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Alienígenas são seres assustadores, maus e comedores de criancinhas, certo? Por isso mesmo, qualquer contato deve ser evitado a todo custo. Isso é o que aprendemos por meio de boa parte dos filmes de ficção científica e horror que, desde tempos remotos, de Ed Wood a Ridley Scott, pintam os habitantes de outros planetas como uma ameaça aterrorizante digna de constar ao lado de outros monstros clássicos, como vampiros, zumbis e lagartos gigantes.

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O sucesso de séries como Alien e O Predador comprova o potencial desta “cara de poucos amigos” dos alienígenas – reforçada pelo aspecto físico nada convidativo destes personagens. Por outro lado, há os filmes que, embora em menor número, conseguiram transformar estes seres em sujeitos carismáticos e, na medida do possível, até inofensivos. Nesta linha, a primeira imagem que vem à cabeça, para 9 em cada 10 cinéfilos, é a do simpático extraterrestre de Steven Spielberg, no clássico E.T. (E.T. the Extra-Terrestrial, 1982).

Mas, aqui, quero fugir um pouco do óbvio para lembrar de outro filme, este bem mais obscuro, que tenta desmistificar a imagem do alienígena como um monstro letal sem disposição pra conversa. Trata-se da aventura oitentista Inimigo Meu (Enemy Mine, 1985), dirigida por Wolfgang Petersen, diretor alemão mais conhecido pelo primeiro A História Sem Fim (Die unendliche Geschichte, 1984).

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Em se tratando de uma ficção científica, Inimigo Meu peca pelos efeitos especiais limitados e datados, com monstros parecendo sair direto de um carro alegórico de Carnaval. Felizmente, o foco aqui não é a aventura em si em um planeta inóspito, mas sim o relacionamento conturbado entre dois homens bem diferentes forçados a conviver no mesmo espaço: um piloto terráqueo, Willis Davidge, interpretado por Dennis Quaid, e o alien “Jerry” Shigan, vivido por Louis Gossett Jr., irreconhecível atrás de uma máscara que o transforma em um sujeito reptiliano.

Jerry (o nome certo é Jeriba) é um Drac, raça alienígena que há um bom tempo vive em guerra com os terráqueos em disputas “territoriais” por outros planetas. Em um desses embates espaciais, as naves do escamoso e do virtuoso piloto Davidge caem em um planeta desconhecido, repleto de ameaças e mistérios mortais. Após um confronto inicial, a inusitada dupla reconhece que terá mais chances de sobreviver se permanecer unida, a despeito do ódio que as duas raças nutrem uma pela outra.

Inimigo Meu pode ser considerado como uma espécie de fábula, ressaltada pela narração em off do terráqueo vivido por Dennis Quaid. Aqui, há uma lição explícita – e muito bem-vinda – permeando a história do início ao fim: somos intolerantes porque desconhecemos o próximo e não nos permitimos qualquer empatia em relação ao outro. Muitas vezes, nossa cegueira é resultado de ideias preconcebidas, tratadas como senso comum mesmo quando não possuem qualquer fundamento.

É o que Davidge vai aprender ao longo de sua convivência forçada com Jerry. De inimigo malévolo, o alien, aos poucos, se mostra na verdade um sujeito bastante espirituoso, capaz de divagações filosóficas e forte defensor dos valores familiares. Por vários momentos, se mostra muito mais razoável do que o próprio terráqueo, que insistia até então em o ver somente como um réptil asqueroso de costumes estranhos.

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O relacionamento entre os dois avança a partir do momento em que Jerry, com uma facilidade quase paranormal, aprende a falar inglês, conjugando verbos e montando frases que fariam os olhos de um professor da Wizard brilhar (recurso utilizado pelos roteiristas para fazer o filme andar, claro). Alguns dos melhores momentos de Inimigo Meu surgem então daí, com as trocas de provocações entre os dois protagonistas. Vez ou outra as brincadeiras descambam para a grosseria e as vias de fato, mas nada que dois bons amigos, em uma situação “normal”, não fariam.

Com o tempo, Davidge faz o caminho inverso e aprende a linguagem dos Dracs e os ensinamentos do livro sagrado destes seres, o Tulman. Percebe que muitos ensinamentos da cultura “draconiana” são semelhantes a lições outrora compartilhadas em seu planeta natal – lições de respeito, amor ao próximo, persistência. Ao fim, Davidge e Jerry são muito mais parecidos do que imaginavam enquanto guerreavam, e as diferenças físicas e de língua surgem como meros detalhes. Não importa a origem, ambos são humanos, no sentido mais amplo da palavra.

O filme perde um pouco da sua força ao final, quando os diálogos espirituosos e as situações curiosas entre os protagonistas são substituídas por dispensáveis sequências de ação, em que Davidge luta contra outros terráqueos para salvar o rebento de Jerry. Nada que tire o brilho dessa fábula, que, em tempos de Marcos Feliciano e intolerantes de redes sociais , deveria ser reprisada com freqüência na Sessão da Tarde.

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