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Em 24 horas, o que o NYT disse ser fake news da extrema direita foi confirmado como verdade

Comércio Brasil-China
Bandeira da China. (Foto: Pixabay)

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Não foi notícia aqui no Brasil, mas fez o maior barulho nos Estados Unidos uma “barrigada” do respeitado New York Times. A história é mais importante do que esse fato em si, que diz respeito apenas aos Estados Unidos. Ela mostra como o viés de confirmação pode nos levar a tomar decisões ruins, inclusive nas áreas em que temos preparo para tomar as melhores decisões.

Quem enxerga a imprensa com ceticismo provavelmente vai pensar que matou a charada de cara. “Eles são esquerdistas e quiseram puxar a sardinha para a própria brasa” será algo frequente na imaginação. Só que as coisas são mais complicadas.

Falar sobre interferência chinesa ou sobre o poder do Partido Comunista Chinês é figurinha carimbada de ativistas. Alguns deles têm razão e outros simplesmente inventam, é difícil distinguir uma coisa da outra.

Existe um limite para a distorção e o erro. Esse caso ultrapassou todos. O resultado, em vez de favorecer a retórica progressista, lança sérias dúvidas sobre ela. Mais que isso, existe a parte do negócio. Por mais que opiniões sejam tendenciosas, a perda de credibilidade coloca o negócio da informação em risco. Não estamos falando de uma rede social de um jornalista ou de um veículo independente, mas de uma empresa gigantesca e sólida que precisa de confiabilidade e atravessou governos dos mais diversos matizes políticos.

Muitos reclamam de tendências políticas que se manifestam na checagem de fatos. Só que isso não funcionaria caso as checagens fossem todas furadas e malfeitas. É muito amador. O enviesamento de que se reclama é que os fatos checados acabam beneficiando mais um lado do que outro. De determinado campo político tudo é submetido a escrutínio. De outro campo político, só se desmente aquilo que interessa a essa ideologia.

Individualmente, as checagens são legítimas. As pessoas reclamam é da tendência na escolha dos temas ser relacionada à cor ideológica do veículo que faz. Se você é de direita, já tem muito claro na sua mente quem são os veículos de esquerda que agem assim. E, se você for de esquerda, já tem muito claro na mente quais os veículos de direita agem assim.

O caso concreto do New York Times trata de uma temática recorrente nas redes sociais, a interferência do Partido Comunista Chinês em eleições de outros países. É um campo minado. Tudo o que toca em China é de apuração extremamente difícil para ocidentais. Em primeiro lugar, temos a barreira do idioma. Depois temos a barreira cultural, já que conhecemos efetivamente muito pouco sobre a China.

Além disso, o país é uma ditadura com um sofisticado sistema de controle social. Os ocidentais que vivem lá nem sempre estão dispostos a se meter em controvérsias e sofrer consequências, ainda mais por coisas que podem considerar menos importantes.

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Por outro lado, essa falta de informação acaba, como se diz na internet, construindo um triplex na mente das pessoas. Falar sobre interferência chinesa ou sobre o poder do Partido Comunista Chinês é figurinha carimbada de ativistas. Alguns deles têm razão e outros simplesmente inventam, é difícil distinguir uma coisa da outra.

Voltemos à publicação do New York Times. Ela é sobre uma empresa de software chamada Konnech. A empresa começou a ser acusada na internet de ter ligações com o Partido Comunista Chinês e ter vazado para ele dados pessoais de 2 milhões de mesários das eleições dos Estados Unidos. Não há uma informação clara que diga se esses dados vazados foram utilizados nem como poderiam ser utilizados. A história era apenas essa, de que a empresa vazou para o governo da China os dados pessoais de 2 milhões de mesários.

Os Estados Unidos vivem um inferno astral desde a invasão do Capitólio. Além disso, falar que China e Rússia interferem nas eleições norte-americanas é um dos pratos preferidos do nicho de teorias conspiratórias. Num primeiro momento, pode parecer que é mais do mesmo. Alguém aleatório aparece falando que China ou Rússia interferiram nas eleições, inventa uma teoria maluca e um monte de gente adere. Poderia ser. É preciso jornalismo profissional para saber se é isso ou não.

Alguma etapa foi pulada. Nesses tempos de polarização e informações frenéticas nas redes, milhões de pessoas compram o livro pela capa. Ocorre que quem fez isso dessa vez foi o New York Times. Diferentemente de milhões de cidadãos, ele sofre consequências desse tipo de conduta.

No dia 3 de outubro, o jornal publicou a seguinte reportagem: “Como uma pequena empresa de eleições se tornou um alvo de teorias da conspiração”. “Nos dois anos desde que o ex-presidente Donald J. Trump perdeu sua candidatura à reeleição, os teóricos da conspiração submeteram mesários e empresas privadas que desempenham um papel importante nas eleições a uma enxurrada de alegações estranhas de fraude eleitoral”, dizia o artigo.

“Mas os ataques à Konnech demonstram como os negacionistas de extrema-direita das eleições também estão dando mais atenção a empresas e grupos novos e mais secundários. Suas alegações muitas vezes encontram um público online receptivo, que então usa as afirmações para levantar dúvidas sobre a integridade das eleições americanas”, sentenciou o New York Times.

O excesso de certezas é confortável, mas também é um inimigo implacável. As coisas são o que são, não o que parecem ser. Fica o alerta para todos nós.

Nos Estados Unidos, há muito mais empresas que participam das eleições do que no Brasil. Estamos falando da meca do liberalismo econômico. Entre as empresas que fazem parte do processo também há as de pequeno porte e muitas tocadas por estrangeiros. É um modelo muito diferente do brasileiro, que tem uma cultura eleitoral mais estatista e controladora. Trata-se de um caso emblemático para repensar prós e contras da abertura total para a participação de particulares e, principalmente, particulares estrangeiros, em processos de governo.

Não tenho uma resposta pronta, mas o caso fez com que eu tenha inúmeras perguntas na ponta da língua.

O New York Times fez um artigo focado em teorias conspiratórias de extrema-direita, perseguições de trumpistas a quem participa do processo eleitoral e no drama pessoal do CEO da Konnech, que recebeu ameaças de morte no ambiente digital e foi obrigado a se esconder com a família.

Horas depois da publicação, o CEO da Konnech, Eugene Yu, foi preso a pedido da promotoria de Los Angeles pela forma como lidou com os dados dos mesários das eleições dos Estados Unidos. O contrato da empresa dele exigia que as informações fossem armazenadas no país, mas se descobriu que elas foram enviadas à China. É importante deixar bem claro que a investigação não levantou qualquer suspeita de manipulação do processo eleitoral. Mas as autoridades dos Estados Unidos consideram que, para garantir a integridade do processo, é necessário garantir que tudo seja íntegro.

“Esta investigação está preocupada apenas com as informações de identificação pessoal dos funcionários eleitorais. Neste caso, a suposta conduta não teve impacto no apuramento dos votos e não alterou os resultados eleitorais. Mas a segurança em todos os aspectos de qualquer eleição é essencial para que todos tenhamos plena fé na integridade do processo eleitoral”, declarou o promotor de Los Angeles George Gascón. Ele emitiu um comunicado oficial sobre o ocorrido e os prováveis desdobramentos das investigações.

O excesso de certezas é confortável, mas também é um inimigo implacável. As coisas são o que são, não o que parecem ser. Fica o alerta para todos nós.

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