A imprensa internacional está questionando duramente um estudo que acaba de ser publicado na revista Science, feito pela Harvard Business School e pelo Massachusetts Institute of Technology. Para o experimento, eles manipularam o algoritmo da área “pessoas que talvez você conheça” do Linkedin durante 5 anos para 20 milhões de usuários sem que eles soubessem. É a função que oferece novas conexões com outros usuários.
Nessa campanha eleitoral, talvez a gente tenha ouvido falar mais de redes sociais do que de políticos. Toda hora tinha uma história de manipulação, de riscos, de novas descobertas, novos usos, novas funcionalidades, uma lei, uma decisão judicial.
Nós enfiamos nesse balaio de debates e dúvidas as redes que mais usamos. WhatsApp, YouTube, Facebook, Instagram e até o queridinho dos jornalistas, o Twitter. Mas até hoje o Linkedin estava fora dessa. Ele era o bom moço da história.
Por aqui a questão não repercutiu muito, mas foi capa dos principais jornais internacionais. A questão ética está em dois pontos específicos. O primeiro é o do uso dos dados das pessoas sem que elas sejam avisadas, algo levado a sério em países civilizados. O outro ponto é que mudar o algoritmo para testar reações pode ter impactos reais no destino das pessoas. Se isso resultar numa chance melhor, tudo bem. Mas e se essa mudança tirar a melhor chance da vida de alguém? Isso pode ocorrer, não tem como medir nem como compensar.
Muito provavelmente você e boa parte das pessoas com quem você convive teve de construir uma vida profissional da forma tradicional, trabalhando e cuidando da reputação.
Vamos agora ao experimento em si. Ele teve o objetivo de colocar à prova uma teoria que é considerada pelo chefe da equipe, Sinan Aral, professor de Ciência de Dados do MIT, uma das teorias mais influentes de ciência social do último século. É a chamada Teoria da Força dos Laços Fracos. O nome é provocativo mas se você pensar nas próprias experiências de vida vai começar a ver sentido na história.
Quem criou a tese foi um professor de Stanford chamado Mark Granovetter. Ele divide nossos laços sociais entre fracos e fortes. Os fortes são os de familiares, amigos e colegas de trabalhos. Os fracos são os de conhecidos de trabalho, amigos de amigos e pessoas apresentadas em alguma situação específica. A pesquisa preliminar dele aponta que esses laços fracos nos levam a melhores oportunidades de trabalho do que os laços fortes.
Como comprovar isso? Analisando 2 bilhões de laços entre pessoas e os empregos que elas conseguiriam depois. Só que isso dependeu da manipulação de algoritmos sem que os 20 milhões de usuários que foram estudados soubessem disso. Quando você adiciona pessoas à sua rede no Linkedin, a plataforma mostra uma lista de “pessoas que você talvez conheça”. Os usuários estudados foram divididos em grupos.
Para alguns grupos, o algoritmo indicava uma prevalência de perfis com quem eles têm laços fortes nessa função de “pessoas que você talvez conheça”. Então, eles eram incentivados a aumentar o seu círculo com base nesses perfis. Para outros, o algoritmo indicava uma prevalência de perfis com quem as pessoas têm laços fracos. Assim, os usuários eram incentivados a aumentar suas redes com esse tipo de perfil.
Todos têm liberdade para aumentar a própria rede como quiserem, buscando perfis específicos. Na prática, não é bem assim que acontece. Nós até buscamos perfis específicos mas, depois, acabamos adicionando quase automaticamente aquele conhecido que aparece ali e não havíamos procurado.
No final das contas, a rede aumenta muito mais pelas sugestões feitas pelo Linkedin do que pela busca ativa dos usuários. Isso acaba determinando a forma como eles estruturam suas redes profissionais, com quem interagem e, consequentemente, potenciais oportunidades de emprego.
Sinan Aral disse que, de forma surpreendente, os números coletados ao longo de cinco anos de levantamento das relações e evolução profissional de 20 milhões de pessoas com contas no Linkedin confirmaram a teoria. Não são, no entanto, os laços mais fracos que trazem as melhores oportunidades profissionais. São os moderadamente fracos. Aquelas pessoas com quem temos alguma relação profissional mas não são nossos colegas de trabalho, familiares ou amigos.
Nesse ponto, a gente já começa a pensar que o Brasil é diferente. Por aqui vigora o famoso QI, Quem Indicou. É uma hipótese interessante investigar a diferença entre Brasil e Estados Unidos.
Mas generalizações sobre a nossa cultura também são perigosas. Há um grupo determinado e privilegiado que pode desfrutar das benesses das indicações. Muito provavelmente você e boa parte das pessoas com quem você convive teve de construir uma vida profissional da forma tradicional, trabalhando e cuidando da reputação.
Herdeiros de negócios existem no mundo todo. Nós trabalhamos para que nossos filhos possam usufruir de uma vida mais confortável que a nossa. Não quer dizer que isso altere de forma significativa as relações de trabalho nas empresas, até porque já existem sistemas profissionais de administração até para negócios familiares.
O mundo digital não é um mundo paralelo, é parte da nossa vida real. Aqui falamos de uma pesquisa que mudou decisões sobre como formar redes profissionais,
Na minha experiência pessoal, que provavelmente é parecida com a sua, houve momentos de necessidade em que recorri aos mais próximos. E também aos não tão próximos e até a distantes e desconhecidos. É desse último grupo que sempre vieram as minhas melhores oportunidades. Meu caso, pelo menos, coincide com o estudo. Por aqui há até aquele ditado que “a ajuda vem de onde menos se espera”.
Talvez a gente coloque muitas esperanças no círculo próximo pela expectativa emocional de que nos ajudem em determinados momentos. Mas as grandes oportunidades surgem quando nós somos a ajuda profissional que alguém sem laços afetivos precisa. As razões do comportamento, no entanto, não foram estudadas. O que se mediu é o progresso profissional de quem fez mais relações com pessoas próximas e de quem fez mais relações com pessoas não tão próximas. O espaço amostral de 20 milhões de indivíduos durante cinco anos é bastante significativo.
Qual a razão do estudo? Os cientistas dizem que “as descobertas nos ajudam a entender como os algoritmos da plataforma afetam as oportunidades e os resultados de emprego e ajudam o Linkedin a projetar sua plataforma para ajudar seus membros a encontrar empregos e alcançar a mobilidade social e econômica de forma mais eficaz”.
Muito interessante, mas voltamos à questão ética. Os destinos de milhões de pessoas foram deliberadamente alterados. Algumas acabaram vivendo melhor, outras não tiveram mudança, outras perderam oportunidades. O mundo digital não é um mundo paralelo, é parte da nossa vida real. Aqui falamos de uma pesquisa que mudou decisões sobre como formar redes profissionais, fazer networking e teve impacto decisivo em indivíduos.
"O estudo foi investigado e aprovado pelo Comitê do MIT sobre o uso de seres humanos em pesquisa e esses tipos de experimentos de algoritmo, além de ajudar as plataformas a melhorar, também são padrão em todo o setor", informaram os pesquisadores. O padrão, portanto, é que se permite a manipulação dos algoritmos das redes sociais como o Linkedin para determinados fins sabendo que haverá impactos reais e irreversíveis na vida de algumas pessoas. No caso específico, de milhões de pessoas.
Estamos diante de um dilema ético que precisará ser resolvido e ainda não temos respostas razoáveis.
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