A confiança do público nos jornalistas parece depender significativamente do papel que nós desempenhamos. Isso foi evidenciado por um estudo recente conduzido por Randy Stein e Caroline Meyersohn, publicado na revista Communication Research. Neste estudo, detalhado em um artigo para o Nieman Lab, da Universidade de Harvard, fica claro que os leitores tendem a confiar mais nos jornalistas quando estes revelam fatos do que quando desmentem algo que consideram falso.
Nos últimos 10 anos, vimos um aumento substancial na importância das agências de checagem de fatos. Estas agências surgiram como uma resposta à proliferação de notícias falsas e desinformação, especialmente no ambiente digital. No entanto, este estudo revela que as checagens de fatos enfrentam resistência e desconfiança por parte do público.
Os resultados sugerem que a prática de checagem de fatos, alardeada como essencial para combater a desinformação, pode ser recebida com ceticismo. “As tentativas de desmentir podem gerar dúvidas sobre a honestidade e as motivações dos jornalistas”, explicam os autores. Isso ocorre porque, ao corrigir um erro, o jornalista pode ser visto como um "estraga-prazeres", o que afeta negativamente a percepção pública. Esse fenômeno reflete uma dinâmica onde o ato de corrigir algo pode ser percebido como um ataque à crença ou opinião do leitor, o que naturalmente gera resistência.
O estudo não analisou tendências ideológicas, nem dos jornalistas, nem do público. Avaliou apenas a reação a textos, sem que as pessoas soubessem a ideologia de quem elaborava textos informativos ou textos de checagem de fatos.
Essa desconfiança pode ser um reflexo direto da crise de confiança que o jornalismo enfrenta
Foram feitos dois experimentos que ilustram essa desconfiança. No primeiro, os participantes avaliaram checagens de fatos que corrigiam ou confirmavam afirmações relacionadas à política e economia. Embora o público geral tenha demonstrado uma confiança básica nos jornalistas, aqueles que corrigiam informações falsas foram vistos com mais desconfiança, duplicando o número de pessoas que expressaram forte ceticismo em relação a eles.
No segundo experimento, os participantes foram expostos a alegações de marketing, algumas verdadeiras e outras falsas. Novamente, os resultados mostraram que os leitores exigiam mais evidências para acreditar em correções de falsidades do que em confirmações de verdades. “As pessoas pensam que precisam de mais provas para acreditar em artigos que apontam falsidades”, destacam Stein e Meyersohn.
Essa desconfiança pode ser um reflexo direto da crise de confiança que o jornalismo enfrenta, especialmente em uma era de guerra cultural, polarização e fake news. As agências de checagem de fatos acabam sendo vistas com suspeita quando questionam ou desmentem informações que já foram assimiladas pelo público.
Além disso, o estudo levanta questões importantes sobre a natureza do consumo de informação na era digital. Vivemos em um tempo em que as pessoas tendem a se cercar de bolhas informativas, consumindo conteúdo que confirma suas crenças e valores preexistentes. Quando confrontados com informações que contradizem essas crenças, a reação natural pode ser de rejeição ou desconfiança, especialmente quando essas correções vêm de jornalistas ou agências de checagem de fatos.
Para o jornalismo, isso representa um desafio significativo. Como os jornalistas podem cumprir seu papel sem alienar seu público? O estudo sugere que a chave pode estar na transparência e na construção de um formato que não apenas corrija, mas que também engaje o leitor de maneira construtiva e positiva.
A prática de checagem de fatos precisa evoluir para lidar com essa nova realidade. É necessário desenvolver estratégias que permitam aos jornalistas desmentir informações falsas sem serem vistos como "caçadores de erros". Isso pode envolver maior transparência na metodologia utilizada, uma linguagem mais acessível e a criação de um diálogo mais aberto com o público.
Em última análise, o estudo conduzido por Stein e Meyersohn destaca uma verdade incômoda: a confiança do público está profundamente enraizada em uma narrativa que confirma suas crenças, mais do que em uma que as desafia. Para os jornalistas e para as agências de checagem de fatos o desafio é grande, mas essencial: como garantir que a verdade prevaleça em um ambiente onde a correção é vista com desconfiança?
Essa questão não é apenas acadêmica, mas vital para o futuro do jornalismo e da democracia. Num tempo em que as autocracias se fortalecem, o papel dos jornalistas é muito necessário mas também muito difícil de ser cumprido.
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