Se você está lendo minha coluna, provavelmente já passou um bom tempo navegando nas redes sociais. O que talvez não saiba é que as pessoas tendem a repetir e copiar comportamentos nas redes que, segundo o cientista Jay Van Bavel, parecem um "manual do diabo". Ele fala em sentido figurado, claro. A referência é a quatro comportamentos que parecem corriqueiros e inofensivos mas são incendiários. Eles ativam o pior da alma humana, como se tivessem poder demoníaco.
Jay Van Bavel é professor associado de Psicologia e Neurociência na Universidade de Nova York. Ele dirige o Social Identity and Morality Lab e seu trabalho se concentra na forma como os contextos sociais e culturais afetam nossos cérebros e comportamentos. Van Bavel publicou mais de 100 artigos científicos sobre temas como identidade, moralidade e comportamento de grupo, e é frequentemente convidado a falar sobre os impactos das redes sociais na psicologia humana.
Cada dia, rolamos aproximadamente 90 metros de conteúdo nas redes sociais. Esse engajamento constante não é apenas um hábito ou tendência, ele altera fundamentalmente nossas identidades e realidades. As redes sociais podem agir como um espelho de parque de diversão, distorcendo a forma como vemos a realidade e nos colocando em conflitos que sequer existem.
Recentemente, Jay Van Bavel discutiu suas pesquisas sobre os impactos profundos das redes sociais em nosso comportamento psicológico e social no podcast Plain English with Derek Thompson. Ele resumiu sua pesquisa em um “manual do diabo“ do engajamento online e discutiu quatro leis sombrias do comportamento online que moldam nossas relações sociais.
1. A negatividade impulsiona o engajamento
Não é segredo que nossos cérebros são programados para responder mais fortemente a informações negativas do que a estímulos positivos. Esta característica evolutiva, destinada a nos proteger de perigos, agora sustenta a estrutura de nossas interações digitais. "Nossa pesquisa encontra que palavras negativas em manchetes de notícias aumentam significativamente as taxas de cliques", explica Van Bavel. "Para uma manchete de comprimento médio, cada palavra negativa adicional aumentou a taxa de cliques em 2,3%."
Este viés de negatividade não é apenas um reflexo das práticas da mídia, mas um aspecto fundamental da psicologia humana. Online, essa predisposição é amplificada pelos algoritmos, criando um cenário onde o conteúdo mais sombrio e alarmante ganha destaque. Isso gera uma demanda por conteúdo ainda mais negativo.
2. O extremismo atrai atenção
Vozes moderadas frequentemente são abafadas por perspectivas mais extremas. No Twitter, 97% das postagens políticas vêm de 10% dos usuários mais ativos, e 90% das opiniões políticas são representadas por menos de 3% dos tweets. "Porque esses usuários são desproporcionalmente extremos, cria-se uma situação onde a maioria moderada, que pode ser dominante na realidade, está ausente online," diz Van Bavel.
Por que isso acontece? Porque o extremismo é envolvente, ele desperta indignação, gera comentários e alimenta o fogo do conteúdo viral. Este desvio cria uma falsa percepção de polarização, onde o meio-termo parece desaparecer no éter da raiva e fervor online.
3. O embate com o grupo adversário gera cliques
Outra lei sombria discutida por Van Bavel é como as menções de inimigos políticos podem aumentar as chances de um conteúdo viralizar. "Em um estudo, descobrimos que postagens sobre o grupo político rival eram compartilhadas ou retweetadas cerca de duas vezes mais do que postagens sobre o grupo em si."
Falar mal dos outros engaja mais que falar bem da gente. É uma dinâmica básica de grupo. Identificar e se unir contra um inimigo comum solidifica os laços do grupo interno e é um motivador poderoso para o engajamento online. O algoritmo é programado para maximizar a interação do usuário, então vai priorizar conteúdos divisionistas, que coloquem uns contra os outros.
4. A linguagem do falso moralismo emocional dá mais engajamento
A linguagem que usamos online impacta significativamente como o conteúdo é compartilhado e percebido. Utilizar uma linguagem moral-emocional (palavras que transmitem indignação moral ou virtude, sem que isso necessariamente seja legítimo) pode tornar uma postagem muito mais compartilhável. "Observamos que a presença de palavras morais-emocionais em mensagens aumentou sua difusão em 20% para cada palavra adicional," afirma Van Bavel.
Seja indignação ou admiração, usar linguagem com peso emocional alimenta a capacidade de viralização de uma maneira que uma frase neutra dificilmente consegue. Fingir indignação ou admiração funciona igual, aqui não falamos de credibilidade, mas de usar palavras emocionais. Essas postagens vão aparecer mais no feed e também gerar incentivo para compartilhar mais conteúdo com essa linguagem.
É possível escapar desse ciclo de comportamentos sombrios?
As quatro leis sombrias – negatividade, extremismo, embate com o grupo rival e linguagem moral emocional – são os pilares do engajamento no mundo digital. Compreender essas dinâmicas oferece insights sobre nossos comportamentos digitais e fornece um roteiro para navegar e melhorar nossos ambientes online.
Reconhecendo os padrões usando essas quatro leis, podemos nos esforçar para criar espaços digitais que promovam interações mais saudáveis e perspectivas mais equilibradas.
Há 3 dicas de ouro para fugir do efeito das quatro leis sombrias:
1. Reconhecer quando a linguagem está sendo usada para criar divisão por líderes, propagandistas, trolls e operativos estrangeiros. Eles estão tentando manipular você e corroer a confiança pública para que eles passem a ser a referência. No medo, muita gente confia em quem não é confiável.
2. Ao interagir com outros online, tente enquadrar seu discurso numa lógica de melhor persuasão e entendimento. Escolha uma linguagem que enfatize valores e objetivos comuns, em vez de desumanizar aqueles que discordam de você ou do líder que você admira.
3. Evite quem usa uma linguagem alarmista, nós-contra-eles ou preto-e-branco, em que se demoniza qualquer um que não concorde 100% com o pacote ideológico. Procure sempre quem relata eventos de forma equilibrada e compartilhe essas fontes com pessoas que você conhece.
Nosso desafio é utilizar esse conhecimento para o bem, criando um ambiente digital que nos una ao invés de nos dividir. Podemos e devemos fazer escolhas que fomentem um diálogo mais construtivo e uma sociedade mais coesa. Afinal, a verdadeira força da humanidade reside na nossa capacidade de nos conectar, entender e crescer juntos. Que possamos escolher o melhor caminho e usar as redes sociais como uma ferramenta para o bem.
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