LGPD e o Marco Civil da Internet, exemplos de excelência. O projeto de agora é feito pelo mandato do senador Rodrigo Pacheco, que incorporou ideias diversas e discussões técnicas em um documento final. Foi a equipe dele que decidiu quais ideias ficam e quais saem.

Essa decisão foi conjunta no caso da LGPD e do Marco Civil da Internet. O projeto é proposto mas ainda não é levado às comissões técnicas das casas legislativas, compostas apenas por parlamentares. Como é algo novo e também estrutural, importantíssimo para o país, o projeto é apresentado e já se abre uma Comissão Especial, integrada por parlamentares, só para avaliar o projeto específico.

É nessa comissão que são feitas as Audiências Públicas, ouvindo a sociedade civil e especialistas. Quem decide o que fica e o que sai do texto final é o conjunto do parlamento, com diversidade ideológica e de interesses, depois de ter ouvido presencialmente tanto os técnicos quanto representantes dos grupos da sociedade que são afetados pela lei.

Falar de parlamento e comissões parece ser apenas uma questão burocrática do trâmite. Não é. A forma de elaborar o projeto tem um impacto decisivo no produto final. Os debates em Comissões Especiais que fazem audiências públicas sobre um projeto específico tendem a gerar algo mais conectado com a realidade e consequências práticas. Aqui no Brasil, projetos que não passam por isso, tendem a ser ótimos de iniciativa e péssimos de terminativa. O espírito da lei e as intenções podem até ser muito bons, mas as regras propostas muitas vezes não levam às consequências reais que essas intenções almejam.

No caso da Inteligência Artificial, temos propostas que são alheias ao real funcionamento desse mercado e se espelham no modelo de negócio das Big Techs e seus algoritmos. Google, Facebook, Instagram e Twitter, por exemplo, elaboram seus próprios algoritmos. Eles são guardados a sete chaves e tidos como segredos industriais. Já a Inteligência Artificial tem um método de construção diferente. Os códigos de programação de projetos finalizados ou apenas iniciados são distribuídos e trocados pelo sistema Git por meio da publicação de artigos e até mesmo do código livre.

Muito desse material é utilizado depois em projetos, quando alguém encontra um uso efetivo daquela descoberta. Diversas vezes, várias dessas descobertas já compartilhadas são reunidas e trabalhadas para gerar um produto novo. O famoso ChatGPT é um desses casos. Ele é um produto da Open AI, uma empresa montada de forma mista. Ela mistura a Open AI Incorporated, laboratório de pesquisas em IA sem fins lucrativos, com a Open AI Limited Partnership, que lança produtos e é comercial.

Para fazer o ChatGPT, códigos abertos compartilhados nos últimos 5 anos foram estudados pelo braço de pesquisa para Inteligência Artificial amigável. O fruto desses estudos, com base em algoritmos criados e compartilhados antes que o instituto tivesse acesso, gerou uma nova forma de IA trabalhada pelo braço comercial para virar o ChatGPT. O que isso tem a ver com o nosso projeto novo de regulamentação de Inteligência Artificial? Tudo. Está na espinha dorsal. O projeto pretende responsabilizar o criador da Inteligência Artificial por seus impactos, o que parece razoável.

Nesse cenário real de criação compartilhada de IA, quem é o responsável? Suponha que a empresa comercializadora do produto não tenha, na prática, criado nada. Isso acontece muito. Quem criou o código livre e distribuiu livremente seria responsabilizado se ele for usado comercialmente por alguma empresa? Não parece justo nem exequível, mas é o que foi proposto.

Estamos diante de algo tão novo que nem os maiores especialistas da área têm respostas prontas. Todos têm muitas perguntas e elas precisam ser feitas e respondidas para que possamos chegar a um resultado bom para o país. Não há como conter a tecnologia e ela gera conflitos e prejuízos reais para as pessoas, então é preciso regulamentar. Por outro lado, ela também gera abundância e possibilidades que jamais imaginamos ter e não é de interesse das pessoas impedir que isso exista.

No campo legislativo, estamos diante de dois grandes desafios. O primeiro é como regulamentar empresas mundiais numa lógica de soberanias nacionais. O outro é como acertar o passo e conseguir produzir regulações eficazes na mesma velocidade em que a tecnologia avança.

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