A Agência Nacional do Cinema (Ancine) divulgou nesta quarta-feira (21) seu relatório com os números consolidados de bilheterias nas salas do país no ano passado. Não há grandes surpresas – os blockbusters americanos continuam onipresentes e atraindo a grande maioria do público – mas é interessante observar como algumas tendências, principalmente em relação ao cinema nacional, têm se fortalecido.
Segundo a Ancine, 155,6 milhões de pessoas foram ao cinema em 2014, quantia 4% maior do que o público total em 2013. O número total de espectadores tem aumentado ano a ano, mas em menor ritmo desde 2011 – naquele ano, o público total foi de 143,2 milhões.
O exercício mais interessante, aqui, é observar qual a fatia do cinema nacional neste bolo. Segundo o relatório da Ancine, o market share do cinema nacional – porcentual do público total que foi assistir a filmes brasileiros – foi o segundo menor em 2014 dos últimos seis anos. Apenas 12,2% dos 155,6 milhões de espectadores assistiram a filmes produzidos por aqui. Em 2013, esse porcentual foi de 18,6%.
Pode-se pensar que poucas pessoas assistiram a filmes brasileiros porque pouquíssimos foram lançados no cinema. Não necessariamente. O último ano terminou com o lançamento de 114 produções. Menos do que em 2013, quando o cinema nacional atingiu o recorde de 129 filmes lançados, mas ainda assim, um número razoável, ainda mais quando comparamos com as 74 produções em 2010.
O velho problema aqui, mais uma vez, é o gargalo da exibição. A grande maioria destes filmes brasileiros atinge um público pequeno porque não consegue espaço nas salas de cinema, dominadas pelos blockbusters americanos. Alemão, por exemplo, que foi o sétimo filme nacional mais visto ano passado, com 955,8 mil espectadores, estreou em março em 368 salas do país. Enquanto isso, Rio 2, que estreou no mesmo mês, ocupou 1.271 salas no lançamento. A animação, inclusive, foi o terceiro filme mais visto ano passado no Brasil, com 5,2 milhões de espectadores.
Caso tivesse estreado em um número muito maior de salas, Alemão teria conquistado os espectadores? Ou o grande público não está mesmo interessado em filmes nacionais, ainda mais de um gênero de ação, historicamente pouco trabalhado pelos cineastas daqui?
Ao que mostra o relatório da Ancine, não se trata de um “pé atrás” do público com produções locais. Filmes brasileiros têm sim conquistado boas bilheterias – em 2014, seis produções nacionais ultrapassaram a marca de um milhão de espectadores. No entanto, esse “seleto” grupo é formado predominantemente por filmes de comédia, parte delas as chamadas “globochanchadas“, estreladas por atores globais e geralmente dotadas de um humor histriônico e um pouco duvidoso, por assim dizer.
Entre os 10 filmes brasileiros mais vistos em 2014, sete eram comédias. O mesmo ocorreu no ano anterior, em 2013, quando oito dos dez filmes nacionais mais vistos eram do gênero. Segue abaixo o ranking de bilheteria dos filmes nacionais ano passado, com o número de salas em que o filme estreou:
1. Até que a Sorte nos Separe 2 – 2,93 milhões de espectadores, 778 salas
2. O Candidato Honesto – 2,23 milhões de espectadores, 595 salas
3. Os Homens são de Marte… E é para lá que eu vou – 1,79 milhões de espectadores, 465 salas
4. SOS Mulheres ao Mar – 1,77 milhões de espectadores, 450 salas
5. Muita Calma Nessa Hora 2 – 1,42 milhões de espectadores, 422 salas
6. Vestido para Casar – 1,26 milhões de espectadores, 491 salas
7. Alemão – 955,8 mil espectadores, 368 salas
8. Confissões de Adolescente – O Filme – 798,2 mil espectadores, 393 salas
9. Tim Maia – 776,8 mil espectadores, 540 salas
10. Copa de Elite – 646, 2 mil espectadores, 267 salas
Há, porém, luz no fim do túnel. O ótimo “drama juvenil” Hoje eu Quero Voltar Sozinho – sobre o qual já falamos aqui no blog – está na lista dos 20 filmes brasileiros mais vistos no cinema (no 17 lugar), mesmo tendo a exibição mais restrita entre todos: estreou em somente 38 salas. Mesmo assim, o boca a boca favoreceu o filme, que permaneceu por um bom tempo em cartaz, ganhou espaço em mais salas e fechou o ano com 204,7 mil espectadores, além de uma merecida indicação para representar o Brasil na corrida do Oscar por uma vaga ao prêmio de Melhor Filme Estrangeiro. A indicação não rolou, mas o filme é uma prova de que os brasileiros estão sim interessados no que é feito aqui, desde que seja um produto de qualidade e que converse com diferentes públicos.
A título de comparação e curiosidade, vale dar uma olhada nos 10 filmes mais vistos – de maneira geral – nos cinemas do país em 2014. Não há nenhum representante brasileiro nessa lista – Até que a Sorte nos Separe 2 ocupa só a 17 posição. Preste atenção no número de salas em que os blockbusters estrearam, para entender como “uma coisa tem tudo a ver com a outra”.
1. A Culpa é das Estrelas – 6,16 milhões de espectadores, 950 salas
2. Malévola – 5,75 milhões de espectadores, 796 salas
3. Rio 2 – 5,21 milhões de espectadores, 1.271 salas
4. X-Men: Dias de um Futuro Esquecido – 4,92 milhões de espectadores, 1.419 salas
5. Noé – 4,88 milhões de espectadores, 1.015 salas
6. Jogos Vorazes: A Esperança – Parte 1 – 4,75 milhões de espectadores, 1.580 salas
7. Capitão América 2: O Soldado Invernal – 4,62 milhões de espectadores, 1.116 salas
8. Como Treinar seu Dragão 2 – 4,60 milhões de espectadores, 951 salas
9. Transformers: A Era da Extinção – 4,58 milhões de espectadores, 1.053 salas
10. Planeta dos Macacos: O Confronto – 4,10 milhões de espectadores, 1.104 salas
Ficou interessado e quer esmiuçar os dados do relatório? É possível acessar o documento da Ancine por aqui.
Os números ainda dão pano pra manga e merecem novos posts e pitacos. Mas, por enquanto, faço uma provocação aos amigos do blog que já fiz antes por aqui. Quais as principais barreiras para que o cinema brasileiro atinja um público maior? Faltam produções de qualidade? Falta interesse do público? Ou falta espaço para os filmes? Vamos conversando pelos comentários, porque essa discussão vai longe.
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