Guerras de informação são parte de todas as guerras. Desinformação é um tema de “warfare”, negócios de guerra, usada desde tempos ancestrais como uma arma muito efetiva. Os grupos terroristas elevam isso a um outro patamar na era das redes sociais e da economia da atenção. Poucas coisas capturam a atenção mais do que o terror. Somos movidos pelo choque. A falta de qualquer ética ou princípio civilizatório desses grupos faz com que a barbárie seja transformada num espetáculo para consumo via redes sociais.
A realidade já é chocante o suficiente, mas agora ela pode ser facilmente falseada e reescrita. Isso ocorre porque mudou a forma como consumimos informações sobre guerras. Antes das redes sociais, todos os principais veículos de comunicação do mundo tinham correspondentes de guerra, profissionais que apuravam e validavam informações.
Pallywood é uma mistura entre Palestina e Hollywood. São vídeos de influencers que simulam situações de guerra, publicados livremente em redes sociais.
Obviamente não era um sistema perfeito. Correspondentes de guerra têm restrições de circulação e, além disso, são humanos, podem errar. Ocorre que eram postos de prestígio, onde atuavam jornalistas já muito experimentados na imprensa. Além disso, eles tinham como patrões os órgãos de comunicação para os quais trabalhavam. Isso quer dizer que havia um método de apuração que seguiam e havia quem cobrar no caso de erros.
O cenário começa a mudar na Primavera Árabe, em 2011. Vídeos produzidos por populares ganham a internet e a mídia. O público não é mais testemunha em segunda mão, não vê mais a realidade pelos olhos do correspondente de guerra. Agora o público está no meio da revolução. É um avanço benéfico que começa a ser visto como oportunidade por grupos terroristas. E se eles próprios produzissem material a ser misturado com o material legítimo feito pela população? Organizados, têm muito mais chance de viralizar e chegar à imprensa do que qualquer conteúdo legítimo produzido por cidadãos comuns.
A guerra de narrativas e de desinformação já foi vencida pelo Hamas, pelo menos em termos de ocupação de espaços de mídia e de mídias sociais.
O Estado Islâmico foi o primeiro a mirar diretamente na fragilidade dos ocidentais. Arregimentou um rapper negro alemão, Deso Dogg, para produzir conteúdos sob medida. Eram os famosos vídeos de decapitações, feitos meticulosamente para gerar pânico no Ocidente. O conjunto de estratégias voltadas para a linguagem da cultura pop e apelo vitimizante arregimentou cerca de 40 mil ocidentais para o grupo. Um número impressionante de cerca de 3 mil ocidentais chegou a se mudar para o califado. A aposta deu certo e se multiplicou. A forma de tratar imagens chocantes torna os grupos terroristas mais fortes na guerra digital, já que eles não têm limites.
Esta semana, o Consulado de Israel em São Paulo reuniu jornalistas para exibir imagens dos ataques terroristas do Hamas em 7 de outubro. Era um vídeo de 43 minutos com imagens das câmeras dos terroristas que registravam a própria ação, de vítimas que filmaram dos celulares e das forças de segurança que fizeram a primeira resposta ao ataque. Só era possível ver as imagens e reportar depois. Elas não foram compartilhadas. A exibição foi feita por meio de um computador militar operado pelo adido militar do consulado para impedir o risco de vazamento.
Quando falamos de Hamas, os métodos são diferentes. Não há nenhum cuidado com as imagens. Pior que isso, existe a produção de imagens fictícias com o intuito de vitimização e espetacularização. É algo feito sob medida para satisfazer o apetite ideológico de boa parte da imprensa. Isso se junta à velocidade da divulgação, em que a checagem é sacrificada em nome da ideia de dar a notícia primeiro ou pelo menos de não ficar atrás daqueles que já divulgaram.
Nesse caldeirão surge o que a internet começou a chamar de Pallywood, uma mistura entre Palestina e Hollywood. São vídeos de influencers que simulam situações de guerra, publicados livremente em redes sociais. Um ator do Hamas ficou famoso nos últimos dias, Saleh Aljafarawi, conhecido como “Mr. FAFO”. É um youtuber palestino famoso antes da guerra. O apelido vem de uma postagem em que ele escreve “F*ck Around, Find Out”. Antes, ele postava vídeos com seus dotes de cantor.
Pallywood é um fenômeno cruel porque alimenta a tendência de tratar uma guerra e dramas humanos profundos como se fossem filmes de ação.
As Big Techs estão atentas ao fenômeno e têm derrubado as contas dele e outras do mesmo tipo. Ele cria novas e seus vídeos são postados também por outras contas. Durante o período da guerra, Mr. FAFO já se apresentou como radiologista, cantor, equipe de emergência, vítima de ataque aéreo, paciente de hospital, vítima de ataque com gás e pai de vítimas de ataque aéreo. Por meio de influencers ocidentais, os vídeos ganham as redes como se fossem verídicos.
Ele acabou virando uma espécie de celebridade da internet quando muita gente começou a perceber a farsa. Acabou indo parar em várias agências de checagem de fatos, mas não pelos vídeos encenados. Um vídeo de um paciente, vítima de ataque aéreo, viralizou nas redes. Muita gente que conhecia Mr. FAFO passou a dizer que era mais uma de suas gravações. Havia realmente uma grande semelhança física, mas era uma vítima real, um palestino que vivia no campo de refugiados de Nur Shams.
Essa checagem de fatos, necessária e correta, foi feita de forma diligente pelas agências. Os outros inúmeros vídeos encenados, no entanto, não são tratados da mesma forma. Pallywood é um fenômeno cruel porque alimenta a tendência de tratar uma guerra e dramas humanos profundos como se fossem filmes de ação. Quem está torcendo para um lado só vê nele mocinhos e se torna incapaz de qualquer contato com dores humanas legítimas.
É algo benéfico para a estratégia do Hamas, de se vitimizar para justificar a barbárie do terrorismo. Não há, nessa dinâmica, consideração humana pelas vítimas, sejam elas israelenses ou palestinas. O que importa é dominar a narrativa nas mídias sociais e na imprensa. Estamos diante de uma luta desleal em que, ao que tudo indica, temos um vencedor. A guerra de narrativas e de desinformação já foi vencida pelo Hamas, pelo menos em termos de ocupação de espaços de mídia e de mídias sociais.
Resta saber se esse é ou não o sentimento da maioria das pessoas. A narrativa pode ganhar espaço por dois motivos. O primeiro é que a maioria efetivamente acredite nessas versões. O segundo é que a maioria simplesmente se cale porque pensa que não vale a pena discutir com gente fanatizada e disposta a acreditar nas encenações grotescas de Pallywood.
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