Depois de tanta especulação, coincidentemente às portas das eleições brasileiras, Elon Musk anunciou a compra do Twitter por meio de seu perfil na rede: “The bird is freed”. O pássaro foi libertado. Será que ele vai conseguir?
Ontem, ele publicou que a moderação de conteúdo já passa por uma transformação: “O Twitter estará formando um conselho de moderação de conteúdo com pontos de vista amplamente diversos. Nenhuma decisão importante de conteúdo ou restabelecimento de conta acontecerá antes que o conselho se reúna”.
Os lacradores do Twitter entraram em desespero e já começaram a postar que Musk é fascista. É o temor de que a importância desproporcional que adquiriram seja abalada. Inevitavelmente será, embora não saibamos exatamente o que virá no lugar. O que sabemos é que não se trata apenas de uma mudança em rede social. Mirar no Twitter é algo estratégico e que tem potencial para uma alteração importantíssima no debate público.
Por alguma razão – tem quem diga que é ideológica, mas eu acredito que é mercadológica – o Twitter virou o império da cultura do cancelamento, privatização de militância e sacralização do discurso progressista.
Como isso aconteceria se o Twitter é a menor rede social, com um público ativo super reduzido? Em setembro, fiz outro artigo sobre essa rede social que tem muitos detalhes dessa análise: “Queridinho dos políticos e da imprensa, Twitter é bolha progressista”. Nesse artigo, você pode ver detalhes sobre quem são os personagens mais importantes da plataforma.
Outras redes sociais são maiores e muito mais promissoras como modelo de negócios. Facebook e Instagram, por exemplo, também servem como lojas online, e abrem toda uma outra área de negócio dentro da mesma plataforma. Além disso, têm muito mais usuários e recursos de formação de grupos. Mas a questão do Twitter é outra. Não estamos falando aqui de uma rede social importante por ter muitos usuários ou ser promissora em termos do modelo de negócio. Aqui a conversa é sobre poder.
O Twitter é uma bolha, mas você já deve ter visto dezenas de manchetes de jornal dizendo que “fulano tuitou tal coisa”. É ali que estão políticos e jornalistas. Não podemos nos esquecer de que é uma rede social, não uma arena livre. Nada do que é dito chega sem triagem ao interlocutor. O que você posta chega a quem a rede social considera que deva receber e você recebe os conteúdos que o Twitter julga melhores para reter a sua atenção.
Por alguma razão – tem quem diga que é ideológica, mas eu acredito que é mercadológica – o Twitter virou o império da cultura do cancelamento, privatização de militância e sacralização do discurso progressista. Claro que aí tem ideologia envolvida, mas eu creio pouco no amor à causa do ser humano. Creio mais no amor ao bolso. O identitarismo, por exemplo, pode parecer um exagero de militância. Nem militância política é.
Política é algo que muda a realidade e cria pontes. Identitarismo é algo que é oferecido por empresas e serve como produto que aplaca a culpa burguesa. Che Guevaras de apartamento não mudam um milímetro em suas atitudes mas postam em defesa de alguma minoria ou xingando alguém de fascista. Pronto, viraram militantes.
Para esses grandes conglomerados bilionários internacionais, como as Big Techs, é um negócio sensacional. A partir do momento em que a dinâmica das redes privilegia esse tipo de discurso, mais pessoas aderem. Você cria uma espécie de poder paralelo dos usuários das redes que você escolher distribuir. Juntos, sempre que cismarem com alguém, podem se tornar o Supremo Tribunal da Internet. Têm o poder para, com razão ou sem, inviabilizar a vida profissional e pessoal de qualquer um.
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Podem boicotar empresas, exigir que mantenham ou rescindam contratos específicos, anunciem ou deixem de anunciar em determinados veículos de comunicação. Esses debates progressistas favorecidos pelos algoritmos das Big Techs chegam até a imprensa, onde a militância pelas minorias cada vez mais perde espaço para gente rica que protesta contra possíveis ofensas a um grupo do qual não faz parte devido ao uso de uma palavra específica.
O que acontece no Twitter acaba moldando o debate público e a cultura, a noção de certo e errado da elite intelectual. Nada daquilo é espontâneo, tudo depende da programação dos algoritmos e da mediação de conteúdo feita pela equipe. Se isso muda, o impacto muda. Podemos ver uma mudança radical na qualidade do debate público a partir de mudanças no Twitter. Elon Musk já se pronunciou inúmeras vezes contra o identitarismo e a cultura do cancelamento, o que é excelente.
Não está muito claro, no entanto, a que ele é favorável. Vamos ter de esperar um pouco para entender. Sei que muita gente se sente confortável com essa figura do grande pai que mata tudo no peito e resolve as coisas. Eu tenho um pé atrás com bilionários e gente que pode moldar o mundo como deseja. Prefiro esperar.
Os principais executivos do Twitter já foram demitidos e agora se espera um novo tipo de administração. O impacto no debate público será sentido, inevitavelmente. Uma coisa já é certa. Em pouco tempo saberemos quanto do descolamento entre a elite da comunicação e o povo se deve à interferência das Big Techs na conversa.
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