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A essa mesma hora, no sábado passado, o clima nas redes sociais e na imprensa internacional indicava que o Twitter estava prestes a sair do ar a qualquer momento. Nada ocorreu, praticamente nada mudou. Cada corte de departamento, demissão ou erro de gerenciamento de equipe foi noticiado como se fosse o prego no caixão do Twitter. A lógica do raciocínio é que as demissões seriam feitas sem planejamento nem controle, então seria impossível manter o serviço funcionando.
Você deve conhecer gente que abriu conta na plataforma indiana Koo. Na semana antes, a febre era migrar para o Mastodon. Desde que Elon Musk assumiu a empresa, o tom apocalíptico, quase de torcida pelo fracasso, ficou evidente em muitos setores. O nome sugestivo da plataforma também foi um fator importante para o sucesso entre os brasileiros. A infinidade de piadas e trocadilhos possíveis fez com que muita gente tivesse vontade de entrar na onda.
Fatos não foram levados em consideração. Para saber exatamente o que poderia ou não ocorrer, havia um ponto central: entender o que é necessário para manter o Twitter funcionando da forma como é hoje. Entre os tocadores de trombetas do Apocalipse, essa preocupação não existiu.
O clima apocalíptico fez com que muita gente resolvesse partilhar seus dados sem nem saber qual o tipo de tratamento dado a eles.
Outro ponto importante é saber exatamente que tipo de gestão de dados pessoais é feita pelo Koo. Se nós já temos problemas com plataformas sediadas nos Estados Unidos, com cujos costumes e leis temos mais familiaridade, imagine com algo sediado na Índia. Nossa cultura e nossa cobertura jornalística sobre a Índia são apenas incidentais, não se discute aqui a forma como os indianos entendem os dados pessoais. O clima apocalíptico fez com que muita gente resolvesse partilhar seus dados sem nem saber qual o tipo de tratamento dado a eles.
O jornalista Reed Albergotti, editor de tecnologia da Semafor, tirou uma dúvida que eu lancei aqui na semana passada. Haveria alguma diferença de tratamento entre as demissões do Twitter, comprado por Elon Musk, e das demais Big Techs, que também estão demitindo em massa?
Especializado em tecnologia, o jornalista foi direto ao ponto: quantas pessoas seriam necessárias para manter o Twitter de pé. É a informação crucial para poder analisar se as demissões interferem ou não no funcionamento da plataforma.
Ele entrevistou Alex Stamos, que já foi chefe de segurança do Facebook e hoje é professor na Universidade de Stanford e crítico da moralidade das Big Techs. Ele não é fã do Twitter nem de Elon Musk, vê problemas na condução da rede social, mas não cai na bobagem de dizer que estão a um passo do fechamento.
Elon Musk é tratado por muitos como o homem mais poderoso do mundo. O estilo de gestão dele é questionado sobretudo pelos riscos que aceita e pelo estilo de gerenciamento de equipes
Faço questão de traduzir na íntegra a troca de uma única pergunta e resposta que trouxeram mais informações que muito frenesi. Os gritos são meus:
Reed Albergotti: Eu li muitos artigos sobre como as demissões e demissões no Twitter estão prestes a travar o serviço. Por que não desligou?
Alex Stamos: Você provavelmente pode manter o Twitter funcionando, sem mudanças, com algumas centenas de pessoas. Eles só precisam ser as pessoas certas. Um dos erros que acho que Elon cometeu foi estruturar as rodadas de demissões e ofertas de rescisão para reter apenas pessoas que não têm outras ótimas opções. O Twitter não vai simplesmente falhar. Eles têm cerca de 500.000 servidores executando milhares de serviços.
Muitos deles podem falhar e, como o sistema foi bem arquitetado, o Twitter continuará rodando com alguma degradação. Isso já aconteceu quando o serviço de autenticação de dois fatores falhou e, por pelo menos um dia, as pessoas com 2FA ativado não conseguiram fazer login novamente. (Eu fui uma dessas pessoas que não conseguiram logar com a falha no ano passado. Em menos de um dia o problema foi resolvido automaticamente.)
Eventualmente, haverá um problema que deve ser resolvido pelos SREs [engenheiro de confiabilidade do site] ou causará uma falha em cascata. A questão será se existe a equipe certa naquele ponto para interromper a cascata. A outra questão é que basicamente não há mais equipe de segurança. Portanto, não está claro se os relatórios de recompensas de bugs estão sendo tratados e se alguém está analisando os alertas e investigando as violações.
O Twitter nunca iria simplesmente falhar. O problema é que Elon agora corre riscos muito maiores, com uma equipe formada por pessoas que não podiam desistir. Uma das minhas grandes preocupações é que a equipe que deteve as operações de influência do governo seja dizimada. É praticamente uma temporada aberta no Twitter para Irã, China, Rússia e qualquer outra pessoa que queira administrar grandes redes de contas falsas para manipular a opinião.
Mais duas questões para Musk:
1. Será muito difícil ganhar dinheiro com os principais relacionamentos rompidos.
2. A causa mais comum de tempo de inatividade são as alterações de código que dão errado. Executar o roteiro do produto que ele traçou com uma equipe mínima será muito arriscado.
Elon Musk é tratado por muitos como o homem mais poderoso do mundo. O estilo de gestão dele é questionado sobretudo pelos riscos que aceita e pelo estilo de gerenciamento de equipes. Alex Stamos não minimiza isso.
No entanto, as declarações dele mostram que os fatos mais importantes ficaram de fora da discussão que incendiou as redes sociais. Esses fatos eram o risco real de colapso do Twitter. Para o especialista, é um risco inexistente.