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Cidadania Digital

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Usuários diminuem compartilhamentos de notícias e preferem grupos privados

(Foto: Pixabay)

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Duas semanas atrás fiz aqui um artigo focando no comportamento do brasileiro descrito no Digital News Report 2023, relatório sobre consumo digital de notícias feito pelo Reuters Institute e pela Universidade de Oxford. Ele mostra que a confiança no noticiário está em queda.

Agora há um novo ângulo de leitura muito interessante, agrupando os dados de outra forma. Ele foi publicado por Kirsten Eddy, pesquisadora pós-doutora associada do Reuters Institute. Ela mostra que as pessoas começaram a evitar o compartilhamento de notícias nas áreas públicas das redes sociais.

As pessoas fogem do ambiente tóxico das redes, em que tudo vira uma arena romana.

“À medida que a novidade das oportunidades participativas das redes sociais diminui, pode ser hora de editores, jornalistas e pesquisadores repensarem o que significa engajamento e participação nas notícias em um ambiente online, porém menos abertamente participativo. Isso inclui refletir sobre as audiências deixadas para trás quando esses espaços são dominados pela toxicidade ou partidarismo – frequentemente as mesmas pessoas que há muito tempo são negligenciadas ou mal representadas pela mídia noticiosa”, alerta Kirsten Eddy.

Durante muito tempo, a mídia corporativa dominou o noticiário. Com o surgimento das redes sociais, as pessoas passaram a ter a possibilidade de interagir com as notícias e compartilhar opiniões em tempo real. No início, tínhamos a sensação de que finalmente seria possível todos terem uma voz. Ocorre que os algoritmos, as bolhas e as polarizações tóxicas estão fazendo as pessoas desistirem dessa possibilidade. Em vez de sentir que têm uma voz, as pessoas sentem que podem ser alvo de ataques ao dizer o que pensam. Em cada país isso ocorre de maneira diferente, mas a tendência é global.

Os comportamentos dos usuários com relação à notícia são divididos em três grupos diferentes:

  1. Participantes ativos: os que postam e comentam as notícias, seja nas redes sociais ou nos sites jornalísticos.
  2. Participantes reativos: os que lêem, dão like ou compartilham notícias.
  3. Consumidores passivos: os que consomem notícias mas não interagem com elas.

A medição começou em 2018. Em apenas 5 anos, houve uma queda de 11 pontos percentuais nos participantes ativos. Os reativos subiram 6 pontos percentuais e os passivos subiram 5 pontos percentuais.

É muito interessante ver o perfil dos consumidores de notícias que estão dispostos a interagir com elas e compartilhar nos espaços públicos. A maioria é formada por gente que tem visões mais extremadas da política, tanto à direita quanto à esquerda. Quanto mais moderada a pessoa, menor a tendência a compartilhar. A maior parte dos que comentam ativamente as notícias se descrevem como pessoas de extrema esquerda ou extrema direita. Quem se diz de esquerda, direita ou centro é minoritário nesse grupo.

Pode parecer natural porque, quanto mais apaixonada a pessoa, mais ela foca num assunto. Mas isso tem desdobramentos problemáticos porque existe uma interação entre o público e os órgãos de imprensa. A maioria das interações é de pessoas que se descrevem abertamente com uma visão ideológica mais extrema. Na pergunta original elas são muito de esquerda ou muito de direita. Você pode dizer se é de direita, esquerda, centro, muito de esquerda ou muito de direita. Essa não é, no entanto, uma fotografia da sociedade.

A maioria de nós se diz de direita ou esquerda. Há quem diga ser de centro. Já os que se dizem muito para um lado ou outro são minoritários porque parece algo meio apaixonado demais, longe da discussão objetiva. Ninguém gosta de parecer ser extremo mesmo que seja. E aqui falamos de quem admite as próprias visões extremadas. Como a maioria dos comentários vem desse público, que é minoritário, podemos criar uma distorção. Os jornalistas e veículos de comunicação podem pensar que isso é o “Zeitgeist”, o espírito do tempo.

É cada vez mais importante prestar atenção em quem está interessado na participação cidadã mas não tem encontrado espaços seguros para fazer isso.

“Zeitgeist” é uma palavra alemã que pode ser traduzida como “espírito do tempo” ou “espírito da época”. Refere-se ao clima cultural, intelectual e social predominante em um determinado período histórico. É uma expressão usada para descrever as tendências, ideias, valores e atitudes compartilhadas por uma sociedade em um momento específico. As manifestações públicas em redes sociais são frequentemente lidas como o “Zeitgeist”. O estudo mostra que elas vêm de uma minoria que é muito apaixonada pela própria visão política. Podem ser vistas como o espírito do tempo desse grupo, mas acabam sendo lidas como o que ocorre com todos.

O interesse das pessoas por notícias não diminuiu. Também não diminuiu a vontade de interagir com elas e ter uma voz. O que as pessoas fogem é do ambiente tóxico das redes, em que tudo vira uma arena romana. O refúgio de quem quer uma participação cidadã mas não quer ser devorado em público têm sido os grupos privados e aplicativos de mensagens.

Interagir em público com notícias não tem sido bom negócio para os cidadãos. O número que diz ter tido experiências ruins compartilhando notícias é de 21%, quase quatro vezes maior que os 6% que dizem ter tido experiências positivas. Essa percepção faz com que a interação com notícias seja dominada por um grupo cada vez menor e, por consequência, menos representativo do total da população.

Estamos diante de um desafio gigantesco para o universo jornalístico. É muito frequente uma leitura equivocada da resposta do público, imaginando que as reações em redes sociais ou comentários são representativas do todo. O “todo”, na verdade, tem começado a ficar quieto ou comentar apenas em grupos privados e aplicativos de mensagens. É cada vez mais importante prestar atenção em quem está interessado na participação cidadã mas não tem encontrado espaços seguros para fazer isso.

“Os editores devem estar cientes dessas tendências e considerar novas maneiras de ampliar e aprofundar o engajamento com uma maioria mais passiva ou reativa. Dado o vínculo entre as percepções dos usuários sobre suas experiências com as notícias e sua disposição para participar ativamente delas, um meio de construir e se conectar com as audiências pode ser investir na promoção de espaços digitais saudáveis”, aconselha Kirsten Eddy.

É um conselho sábio que nós, do universo jornalístico, precisamos levar em consideração.

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