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No início da década passada, quando eu ainda estava cursando a faculdade, fazia um bico em uma videolocadora de meu tio em Itapema (SC), aos fins de semana e durante a temporada de verão. Era uma boa oportunidade para ganhar alguns trocados e, principalmente, ficar por dentro de tudo quanto era tipo de lançamento, inclusive aqueles obscuros, que saíam direto em DVD ou VHS, sem passar pelos cinemas. Em um destes dias de trabalho, ao mexer na estante dos filmes, dei de cara com um DVD que, mesmo eu sem nunca ter ouvido falar, prendeu minha atenção. A capa apresentava dois sujeitos com capotes pretos e armas em punho, à frente do que parecia ser um cenário futurista. E em cima do título, uma tagline sucinta e nada modesta: “Esqueça Matrix“.

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O filme em questão era Equilibrium (2002), sci-fi de ação escrito e dirigido pelo norte-americano Kurt Wimmer, mais conhecido na área por sua atuação como roteirista (seu último trabalho foi o remake de O Vingador do Futuro). Quando tive o primeiro contato com o filme, lembro que de fato o que me intrigou mais foi a comparação com Matrix — na época, apenas o primeiro filme havia sido lançado e, portanto, a obra dos irmãos Wachowski era levada bem mais a sério do que hoje em dia.

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Revi este fim de semana Equilibrium e, assim como havia pensado há 10 anos, é claro que qualquer comparação com a saga de Neo e Morpheus é despropositada. Ao contrário do que a distribuidora do filme pretendeu vender, Equilibrium não serve para que “esqueçamos Matrix”. Mas cumpre seu papel em nos apresentar um universo tão rico quanto, que bebe diretamente da fonte de obras clássicas da ficção científica. E ainda por cima tem Christian Bale em um papel digno de nota.

O sci-fi de Kurt Wimmer parte de uma premissa interessante. Em um futuro próximo, após sobreviver à Terceira Guerra Mundial, um governo fascista decide implantar um regime de “insensibilidade” entre a população, para evitar que emoções negativas, como a raiva, luxúria, ambição e inveja levem a novas guerras. Assim, todos os habitantes, sem exceção, são obrigados a tomar diariamente um remédio que inibe qualquer sentimento — como efeito colateral, não é possível amar, sentir empatia ou se emocionar com uma obra de arte.

Não bastasse a “proibição de sentir”, todas as estruturas residenciais e ambientes de trabalho são padronizados, revestidos por um cinza sóbrio e deprimente, justamente para buscar uma unidade e evitar que algum cidadão se distancie da engenhosa engrenagem que rege a vida e rotina de todos. Um grupo policial de elite, cujos integrantes são chamados de clérigos, se responsabiliza por caçar aqueles que desafiam a lei vigente e ousam “sentir” ou guardar lembranças do mundo anterior, como discos de vinil, livros de poesias e pinturas. O protagonista, interpretado por Christian Bale, é um desses agentes, que, anos atrás, teve a mulher condenada à morte pelo pecado de sentir.

Logo fica evidente que o universo distópico de Equilibrium nada mais é do que uma colagem de elementos-chave presentes em obras clássicas da literatura de ficção científica. O remédio que os habitantes têm de tomar para se blindarem contras as emoções negativas (e positivas) é uma versão amarga do soma, a droga onipresente em Admirável Mundo Novo, de Aldous Huxley. Desse mesmo livro podemos pinçar o consentimento forçado a que os habitantes são submetidos, sem que tenham ânsia de reverterem a ordem social vigente. Todos estão satisfeitos com sua função e espaço na sociedade, até porque não há a possibilidade de uma ascensão financeira ou moral.

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O governo totalitário, que controla cada passo da população e pune sem dó aqueles considerados “rebeldes”, nos remete ao cerne do clássico 1984, de George Orwell. E, por fim, as cenas em que obras de arte, livros, discos e frascos de perfume são incinerados parecem tiradas diretamente das páginas de Fahrenheit 451, escrito por Ray Bradbury (romance que já foi adaptado às telas por  François Truffaut).

A repetição de temas já consolidados na literatura do gênero tira o brilho de Equilibrium? Nada disso. Na verdade, contribuem para dar mais densidade e complexidade a um filme que poderia passar facilmente por uma produção de segunda. Dá para perceber que o orçamento foi limitado — US$ 20 milhões, conforme o IMDb –, assim como a experiência do diretor, que usa e abusa de artifícios batidos nas cenas de ação, principalmente as de tiroteio (como os soldados que ficam parados com armas em punho apenas para pularem quando são atingidos). Há, ainda, os usuais furos de roteiro e as reviravoltas forçadas, que subestimam um pouco a inteligência do espectador.

A presença de Bale eleva um pouco o nível, com uma atuação competente que destaca a frieza e o conflito profundo que movem o protagonista. Outro destaque são as cenas de luta com a espada, como a que se desenrola no desfecho. Ao fim, Equilibrium se mostra como um exemplar competente da categoria de filmes que passam ao largo do mainstream mas são redescobertos após o lançamento em DVD ou por meio dos downloads via internet. No meu caso, tive ajuda do Netflix, que tem se mostrado um serviço mais do que interessante para “ressuscitar” produções esquecidas.

Já assistiu a Equilibrium? O que achou do filme? Esse é daqueles que merece ser lembrado ou esquecido? Deixe sua avaliação aqui no blog!

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