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Frances Ha e a odisseia de uma garota comum

Já fiz esta pergunta por aqui, mas repito: o que você procura em um filme? O que te leva a perder algumas horas em uma sala de cinema ou na frente da televisão, em casa? Difícil responder com exatidão, eu sei. Às vezes, só o que queremos é sentar no sofá e arejar a cabeça, esquecer de tudo o mais, deixar que aquela história nos leve pra longe. Em outras ocasiões, queremos ser desafiados, surpreendidos. Necessitamos que aquelas imagens nos inspirem desejo, sustos, tensão.

E esses anseios do espectador estão totalmente ligados ao tipo de trama e universo que se apresenta na tela. É comum e natural que nos apaixonemos justamente pelas histórias que estão totalmente distantes dos ambientes e problemas que nos rodeiam. É fácil entender o apelo de sagas como O Senhor dos Anéis, Harry Potter, Guerra nas Estrelas e tantas adaptações de histórias em quadrinhos. Todos gostamos de fantasiar, de fugir do trivial, de esquecer por alguns instantes a rotina que nos cerca, cheia de problemas mundanos e pouco inspiradores.

Greta Gerwig: atuação foi indicada ao Globo de Ouro.

Greta Gerwig: atuação foi indicada ao Globo de Ouro. (Foto: Divulgação)

Dito isto, é curioso reconhecer como outros filmes, que vão totalmente no sentido contrário, também são capazes de encantar e ficar na memória. Um dos exemplos mais recentes é Frances Ha (2012), dirigido por Noah Baumbach e escrito por ele com a atriz Greta Gerwig, que interpreta a personagem que dá título ao filme. Ela, inclusive, foi indicada ao Globo de Ouro de Melhor Atriz em uma produção de comédia ou musical.

Frances Ha, porém, é difícil de encaixar em um gênero específico. Não é inteiramente uma comédia, muito menos um drama, e está longe de ser um romance tradicional. É “simplesmente” um recorte da vida de uma garota novaiorquina comum durante alguns meses, que, vejam só, não possui nenhum grande conflito a resolver nem um grande amor a buscar. A não ser aqueles problemas que nos afligem com frequência, como conseguir dinheiro para pagar as contas, tentar subir no emprego, resistir ao ciúme do namorado da melhor amiga ou achar um lugar decente pra ficar que não tenha um aluguel assombroso (coisa difícil em Curitiba, aliás).

Uma garota comum com problemas comuns: Frances Ha se passa em Nova Iorque, mas o cenário poderia ser qualquer outro.

Uma garota comum com problemas comuns: Frances Ha se passa em Nova Iorque, mas o cenário poderia ser qualquer outro.

Já ficou entendiado? Nada disso. O que nos chama a atenção e prende nosso olhar na tela é justamente essa verossimilhança que a personagem possui com tantas outras pessoas que conhecemos e, talvez, com nós mesmos. Frances tem 27 anos, está longe de ter um namoro firme ou casar, vive da boa-vontade dos amigos, está sempre sem grana e continua insistindo em algo que não tem muito futuro — no caso, a dança, arte para a qual não leva jeito. Além disso, seu comportamento foge (e muito) do estereótipo de uma heroína clássica do cinema: Frances, dependendo da ocasião, é egoísta, mesquinha, infantil, ingênua e mala. Mas, ao mesmo tempo, pode ser uma amiga fiel, uma companhia divertida e uma filha dedicada. Ou seja, ela é aquela garota que você gostaria de ter do lado para falar besteira e ver um filme num domingo à tarde.

Ode à amizade: a rotina de Frances gira ao redor dos amigos e da boa vontade deles.

Ode à amizade: a rotina de Frances gira ao redor dos amigos e da boa vontade deles. (Foto: Divulgação)

Por isso, ao longo da curta projeção (o filme tem pouco mais de 1h20min de duração) acabamos torcendo descaradamente para que Frances enfim tome jeito na vida e pare de dar “murro em ponta de faca”, como diria minha mãe. Ficamos constrangidos quando ela resolve desatar a falar tolices em um jantar de grã-finos e sofremos quando recebe a notícia de que será despedida da companhia em que trabalha – e o aluguel do mês, como fica? Tudo isso é mérito não só do bom roteiro escrito a quatro mãos, mas, logicamente, da atuação de Greta Gerwig, que torna essa personagem tão comum e banal adorável.

Para a nossa sorte, e a de Francis, o desfecho do filme é otimista, mas não açucarado ou definitivo. Ela não encontra um grande amor, muito menos se torna uma coreógrafa conhecida mundialmente, como seria de se imaginar em uma comédia-romântica usual. No alto de seus 20 e poucos anos, Francis ainda irá passar por poucas e boas e quebrar a cara tantas outras vezes. Assim como nós, seus amigos do outro lado da tela.

A título de degustação, seguem abaixo algumas cenas do filme, que dão o tom da trama e da bela fotografia em preto e branco:




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