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Esta semana, a Gazeta do Povo noticiou, numa reportagem de Guilherme Grandi, o aumento do antissemitismo no Brasil após a fala de Lula. Não foi pouca coisa, foram 236% de aumento. A Fisesp, Federação Israelita do Estado de São Paulo, tem um departamento de segurança comunitária, o DSC. Ele recebe denúncias de eventos de antissemitismo tanto nas redes sociais como offline.
Já havia uma tendência preocupante de alta desde o ataque terrorista do Hamas, em 7 de outubro. Na semana anterior à declaração do presidente Lula, foram 46 denúncias. Na semana posterior, foram 157.
“A afirmação feita pelo presidente fez uma perversa distorção da realidade, pois estamos vivendo uma onda de ataques antissemitas desde o ataque do Hamas a Israel em 7 de outubro e isso ganhou ainda mais força após a declaração. Os judeus no Brasil estão sendo atacados em qualquer lugar. Inclusive quatro dessas denúncias são extremamente preocupantes, pois são de jovens em idade escolar que sofreram ataques dentro das instituições de ensino onde estudam, o que coloca a sua segurança em jogo. O Brasil deveria ter um compromisso mais tangível com a paz.”, afirmou em nota oficial o presidente da Fisesp, Marcos Knobel.
Em Bombinhas, litoral norte de Santa Catarina, a polícia evitou uma tragédia relacionada a neonazismo. Não é um dos casos que consta dos registros. Ou seja, o fenômeno antissemita pode ser bem maior do que essas queixas oficiais dão conta de documentar.
Se chegarmos ao absurdo de normalizar as agressões contra um grupo, é esperado que isso escale para outros grupos.
Na sexta-feira, dia 23 de fevereiro, cinco dias após a declaração do presidente Lula, uma menina de apenas 12 anos de idade foi apreendida pela polícia na escola em que estudava, em Bombinhas. Ela mantinha conversas com neonazistas e planejava um atentado na escola em que estudava. É um caso complexo e antigo. Seria irresponsável fazer qualquer ligação entre ele e a fala do presidente ou até mesmo o lodaçal de antissemitismo que tomou conta das redes depois dela. (Falei sobre este fenômeno na coluna da semana passada).
Trago o caso aqui para mostrar o risco que corremos quando esses dois fenômenos diferentes se entrelaçam. O primeiro é a onda de neonazismo que já é combatida há anos no Brasil e em outras partes do mundo. O outro é a onda recente de normalização das declarações antissemitas.
A menina de 12 anos já era investigada por ligações com grupos neonazistas, chegou a ser monitorada até mesmo pelo FBI. Além disso, ela tinha comportamento problemático. Chegou a fazer uma live nas redes sociais maltratando o gato da família. Além disso, submetia o irmão a situações vexatórias e foi flagrada uma vez com um facão na escola, mas não foi apreendida.
Ela continuou a ser monitorada pelas autoridades até que a situação chegou a um ponto crítico. A menina planejava matar o irmão e fazer uma chacina na escola em que estudava. A conexão com os grupos neonazistas não parava.
As autoridades solicitaram a apreensão da menina. O Ministério Público de Santa Catarina foi favorável. O Poder Judiciário aprovou a ação. Ela foi apreendida de manhã pela polícia no colégio em que estuda e encaminhada para exame de corpo de delito no Instituto Médico Legal antes de ser levada ao Centro de Internação Feminino de Florianópolis.
Felizmente, casos assim são a exceção absoluta. E é reconfortante saber que foi evitada uma tragédia devido à vigilância das autoridades. Vivemos tempos em que dá a impressão de que “ninguém está fazendo nada”. Tem gente trabalhando muito, em silêncio e com eficiência. Casos como esses, de envolvimento com grupos neonazistas e planejamento de assassinatos em escolas são um desafio em diversos países. Depois de tragédias que infelizmente se concretizaram, temos a certeza de que é necessário investir todos os esforços para evitar esse tipo de coisa.
Justamente neste momento, temos uma permissividade com discurso antissemita. É perigoso e precisamos, como país e sociedade, reverter essa tendência. Muitas das pessoas que engajam em discursos antissemitas não são relacionadas com movimentos neonazistas. É algo muito menos organizado, relacionado com a vontade de sinalizar virtude nas redes.
Israel se converteu em um folclore ideológico. Não é um país, não tem pessoas, não tem relação com a história do povo judaico e nem com a reorganização do mundo civilizado após a tragédia do Holocausto na II Guerra Mundial. É só um folclore que representa o tal do imperialismo ianque.
O antiamericanismo é sinalização de virtude em determinados grupos. Os judeus também passam a simbolizar, nesse folclore, a figura do branco colonialista opressor. Pouco importa que não sejam brancos nem colonialistas ou que sejam até oprimidos. A vida de quem acredita nessas coisas é desvinculada da realidade.
Estar do lado certo da história, nesses grupos, é defender a Palestina oprimida. A ideia de defesa, no entanto, é ir às redes sociais atacar judeus ou até fazer isso no dia a dia. Não sabemos de que forma isso seria capaz de “libertar a Palestina”, mas é algo que se tornou comum.
As entidades judaicas têm se empenhado em identificar casos concretos e responsabilizar os culpados. É uma ação que fica prejudicada quando o discurso antissemita é normalizado. Sobretudo quando há grupos que dão likes e aceitação para os que fazem esses discursos. Diante do entrelaçamento de dois fenômenos – o crescimento do neonazismo e a sinalização de virtude por meio do antissemitismo –, temos um desafio gigantesco como sociedade.
Se chegarmos ao absurdo de normalizar as agressões contra um grupo, é esperado que isso escale para outros grupos. É triste essa perspectiva num país que sempre foi conhecido pela convivência pacífica. Seria muito interessante que nossas autoridades baixassem o tom, parassem de apostar em polarização e se voltassem para a solução dos problemas reais dos brasileiros, como economia, emprego e endividamento. A grande questão é o que faria com que as autoridades tomassem este rumo.
Conteúdo editado por: Jocelaine Santos