Há alguns dias presenciei uma cena emblemática momentos antes de assistir a Hoje Eu Quero Voltar Sozinho, produção nacional do diretor Daniel Ribeiro que estreou nos cinemas no último dia 10 de abril. Na fila para entrar na sala de projeção, uma senhora dá de cara com o cartaz do filme. E aí não consegue segurar a surpresa. “Ahhh, não acredito! Dublado?! Como pode isso?! Será que ninguém sabe ler hoje em dia? Por que colocar filme dublado?!”, diz ela para o companheiro, indignada. Pelo visto, a espectadora viu o cartaz e a sinopse, achou bonitinho e resolveu encarar o filme. Não se flagrou que era uma produção brasileira. Provavelmente, caso soubesse disso, não tinha se disposto a assistir.
OK, foi um ato falho da senhora. Mas não vamos nos enganar. Muitos espectadores ainda agem e pensam da mesma forma. Mesmo depois de tanto tempo, é difícil se desvincular do preconceito — ou falta de vontade do espectador — que ronda o cinema nacional. Ainda mais quando não há atores globais no cartaz ou não se trata de uma comédia pastelão. Bons filmes sempre foram feitos por aqui. Eles apenas penam — e muito — pra chegar ao grande público, o que também é reflexo dos gargalos de distribuição, da concorrência desigual com os blockbusters hollywoodianos e do número ainda pequeno de salas de exibição pelo país, principalmente fora do eixo Rio-São Paulo.
De qualquer maneira, todo esse cenário é assunto para outro post. O importante é reconhecer que são filmes como Hoje Eu Quero Voltar Sozinho que, aos poucos, têm feito bastante gente rever seus conceitos e sair de casa para assistir exclusivamente a uma produção nacional. O drama adolescente de Daniel Ribeiro estreou somente em 34 salas pelo país, mas ganhou força logo após o lançamento e há, inclusive, abaixo-assinados e manifestos de espectadores dirigidos às redes exibidoras pedindo que o filme entre em cartaz em várias outras cidades. A página oficial do filme no Facebook reúne 221 mil fãs e, em pouco mais de 10 dias, 70,6 mil espectadores já foram ao cinema. Nada mal para um filme brasileiro de exibição tão restrita.
A crítica ao filme, em geral, tem sido bastante positiva. O colega Paulo Camargo, aqui da Gazeta do Povo, escreveu a respeito e foi direto ao ponto. “Aparentemente simples, mas construído com extrema delicadeza e sensibilidade, Hoje Eu Quero Voltar Sozinho é, acima de tudo, um filme sobre o universo dos afetos, que fala de família, amizade e do despertar para o amor de um garoto que não enxerga e teme, por isso, nunca ser capaz de atrair ninguém, suscitar mais do que piedade”, escreveu ele — leia a crítica completa aqui.
Em resumo, o filme aproveita personagens já apresentados no curta de Ribeiro Eu Não Quero Voltar Sozinho, lançado em 2010. Ghilherme Lobo interpreta Leonardo, um adolescente cego que precisa conviver com suas limitações e a vigilância irrestrita de uma mãe super-protetora. Sua melhor — e única amiga, diga-se de passagem – é a personagem de Tess Amorim, Giovana, que esconde uma paixonite pelo rapaz. No longa-metragem, a dupla ganha a companhia de um garoto recém-chegado à escola, Gabriel, vivido por Fabio Audi. Com a chegada do garoto, a amizade entre Leo e Giovana estremece e, aos poucos, o adolescente percebe que sente algo a mais pelo novo amigo.
Podia ser a premissa de uma temporada do seriado global Malhação, mas Ribeiro conduz a trama de forma leve e sutil, sem imbecilizar os adolescentes (algo muito comum por aí em filmes do tipo) e sem forçar a barra ao tratar da homossexualidade entre os jovens. O espectador se torna confidente dos momentos de descoberta de Leo e embarca sem dificuldade em uma história que se passa inteiramente entre estudantes, mas que é voltada para um público muito mais amplo.
O crítico Gabriel Carneiro, da Revista de Cinema escreveu justamente sobre a leveza que ronda o filme do início ao fim e o torna tão palatável para espectadores de todas as idades. “É muito comum se referir aos filmes de Ribeiro como delicados, talvez, realmente, o melhor adjetivo a descrevê-los. Delicados porque Ribeiro nunca pesa a mão, nunca se excede – tudo é muito leve, sem grandes afetações”, afirma – leia a crítica completa aqui. Apesar de uma das temáticas ser a relação homossexual entre dois garotos, Hoje Eu Quero Voltar Sozinho não é panfletário, tampouco pinta seus protagonistas como contestadores ou dignos de pena. Torcemos por Leo não porque ele é cego ou se descobre homossexual, mas acima de tudo porque ele é um garoto repleto de sonhos, dúvidas e incomodações. Um adolescente típico, como todos fomos um dia.
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