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Elon Musk anunciou ontem em sua conta do Twitter - ou X, como se chama agora - que vai acabar com a possibilidade de block. Obviamente viralizou e levantou exércitos sagrados contra e a favor da medida.
As reações ao que o bilionário faz são frequentemente ideológicas. Essa não seria diferente. Há uma turma que odeia e fala de todas as ideias dele como se fossem nos levar ao apocalipse. Há outra turma que idealiza tudo o que ele faz, como se fosse o salvador da humanidade. Nenhuma das duas obviamente vive no mundo real.
Musk entra agora num debate que está na agenda de hoje da política nacional e já foi arrastado pelo Judiciário dos Estados Unidos e outros países. O próprio bilionário já mudou muito de ideia a respeito do block e agora surpreendeu com a declaração.
Aqui no Brasil, você deve se lembrar, houve muitas discussões quando perfis oficiais do governo começaram a bloquear pessoas. Na época se dizia que o bloqueio impediria cidadãos de terem informações oficiais, o que é um recurso ao catastrofismo. Todo mundo sabe como ver perfil que te bloqueia, só não consegue mais interagir.
Não há uma lei específica sobre isso, há apenas debates. E não falo aqui do block da sua conta de cidadão comum, a discussão é sobre block vindo de contas que pertencem ao Estado ou a um governo. Essa discussão não foi enfrentada ainda por nós. Esta semana, o governo Lula resolveu desbloquear 3 mil contas que haviam sido bloqueadas durante o governo Bolsonaro.
Há uma turma que odeia e fala de todas as ideias dele como se fossem nos levar ao apocalipse. Há outra turma que idealiza tudo o que ele faz, como se fosse o salvador da humanidade
A comunicação do governo até tentou fazer um estardalhaço com isso, mas não teve muito eco. Além disso, logo em seguida se anunciou que o block vai acabar mesmo, então a história perdeu força. No exterior, no entanto, essa discussão já evoluiu bastante.
Em 2019, o então presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, foi condenado oficialmente a desbloquear todos os perfis que ele havia bloqueado no Twitter. A decisão foi tomada por um colegiado de três juízes da corte de apelação de Nova Iorque.
Eles argumentaram que a conta de Donald Trump, apesar de ser a pessoal e não da presidência, era utilizada para atos e declarações de governo. Dessa forma, ele estaria violando a liberdade de expressão do cidadão americano com o block. A sentença dizia que há o direito não apenas de ter acesso a esses conteúdos mas também de interagir com eles, já que são públicos e de governo.
Trump não cumpriu inteiramente a ordem de desbloqueio e começou a bloquear ainda mais gente. O caso acabou indo parar na Suprema Corte dos Estados Unidos. Em 2021, foi decidido que ele deveria retornar à instância inferior e ser arquivado por irrelevância.
A única divergência foi do juiz Clarence Thomas, de ideologia conservadora. Na sentença, ele trouxe um ponto diferente, o da concentração de poderes de comunicação nas mãos de uns poucos atores privados, algo sem precedentes.
“Em breve não teremos outra opção senão abordar como nossas doutrinas legais se aplicam a infraestruturas de informação altamente concentradas e de propriedade privada, como plataformas digitais. (...) Se parte do problema envolve controle privado e concentrado sobre conteúdo online e plataformas disponíveis para o público, então parte da solução pode ser encontrada em doutrinas que limitam o direito de uma empresa privada de excluir (conteúdos)”, escreveu Clarence Thomas.
Temos muitas outras discussões sobre o block na internet, aquele privado, da conta de cidadãos comuns ou pessoas públicas que não ocupam cargos no governo. Algumas pessoas - todas flocos de neve - dizem que block é cancelamento. Não é. Cancelamento é quando hordas elegem alguém como alvo e decidem acabar com a vida da pessoa, pressionando para que seja demitida, perca patrocínios, seja banida de plataformas e renegada pelos amigos e conhecidos.
Em alguns meios, ser bloqueado é uma forma de se sentir importante. Há pessoas com vidas tão vazias que postam os blocks que receberam como troféus. Já vi por aí quem coloque na própria biografia - até profissional, não apenas nas redes - um block famoso que tenha tomado.
É uma forma infantilóide e triste de atribuir a si mesmo a importância que não tem mas queria. A pessoa é bloqueada pelo presidente da República porque é importante e poderosa o suficiente para incomodar alguém que ocupa esse cargo. Essa é a narrativa. Na maioria das vezes, ninguém nem leu a postagem. É só alguém chato ou que posta demais ou tem linguagem chula demais, o que inibe o engajamento de mais usuários.
Vale lembrar que, na maioria das vezes, perfis de autoridades e pessoas públicas sequer são administrados por elas próprias. Exibir o block é alimentar um conto de fadas pueril: alguém importante leu o que eu escrevi, tremeu na base e me deu um block. Na verdade, o estagiário de 19 anos viu um perfil que espanta engajamento e bloqueou, só isso.
Há pessoas com vidas tão vazias que postam os blocks que receberam como troféus
Eu, por exemplo, sou a rainha do block e defendo o blockativismo. O perfil é meu, particular, trato como se fosse minha casa. Se alguém vier na minha casa falar palavrão, me destratar, botar o pé na mesa, abrir a geladeira e fazer xixi de porta aberta, será posto para fora. Se vier fazer peripécias semelhantes nos meus perfis, será posto também. Aliás, se alguém é chato eu não convido para minha casa. O mesmo vale para os meus perfis. Defendo que somos obrigados a aguentar só quem a gente pariu.
Voltando à parte séria do assunto, Elon Musk evoluiu recentemente a própria visão a respeito dos blocks. Ele também era um blockativista até o ano passado. Em dezembro, decidiu desbloquear todo mundo que ele havia bloqueado. Agora anunciou, de forma surpreendente, que pretende eliminar a possibilidade de block porque não faz sentido. Para ele, devem ser bloqueadas apenas mensagens diretas.
Caso ele leve adiante, o que pode acontecer? Difícil prever. Duas iniciativas anteriores fizeram com que ele fosse malhado pela imprensa e especialistas, mas, conforme o tempo passa, vemos que funcionou.
A primeira é a história da criação do tal Threads, que seria o Twitter livre de ódio. Foi a maior adesão a um serviço no dia do lançamento na história da humanidade. Vingou? Aparentemente não. Aliás, você que me acompanha sabe que acertei nessa análise. (Confira a coluna aqui.)
Uma outra análise eu errei, a da utilidade das “notas da comunidade”, no Twitter. São aquelas correções feitas pelas pessoas comuns que aparecem em alguns tuítes, dando contexto ou desfazendo mentiras, sempre citando fontes seguras de informação. Eu não via utilidade, pensaria que ficava o dito pelo não dito e que grupos organizados poderiam distorcer as correções.
Isso até pode acontecer vez ou outra, mas a operacionalização das “notas da comunidade” foi feita de forma a eliminar muitos problemas na prática. Não é qualquer um que pode fazer parte, é um funil difícil. Você se candidata e precisa provar sua identidade, que é checada pela equipe. Além disso, precisa seguir uma série de regras para fazer as correções, como ser propositivo, usar sempre fatos na argumentação, não atacar pessoalmente quem postou e não utilizar linguagem chula ou agressiva.
Tem sido algo bastante importante no debate público e, pelo aprendizado, pode fazer muita gente pensar duas vezes antes de mandar uma lorota por aí. Agora é saber o que será do block. O efeito inicial pode ser o da reativação de redes de ataques direcionados e bullying, principalmente envolvendo desocupados e robôs.
Também pode haver outro efeito. O tempo passou e a maioria das pessoas já sabe como essas redes funcionam e suas narrativas, principalmente quando estão empenhadas num assassinato de reputação. Será que a reação do conjunto das pessoas seria diferente? Só o tempo dirá.
Conteúdo editado por: Jônatas Dias Lima