Esta semana, a Meta – dona do Facebook, Instagram e WhatsApp – lançou um aplicativo feito à imagem e semelhança do Twitter. A proposta é ter um ambiente menos tóxico do que a plataforma de Elon Musk. A grande questão é se realmente existe a possibilidade de substituir o Twitter. Por mais dissociada da realidade que seja, a briga comercial foi arrastada para o campo ideológico. Influencers progressistas saíram alardeando que finalmente teremos um ambiente livre de desinformação e discurso de ódio. Há três pontos muito curiosos nesse raciocínio.
O primeiro é a hipótese ingênua de que o ambiente tóxico da rede social é gerado apenas pelo algoritmo e não pelas pessoas que estão ali. Obviamente o algoritmo ajuda a tirar o pior das pessoas porque é desenhado para nos manter usando a plataforma o máximo de tempo possível. Muita gente imagina que vê as postagens de quem segue. Não funciona assim há mais de uma década. A rede social coloca na sua timeline o conteúdo que potencialmente fará você interagir mais, seja curtindo, compartilhando ou comentando. Conteúdos que causam ódio são os que mais geram engajamento, então acabam sendo mais distribuídos. Se as pessoas não gostassem tanto dessa emoção, a lógica não funcionaria.
A premissa básica do que é o Threads funciona numa lógica complicada. Ele sabe o que não quer ser, mas não há um projeto claro do que ele pretende ser.
O segundo ponto é acreditar que a Meta, dona do Facebook, seria um ator confiável para a tarefa de conter desinformação e discurso de ódio, qualquer que seja a definição que se dê a isso. Infelizmente, tem sido algo muito fluido e pouco objetivo. O caso é que a empresa está no centro de casos internacionais rumorosos. No documentário Privacidade Hackeada, que fala de manipulação de eleições, tudo gira em torno do Facebook. Mark Zuckerberg é figurinha carimbada em depoimentos no Congresso dos Estados Unidos sobre o tema. Os processos bilionários e investigações rumorosas têm sempre essa empresa no centro das ações. É natural questionar o que seria tão diferente agora, já que o Threads é um aplicativo que dialoga com todos os outros da mesma empresa.
O terceiro ponto é a ideia de que a possibilidade de um monopólio ou de eliminação de concorrência econômica poderia trazer mais liberdade ou um ambiente menos tóxico. A concentração de poder é uma das críticas mais contundentes ao mercado das redes sociais. Ele foi erigido sobre a pedra da liberdade para as pessoas, mas se transformou num ramo econômico para pouquíssimos players e com a tendência canibal de eliminar os concorrentes. Quando surge uma novidade, os gigantes se oferecem para comprar. Pode ser que a oferta seja apenas para eliminar o outro player, como se fez com o Orkut. Diante de uma recusa, como ocorreu no caso do Snapchat, as funções são copiadas na plataforma dos gigantes até asfixiar a novidade. Ou pode ser que as empresas sejam apenas integradas no sistema da gigante, como foi feito com Instagram e WhatsApp.
Toda a mensagem gira em torno de ser algo capaz de coibir o ambiente tóxico.
O lançamento do Threads foi feito de forma diferente. Os grandes influencers foram convidados para ocupar a plataforma antes do lançamento para o grande público. O objetivo da ação foi atingido, levando para o aplicativo milhões de usuários do mundo todo em apenas algumas horas.
Muita gente está comemorando o ambiente mais arejado, o que é verídico. O aplicativo acabou de ser lançado e o algoritmo ainda está aprendendo o que cada usuário quer ver e os usuários estão começando a usar. Eu entrei no Twitter em 2007, naquela época nós escrevíamos onde estávamos, por exemplo. Não havia muitas ferramentas para diálogo e nem likes. Foi uma mudança que demorou anos até o modelo a que chegamos hoje.
Elon Musk disse que pretende processar a Meta por copiar o sistema que comprou por US$ 44 bi. Acusa a empresa de violar segredos industriais e contratar ex-funcionários para desenvolver a aplicação, o que violaria contratos e leis locais. Uma carta de interpelação extrajudicial de uma empresa a outra foi vazada pelo site Semafor e a autenticidade do documento foi confirmada pela CNN.
Não há uma manifestação clara de qual é o papel que essa rede pretende exercer na sociedade e qual sua utilidade.
Ter estruturas parecidas até visualmente não significa, no entanto, que a substituição é possível. A natureza do Twitter é fundamentalmente diferente de todos os outros produtos da Meta e, principalmente, funciona em voo solo. É uma rede social que tem um fim em si mesma, não dialoga com nenhum outro serviço da mesma empresa, até porque ela não tem.
O Threads ganhou um número de usuários absolutamente impressionante e está promovendo bastante os influencers mais conhecidos. Ocorre que o poder do Twitter não está nem no tamanho da rede nem no peso dos influencers. Ele é importante pela capacidade de pautar a imprensa mainstream, principalmente na área da política. Em setembro do ano passado, aqui na coluna Cidadania Digital, fiz um texto longo sobre o perfil do Twitter e o tipo de uso feito dele. Nos Estados Unidos, é uma rede para apenas 20% das pessoas. Aqui no Brasil, metade disso. A maioria dos perfis nem usa tanto.
Ter um Twitter usado na mesma perspectiva do Instagram pode funcionar e pode dar muito errado.
Cerca de 80% do conteúdo postado é produzido por apenas 10% dos usuários. Se nós distribuíssemos os posts feitos por mês entre todos os usuários, daria dois tweets ao mês, um a cada duas semanas. Toda hora você vê uma notícia de que alguém tuitou algo e os tuiteiros mais famosos postam diversas vezes ao dia. Fazendo a conta, a maioria não posta nunca, quase não posta na vida. Há dúvidas de se chegam a acessar ou só têm a conta. O importante é pautar a mídia, não ganhar volume.
O Threads tem seu funcionamento atrelado ao do Instagram, você pode inclusive passar a seguir os mesmos perfis que já segue na outra rede. Ocorre que as pessoas usam de forma muito diferente o Twitter e o Instagram, inclusive seguem perfis muito diferentes. Ter um Twitter usado na mesma perspectiva do Instagram pode funcionar e pode dar muito errado.
Muita gente assumiu que, por se propor a ser menos tóxico, o Thread teria uma timeline cronológica. Ou seja, você só vê as postagens de quem você segue e à medida em quem são feitas. Não é assim que ocorre, é mostrando o conteúdo que supostamente seria o mais interessante para o usuário.
Novos usuários reclamam que não conseguem deixar de ver a enxurrada de postagens de grandes influencers que não seguem. Existe uma opção para não ver tais postagens, mas há pessoas reclamando que ativaram isso e continuam vendo os posts de influencers que nem sabem quem são.
A premissa básica do que é o Threads funciona numa lógica complicada. Ele sabe o que não quer ser, mas não há um projeto claro do que ele pretende ser. Toda a mensagem gira em torno de ser algo capaz de coibir o ambiente tóxico. Não há, no entanto, uma manifestação clara de qual é o papel que essa rede pretende exercer na sociedade e qual sua utilidade na vida das pessoas.
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