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O Brasil parece ter encontrado uma nova especialidade: transformar o absurdo em política pública. O mais recente capítulo dessa tragicomédia envolve um perfil satírico com 5 mil seguidores, memes sobre o presidente do Banco Central e uma narrativa surreal de que isso, chamado de "fake news", teria influenciado a cotação do dólar. É difícil decidir o que é mais alarmante: a Advocacia Geral da União (AGU) mobilizar a Polícia Federal para investigar piadas, a tentativa do governo de transformar a ideia de “fake news” em uma ferramenta de censura ou parte da imprensa apoiar esse circo.
Se fosse roteiro da Turma do Didi, vocês diriam que estava forçado demais. Um perfil humorístico publica piadas sobre o futuro presidente do Banco Central, Gabriel Galípolo. Até aí, tudo dentro do que se espera em uma democracia que, em tese, garante liberdade de expressão. De repente, parte da imprensa começa a noticiar que esses memes são fake news que estão “abalando o mercado” e influenciando a cotação do dólar. A AGU, em um ato que desafia qualquer lógica, resolve levar a sério essa história e aciona a Polícia Federal para investigar o perfil satírico por supostas “fake news” que influenciam a cotação do dólar.
É irônico que, enquanto a Polícia Federal é acionada para investigar memes, não haja qualquer iniciativa para apurar a fake news oficial de que eles alteram o mercado
E quem investiga a fake news do governo? A mentira de que um meme tem poder de desestabilizar o câmbio foi desmentida pelo próprio Gabriel Galípolo, futuro presidente do Banco Central indicado por Lula. Ele precisou ir a público para deixar claro que não pensa que investidores profissionais baseiam suas decisões em postagens de humor. Se o mercado acreditasse que o governo realmente leva essa tese a sério, a credibilidade do país estaria em ruínas. E com razão: uma nação onde o governo age como se memes influenciassem o dólar não inspira confiança.
O problema não para por aí. A criação dessa falsa narrativa expõe como o termo “fake news” tem sido sistematicamente esvaziado e transformado em arma política. No lugar de combater desinformação real, o conceito tem sido distorcido para justificar medidas autoritárias e sufocar críticas. Se memes humorísticos podem ser classificados como fake news, então qualquer discurso que incomode o governo pode ser enquadrado da mesma forma. Não se trata apenas de um ataque à liberdade de expressão, é um ataque à inteligência do público.
Parte da imprensa desempenhou um papel constrangedor nesse episódio, validando a narrativa governamental. Ao embarcar na tese de que memes humorísticos são fake news e influenciam o câmbio do dólar, esses veículos jogaram sua credibilidade no lixo. “O business do político é mentir”, diriam alguns, mas a imprensa tem outra missão: buscar a verdade e informar o público com responsabilidade. Quando abandona esse papel para agradar autoridades, o custo é alto e não apenas para os jornalistas, mas para a sociedade como um todo.
É irônico que, enquanto a Polícia Federal é acionada para investigar memes, não haja qualquer iniciativa para apurar a fake news oficial de que eles alteram o mercado. O governo, ao transformar piadas em caso de polícia, acaba expondo sua própria fragilidade. O objetivo dessa narrativa absurda talvez fosse desviar a atenção de questões mais sérias, mas o tiro saiu pela culatra. A piada ganhou vida própria, e o governo virou o alvo.
O uso deliberado de “fake news” como justificativa para ações desproporcionais é perigoso. Esse tipo de medida mina as bases fundamentais da democracia. A liberdade de expressão não pode ser refém de conveniências políticas ou estratégias de controle narrativo. Ela é a mais importante de todas as liberdades.
Conteúdo editado por: Jocelaine Santos