Logo que comecei a escrever para o blog, recebi mensagens e comentários de leitores pedindo para que falasse de um certo filme passado em uma Austrália futurista, com um Mel Gibson que não tinha nem barba na cara ainda… Demorou, mas chegou a hora de lembrar um pouco do primeiro filme da trilogia amada por muita gente: Mad Max (1979), escrito e dirigido por George Miller.
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Estradas desertas, carros coloridos e selvagens em motocicletas. A trama escrita por George Miller e James McCausland é enxuta e não perde tempo explicando onde estamos ou o que aconteceu nesta terra futurista – a única pista de que o filme se passa realmente no futuro vem logo no início, com uma mensagem para o espectador “a few years from now…”. A ambientação não é o ponto forte de Mad Max por uma questão básica – o orçamento reduzido não ultrapassou os 400 mil dólares.
Não importa. Este não é um filme sobre um planeta à beira do colapso, mas sim sobre um homem que vê sua humanidade escapar entre suas mãos, soterrado pela loucura que ronda as estradas e vem bater em sua porta. Ele veste botas, calças e jaqueta de couro preto. Embaixo, uma camiseta azul clara. Ele é Max. Max Rockatansky, a principal estrela de uma equipe decadente de policiais patrulheiros, responsáveis por manter as estradas limpas de criminosos.
Não é à toa que o primeiro filme da trilogia virou cult – apesar de o segundo, Mad Max 2 – A Caçada Continua (Mad Max 2, 1981), ser mais conhecido. A obra de George Miller mescla diferentes gêneros e estéticas para criar algo original, que serviria de referência para dezenas de produções a partir de então, até hoje. A base da Main Force Patrol, intitulada de Halls of Justice, chega a lembrar a famosa Sala de Justiça, do desenho Superamigos. A diferença é que a base dos policiais é suja, bagunçada e repleta de figuras estranhas, que até tentam, mas não conseguem se portar como heróis.
As viaturas coloridas e turbinadas, à lá Hot Wheels, reforçam a imagem de um “super grupo”, onde cada integrante tem uma personalidade bem definida e diferente dos demais. Antes de ser um filme de super-heróis, no entanto, Mad Max é um faroeste futurista. Estão lá as vilas abandonadas, os xerifes ostentando o distintivo no peito e os forasteiros ameaçadores – só que aqui eles andam de motos, e não a cavalo.
Em meio a esse cenário parado no tempo – apesar de, paradoxalmente, estarmos no futuro – Max Rockatansky surge no início como um símbolo da normalidade e dos valores indispensáveis a qualquer ser humano. Afinal, ele tem uma bela esposa (que toca saxofone muito bem, inclusive), um filho ainda nos seus primeiros anos e uma estilosa casa na praia. É um pai de família, um apaixonado, um jovem com sonhos que quer fugir da violência que o cerca.
Esse porto seguro começa a desmoronar quando Max se envolve em uma perseguição e, ao fim, causa indiretamente a morte de “Nightrider”, um bandido integrante de uma gangue de motoqueiros baderneiros. Logo o principal parceiro de Max é atacado pelos criminosos e o inevitável acontece: sua própria família vira alvo dos selvagens. O filho é morto. A esposa fica à beira da morte.
Surge, então, um novo Max Rockatansky, o “Mad Max” que dá título ao filme. Em uma cena emblemática, logo após ter sua esposa e filho atacados, Max aparece inconsolável na casa de praia segurando a máscara de borracha de um monstro. Ele encara a máscara e, como se refletisse seu novo “eu”, o monstro que se vê obrigado a se tornar, decide então buscar vingança contra os criminosos. Vingança, não justiça. Max agora é um vigilante e não mais um policial responsável por manter a lei e a ordem.
Difícil não reconhecer o mérito da atuação de Mel Gibson na hora de compor o personagem – afinal, como já disse antes, Mad Max é um filme de personagem, que se estrutura na figura do protagonista. Mel Gibson só tinha atuado em um filme até então e, diz a lenda, conseguiu o papel em Mad Max ao ter aparecido nos testes com o olho roxo e a cara cheia de hematomas, após ter se envolvido em uma briga de bar no dia anterior. O jovem Gibson – nascido nos EUA mas morador cativo da Austrália – conheceu o estrelado então aos 23 anos e, numa decisão bem-sucedida, abandonou o país para ir a Hollywood. Ficou fácil, já que seu rosto logo se tornou bem conhecido: o primeiro Mad Max, lançado no ano seguinte, em 1980, nos Estados Unidos, rendeu mais de 100 milhões de dólares e se tornou um dos filmes mais lucrativos da história do cinema.
O final do filme é apressado, mas celebra o surgimento do “novo” Max. O vigilante vai atrás dos cabeças da gangue e, sem grande dificuldade, dá cabo dos criminosos. O último acerto de contas, justamente com o motoqueiro mais abobalhado, é repleto de sadismo. Max prende com uma algema a canela do jovem nos destroços de um carro. Entrega a ele uma serra. Assim, o pobre coitado pode optar por serrar o pé fora antes de que o carro exploda em chamas.
Max não espera para ver a reação do rapaz. Embarca no carro, dá partida e, pelas janelas do possante, vemos somente uma bola de fogo subir ao céu lá atrás. Impassível, Max Rockatansky acelera na estrada.
Algumas frases célebres de Max Rockatansky (optei por deixar no original, em inglês, para evitar distorções com traduções – sejam as minhas ou das legendas brasileiras):
“I’m scared, Fif. It’s that rat circus out there, I’m beginning to enjoy it. Look, any longer out on that road and I’m one of them, a terminal psychotic, except that I’ve got this bronze badge that says that I’m one of the good guys” (desabafando com o chefe de polícia, Fif)
“I just can’t get it clear in my head, Jess. He was so full of living, you know? He ran a franchise on it. Now there’s nothing. And here I am trying to put sense to it, when I know there isn’t any.” (conversando com a esposa sobre o assassinato do amigo)
“The chain in those handcuffs is high-tensile steel. It’d take you 10 minutes to hack through it with this. Now, if you’re lucky… you could hack through your anckle in 5 minutes” (castigando o último integrante da gangue que atacou sua família)
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